Com o fim da pesca, como a população poderá viver?

Por: Augusto de Castro Reis - 15/07/2021Orientação: Laís Carneiro Mendes

Ao longo de toda a bacia do rio Doce existem comunidades inteiras que veem na pesca sua fonte de alimento e emprego. O rompimento da barragem de Fundão criou um cenário de impossibilidade de pesca e alternativas futuras começaram a ser pensadas.

A pesca é uma das atividades que sustenta a alimentação de grande parte da população brasileira e mundial e, com o rompimento da barragem de rejeitos de mineração no município de Mariana, essa atividade enfrentou múltiplos obstáculos para ser efetuada com a qualidade e a segurança ao longo dos cursos d’água atingidos e na foz do rio Doce. Pensando nessa problemática e com o objetivo de propor soluções para a atual situação do município de Linhares, localizado na foz do rio Doce, no estado do Espírito Santo, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo procurou relacionar a pesca artesanal do município, o rompimento da barragem e a situação econômica e cultural em que o município foi deixado após o desastre.

A economia pesqueira é composta por uma cadeia produtiva múltipla, indo desde a produção de ferramentas para pesca em si (como os barcos), até os atores responsáveis por vender o produto, seja para o consumidor diretamente ou para a indústria alimentícia. Ou seja, a atividade pesqueira pode movimentar diversos outros setores interdependentes, assim como uma enorme mão de obra em cada uma das etapas, oferecendo vagas de emprego para quem coleta, industrializa e comercializa os peixes, crustáceos e moluscos. Apesar de sua importância econômica e social, a pesca, na atualidade, se encontra pouco integrada com os interesses de preservação ambiental e de promoção de maior qualidade de vida da população envolvida, uma vez que não atinge todo o seu potencial, seja por motivos de ordem tecnológica ou administrativa.

No contexto do rompimento da barragem, a presença dos rejeitos representou o fim ou, pelo menos, uma pausa indeterminada nas atividades pesqueiras por toda a bacia do rio Doce. Isso aconteceu porque a lama impossibilitou a vida de diversas espécies animais e vegetais presentes nas águas e nas margens do rio, diminuindo drasticamente suas populações. Outra questão atrelada é que as espécies que conseguiram sobreviver ficaram continuamente expostas a substâncias que necessitam de muita atenção, visto que poderiam contaminar a população que as consome.

A pesquisa foi produzida através de observações diretas e de entrevistas durante as visitas feitas a algumas comunidades do município de Linhares – ES, sendo elas: Pontal do Ipiranga, Degredo, Povoação, Regência e Barra Seca, ainda no ano de 2013, antes do rompimento em questão. As pessoas entrevistadas foram escolhidas com base em conhecimento prévio ou através de conhecidos em comum, englobando pescadores, donos de peixarias, de restaurantes, de fábricas de gelo e de câmaras frias, que participam da cadeia produtiva da pesca. A entrevista seguiu roteiros previamente estabelecidos e que objetivavam a coleta de informações sobre o contexto social dos moradores e de dados sobre a produção média do setor da pesca em cada uma das localidades visitadas.

Imagem: o mapa apresenta a foz do rio Doce e a localização das comunidades visitadas no município de Linhares - ES. Fonte: MAURI et. al. 2019.

Dentre as entrevistas feitas com um total de 69 pescadores, pôde-se perceber que essa atividade era fonte de alimento e de emprego para cidadãos de diversas idades. Porém, é uma profissão que acabava sendo relacionada com um baixo nível de escolaridade e com pouco acesso à educação formal. Os poucos conhecimentos de gestão do negócio acabavam dificultando o crescimento econômico e a melhoria das condições de vida das famílias de pescadores. Outras informações recolhidas diziam respeito ao produto em si: as espécies pescadas eram Robalo, Pescada, Camarão, Caçari, Sarda e Cação, variando sazonalmente em sua relação de quantidade e preço (oferta e demanda).

Imagem: a tabela apresenta a quantidade média e o preço do pescado segundo as estações do ano, em cada uma das comunidades visitadas, ainda antes do rompimento. Fonte: MAURI et. al. 2019.

Este era o cenário destruído pelo rompimento da barragem no ano de 2015. Nem todas as consequências do desastre foram identificadas, o que causou muita incerteza à continuidade da pesca e ao futuro da população, não somente no município de Linhares, mas em todas as comunidades ribeirinhas da bacia do rio Doce. Nesse contexto, atividades alternativas começaram a ser pensadas para manter a subsistência dessas pessoas. Essas possíveis soluções eram baseadas em desastres ambientais anteriores, como o vazamento de óleo do navio Vicuña no Paraná, em 2004, e o vazamento da Petrobras, no Rio de Janeiro, em 2000. Nesses casos as ações propostas objetivavam tanto a correção dos efeitos causados como a criação de novas fontes de emprego para a população atingida, por parte das empresas responsáveis.

Assim, o mais viável para o caso de Mariana seriam medidas mais urgentes que pudessem manter a população saudável e viva, seguidas de ações para a retomada da atividade afetada. Caso a atividade prejudicada não pudesse ser retomada, seria responsabilidade das empresas investir em novos meios de profissionalização e emprego para os moradores. Algo que foi apontado como um meio de renda temporário foi o turismo, que poderia vir a gerar um novo setor econômico em longo prazo nessas comunidades. Pensar nesses cenários hipotéticos é importante para se antever alternativas e saídas no caos que tomou a realidade nos anos após o rompimento. Porém, deve-se ter em mente que a realização desses cenários depende de uma enorme pressão popular sobre o poder público e as empresas responsáveis, uma vez que essas ações precisariam de tempo e de investimentos significativos, além é claro, do comprometimento de todas as partes envolvidas.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:

MAURI, Gabriela de Nadai; MORETO, Eliza Rocha; GOMES, Vanielle Aparecida do Patrocinio; FREITAS, Rodrigo Randow de. Uma análise da pesca artesanal e o rompimento da barragem de rejeitos da mineração em Mariana, Minas Gerais, Brasil. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, v. 15, n. 7, p. 48 – 57. Taubaté, SP, 2019.