E como ficam os professores? Repercussões do rompimento da barragem do Fundão na escola Municipal Bento Rodrigues

Já parou para pensar em como o rompimento da barragem do Fundão afetou as formas de agir, sentir e pensar dos professores da Escola de Bento Rodrigues? Será que esse evento traumático foi capaz de alterar a forma com que os professores ensinam?

Desde a ruptura da barragem do Fundão, em novembro de 2015, em Mariana, se intensificaram os estudos a respeito das atividades da mineração e principalmente sobre os impactos que elas podem gerar nos mais variados contextos: socioambiental, econômico, jurídico, ecológico, entre outros. Porém, foi uma pesquisadora da Universidade Federal de Minas de Gerais (UFMG), em 2019, que decidiu investigar esse desastre através de um olhar até então negligenciado: o dos professores da Escola Municipal de Bento Rodrigues.

Bento Rodrigues se localizava próximo ao complexo minerário de Germano da mineradora Samarco Mineração S/A, que por sua vez vincula-se às empresas Vale e BHP Billiton. Por isso, foi a primeira comunidade atingida pela lama que escoou da barragem rompida. Distante apenas 6 km da barragem do Fundão, foi soterrada juntamente com suas escolas.

A escola Municipal Bento Rodrigues teve sua estrutura física totalmente comprometida pelo rejeito da barragem. Dez dias após a tragédia alunos e professores foram abruptamente realocados em um espaço que não lhes era familiar: a Escola Municipal Dom Luciano Mendes de Almeida, localizada na cidade de Mariana. Os alunos e demais sobreviventes foram obrigados a sair de suas terras e morar na área urbana de Mariana, pelo menos até os reassentamentos serem construídos pela Samarco e Fundação Renova em um novo local.

Figura 1: Escola Municipal Bento Rodrigues destruída devido ao rompimento da barragem do Fundão. Fonte: CRUZ, 2015. Adaptado de Agência Brasil, 2019. Edição: Adriane Hunzicker.

A pesquisa teve como questão central compreender como os professores dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental da Escola Municipal Bento Rodrigues estão reconstruindo suas formas de pensar, sentir e agir sobre a escola em um contexto não familiar (pós ruptura da barragem seguido de desterritorialização). Além disso, outro objetivo foi compreender se os professores problematizavam o contexto da mineração em suas aulas antes do rompimento da Barragem do Fundão e como o fazem após a tragédia. Para responder a essas perguntas foram feitas entrevistas narrativas com os seis professores da Escola de Bento Rodrigues e em seguida os dados foram analisados sob a ótica da teoria das representações sociais em movimento.

A pesquisa teve como questão central compreender como os professores dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental da Escola Municipal Bento Rodrigues estão reconstruindo suas formas de pensar, sentir e agir sobre a escola em um contexto não familiar (pós ruptura da barragem seguido de desterritorialização). Além disso, outro objetivo foi compreender se os professores problematizavam o contexto da mineração em suas aulas antes do rompimento da Barragem do Fundão e como o fazem após a tragédia. Para responder a essas perguntas foram feitas entrevistas narrativas com os seis professores da Escola de Bento Rodrigues e em seguida os dados foram analisados sob a ótica da teoria das representações sociais em movimento.

Podemos entender que as Representações Sociais são um conjunto de conhecimentos coletivamente elaborados e partilhados. Elas expressam uma realidade comum a um conjunto social e estão ligadas diretamente ao contexto que estão inseridos. Ou seja, são as imagens e opiniões do senso comum. Essas representações, embora consolidadas socialmente, podem se modificar ao longo do tempo. Principalmente se houver algum evento abrupto para se desestabilizar as relações (que é o que chamamos de “pressão à inferência). Neste trabalho, por exemplo, acredita-se que as representações sociais dos professores de Bento Rodrigues em torno da mineração, até o rompimento da barragem do Fundão era, de certa forma, positiva e sem muitas problematizações. Mas e após o desastre?

