Afinal, pode plantar na lama?

Os rejeitos da barragem de Fundão atingiram muitas propriedades que eram usadas para a agricultura, e não foram retirados. Mas será que ainda é possível para as famílias plantarem nesse novo “solo”?

Historicamente, a população ribeirinha utiliza o solo que está às margens dos rios para produzir alimentos para si e para seus animais, devido à maior fertilidade e disponibilidade hídrica dessas baixadas. Na bacia do rio Doce não é diferente: muitas pessoas vivem e plantam nas margens dos rios. Porém, com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana-MG, cerca de 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram lançados nos rios desta bacia. Parte desses rejeitos foram carregados pelo do rio até sua foz no Oceano Atlântico, outra parte ficou nas margens do córrego do Fundão, do córrego Santarém, do rio Gualaxo do Norte, do rio do Carmo e do rio Doce. Esses rejeitos atingiram as propriedades usadas por pequenos produtores rurais para o plantio de cultivos diversos e pastagem para animais, fazendo com que perdessem sua produção e inviabilizando o uso desta área.

Com a intenção de compreender os nutrientes e contaminantes que poderiam estar nos rejeitos e como eles interagem com as plantas, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa fez a coleta de amostras do rejeito em três pontos do distrito de Paracatu de Baixo (Mariana-MG). O material foi levado para laboratórios para realização de análises químicas e físicas que respondessem qual a composição do rejeito, o comportamento dos nutrientes, contaminantes e/ou herbicidas no material e como isso poderia afetar a produção agrícola nas áreas recobertas pela lama da mineração.

Imagem 1: Janela coberta pela lama da barragem de Fundão, com uma planta nascendo em meio aos rejeitos, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana- MG. Fonte: Isis Ribeiro - Jornalistas Livre /Publicado no Jornal Brasil de Fato

O material analisado apresentou em sua composição 42% de areia, 47,5% de lodo e 10,6% de argila. Solos com muita areia não tem a mesma capacidade de armazenar e ceder nutrientes para as plantas, pois são pouco compactos, não conseguem reter água e por isso são pouco férteis. Já a grande concentração de lodo traz um outro problema para a agricultura, pois pode gerar acúmulo de metais no solo. O material analisado é pouco poroso e bem compacto por apresentar pouca areia, porém, tem uma alta concentração de metais e baixa quantidade de argila e matéria orgânica. Assim, este “solo” é pouco fértil e apresenta poucos nutrientes para as plantas.

O pH das amostras teve grande variação, mas a média na superfície do rejeito foi 7 (neutro), próximo do favorável para agricultura. O material ainda apresenta baixa capacidade de troca catiônica (CTC), que é a capacidade de aderir nutrientes importantes, que podem ficar disponíveis para as plantas. Quando a CTC é baixa, dificulta a agricultura de baixo nível tecnológico, como é o caso dos pequenos produtores ao longo do corredor hídrico afetado.

Diante de todos esses dados, é possível concluir que o plantio sobre esse material trará muitas dificuldades para as famílias agricultoras. Com o passar do tempo, a lama da barragem de Fundão poderá gerar um novo “solo”, porém, ele não será fértil. O pequenos produtores rurais atingidos terão que utilizar muitos produtos para corrigir e nutrir este solo, para que só assim possam voltar ao “normal” com suas vidas e trabalho.

Imagem 2: Igreja Católica de Paracatu de Baixo demonstrando onde a altura que a onda de lama da barragem de Fundão atingiu com escombros e restos do que foi carregado pela lama. Fonte: Bruno Alencastro / Agência RBS
Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
ALMEIDA, Cristiane Aparecida, DE OLIVEIRA, André Fernando, PACHECO, Anderson Almeida, LOPES, Renata Pereira, NEVES, Antônio Augusto, & DE QUEIROZ, Maria Eliana Lopes Ribeiro (2018). Characterization and evaluation of sorption potential of the iron mine waste after Samarco dam disaster in Doce River basin–Brazil. Chemosphere, 209, 411-420.