As entrevistas mostraram que o cenário pós-rompimento da barragem afetou os professores tanto no âmbito profissional como pessoal. Por exemplo, dos seis professores entrevistados, devido a mudança na localização da escola Bento Rodrigues, três passaram a gastar mais tempo e dinheiro com questões relacionadas à locomoção. Outro fato narrado por 4 dos professores foi o momento em que perceberam a ruptura da barragem. Destes, um docente que morava em Bento Rodrigues realizou o autossalvamento. Os outros três estavam em horário de trabalho e tiveram que fugir da lama e salvar os alunos. Também passaram a noite inteira ilhados pelo rejeito em um ponto alto do subdistrito e tiveram que esperar até o amanhecer pelo resgate. Emocionalmente falando, todos os 6 professores foram afetados com sofrimentos relativos à situação pós traumática, luto (após a morte de 2 alunos), incertezas frente à construção do novo espaço físico da escola, tristeza e medo.

Com relação às práticas de ensino, dos seis professores entrevistados apenas um discutia problemas socioambientais relacionados aos surtos de doenças respiratórios que os próprios alunos apresentavam em resposta à poeira de minério de ferro proveniente da mineração. Quando os demais professores falavam sobre o tema, o foco estava nas questões econômicas e históricas (visto que a territorialização do subdistrito ocorreu através da busca por ouro). Um dos professores não abordava o tema mineração por achar que sua disciplina não dialogava com a temática. Logo, compreendeu-se que antes do rompimento da barragem do Fundão a mineração não era discutida de forma crítica, contextualizada e os danos socioambientais gerados eram negligenciados em suas práticas pedagógicas. Alguns professores até mesmo desconheciam os riscos de trabalhar em uma escola localizada logo após três barragens.

Após o rompimento da barragem do Fundão, quatro professores passaram a discutir os danos socioambientais causados pela mineração. Percebe-se que, após a tragédia, os educadores passaram a olhar a mineração de forma mais crítica e contextualizada. Uma dessas professoras, ao perceber que os alunos sentiam necessidade de conversar sobre suas vivências, alterou totalmente suas práticas pedagógicas e desenvolveu um projeto que incentivou os alunos a escreverem e ilustrarem histórias sobre Bento Rodrigues. O resultado foi a publicação de uma coleção intitulada “Bento: passado, presente e futuro” composta por cinco livros. Os trabalhos foram dedicados aos alunos que faleceram em decorrência do rompimento da barragem do Fundão.

Imagem 2: Foto da coleção de livros que uma das professoras da Escola Municipal Bento Rodrigues publicou com seus alunos do 4°ano (2017).

Fonte: Hunzicker, 2019.

Um professor decidiu não abordar, de forma alguma, o tema mineração em sua disciplina. Antes, este docente utilizava os projetos de educação ambiental da mineradora. Por não acreditar mais no discurso da empresa, ele decidiu parar de utilizar esses projetos, porém se fechou para o tema. Demonstrando um movimento de permanência, um único professor manteve suas práticas pedagógicas associando mineração ao desenvolvimento econômico de Bento Rodrigues sem discutir os danos socioambientais em suas aulas.

Por fim, pode-se concluir que os professores estão em um processo de movimentação de suas representações sociais sobre a mineração. Com isso, destacamos que o rompimento da barragem do Fundão fez com que eles alterassem suas práticas educacionais, formas de pensar, sentir e agir. É importante chamarmos atenção para o fato de que os professores da Escola Municipal Bento Rodrigues, mesmo após quatro anos, ainda estão sendo afetados pelos desdobramentos do rompimento da barragem do Fundão e com isso são vítimas diretas dessa tragédia e deveriam estar sendo acolhidos pela administração pública.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:

HUNZICKER, A. C. M. O rompimento da barragem de Fundão: repercussões nos saberes e práticas dos professores da escola de Bento Rodrigues. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, p.170. 2019.