Quais metais estão no rio Paraopeba após o rompimento da barragem em Brumadinho?

O rio Paraopeba tem sofrido com a presença de metais pesados na composição de suas águas, principalmente depois dos rompimentos da barragem da Vale, em Brumadinho. Mas você sabia que esses metais podem se associar ao sedimento e serem liberados aos poucos no ecossistema aquático?

Aproximadamente quatro anos após o rompimento da barragem do Fundão em Mariana, o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, impactou a bacia do rio Paraopeba com a liberação de grande quantidade de rejeitos de mineração contendo metais pesados em sua composição. Sabe-se que metais pesados apresentam potencial toxicidade para os seres vivos de modo geral, inclusive para os humanos, e por isso é importante identificar e quantificar esses elementos químicos. Para isso, uma solução seria a realização de análises de concentração total de metais encontrados na água e sedimento do rio Paraopeba. Porém, será que identificar as frações totais é o suficiente?

Pesquisadores da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) decidiram analisar essa questão de forma mais aprofundada e publicaram um artigo chamado “A especiação de metais do rio Paraopeba após o rompimento da barragem de Brumadinho” (título original em inglês: Metal speciation of the Paraopeba river after the Brumadinho dam failure). A especiação de metais é um processo natural que ocorre quando esses elementos se encontram em um meio dinâmico, como por exemplo, o ecossistema aquático. Esse processo pode ser entendido como a distribuição de espécies químicas de um elemento em um dado sistema, o que inclui seu estado de oxidação, dissolução, sua distribuição entre diferentes compostos, incluindo a formação de novos elementos. Por exemplo, o elemento químico ferro (Fe) quando lançado no curso de um rio (sistema dinâmico) pode passar por processos de especiação e originar hidrogenocarbonato de ferro (FeHCO3+). Dessa forma, se forem feitas apenas análises de concentração total de ferro no ambiente, os testes não serão capazes de identificar e quantificar os novos elementos químicos formados e assim não teremos uma resposta completa do comportamento e impacto desse metal no ecossistema.

Com isso, os pesquisadores tiveram como objetivo principal compreender o processo de especiação de metais no rio Paraopeba após o rompimento da barragem de Brumadinho e ainda avaliar se os períodos hidrológicos (chuva e estiagem) poderiam influenciar os resultados. Para tal, dez pontos ao longo do rio foram selecionados e foram utilizadas técnicas refinadas de laboratório para caracterizar e quantificar a concentração de metais altamente reativos encontrados no rio. Os pontos um e dois se localizam acima da barragem de rejeitos e dessa forma não sofreram influência direta do rompimento da barragem. Além disso, foram feitos experimentos de laboratório para verificar a liberação dos elementos a partir do sedimento e cálculos de especiação química para se inferir as potenciais espécies de metais formadas.

Figura 1: Bacia do rio Paraopeba com os pontos amostrados em outubro de 2019 e março de 2020. Local do rompimento da barragem (estrela).Fonte: Teramoto et.al., 2021.

Como resultados, foi constatada a presença de vários metais como Arsênio (As); Cromo (Cr); Cobre (Cu); Ferro (Fe); Manganês (Mn); Níquel (Ni), Chumbo (Pb); Vanádio (V) e Zinco (Zn) nas amostras de sedimento em todos os pontos ao longo do rio Paraopeba. Dos elementos encontrados, Ferro e Manganês tinham concentrações maiores nos pontos que receberam a influência do rejeito de mineração. Essas concentrações foram diminuindo à medida que as amostras se afastavam do local do rompimento da barragem, o que indica que o rejeito de mineração seria a fonte de contaminação desses metais.

Com relação a influência dos períodos hidrológicos, foi constatado que no período das chuvas todos os metais analisados tinham suas concentrações totais mais altas quando comparadas ao período de estiagem. Inclusive, o Manganês apresentou concentrações totais acima do permitido pela legislação ambiental brasileira em todos os pontos coletados (exceto ponto dez). Acredita-se que as chuvas podem ter contribuído com a ressuspensão e transporte de partículas desses elementos e por isso suas concentrações eram elevadas. No período de estiagem, o Manganês também apresentou concentrações totais acima do permitido pela legislação, porém em apenas dois pontos (P04 e P05).

Figura 2: Concentrações totais de metais em amostras de água do rio Paraopeba tiradas de 10 pontos de amostragem (ver Fig. 1) durante a estação de estiagem (em vermelho) (outubro de 2019) e estação chuvosa (em azul) (março de 2020). // Fonte: Teramoto et.al., 2021.

Já os metais dissolvidos apresentaram maiores concentrações no período de estiagem (exceto pelos elementos ferro e zinco). As concentrações dissolvidas de ferro no período chuvoso excederam o limite permitido pela legislação brasileira em todos os pontos coletados, enquanto que no período de estiagem, isso aconteceu em seis pontos amostrais.

Também foram analisadas as frações lábeis dos metais. Essas frações envolvem as moléculas que são consideradas muito reativas do ponto de vista bioquímico, ou seja, são moléculas que facilmente podem perder elétrons e assim gerar uma reação química. A medição da fração lábil dos metais permite uma avaliação de risco mais realista, pois a fração potencial biodisponível para organismos aquáticos é quantificada. Dentre as frações lábeis, o Manganês apresentou suas concentrações acima do permitido pela legislação brasileira nos pontos 04 e 05, no período seco.

Com relação a especiação química, foi mostrado que a composição dos metais não foi estável, ou seja, os mesmos apresentaram-se em várias formas (totais, dissolvidas, lábeis, íons livres entre outros). Isso reforça a necessidade de estudos que analisem mais do que somente as frações totais dos metais nos ecossistemas. Dessa forma, poderemos ter respostas mais completas sobre os impactos que tais elementos podem causar no ambiente e nos seres vivos.


Os experimentos de dessorção de metais foram feitos para analisar o potencial de liberação dos metais do sedimento contaminado para a água do rio Paraopeba. Eles indicaram que os rejeitos liberaram Arsênio, Cobre, Alumínio, Ferro e Manganês na água do rio, sendo que o Manganês foi o metal com as maiores porcentagens liberadas, enquanto que Arsênio e Cobre apresentaram baixas concentrações na água.


Por fim, ressaltamos que os resultados encontrados revelam que a especiação química dos metais, além de instável, é dependente da variação dos períodos hidrológicos (chuva e estiagem). Os resultados também indicam que a assimilação biológica de metais dissolvidos na água do rio não representa um mecanismo direto de risco para os organismos aquáticos devido às baixas concentrações dos mesmos na forma lábil. Porém, ao analisarmos as altas concentrações de manganês, isso se torna preocupante.


Entender sobre a biodisponibilidade de elementos potencialmente tóxicos é importante para a tomada de decisões, principalmente no que tange o uso da água do rio Paraopeba. Além disso, com informações adequadas pode-se tomar ações mais eficazes e direcionadas visando melhorar a qualidade das águas que foram contaminadas pelo rejeito de mineração.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:

TERAMOTO, E. H.; GEMEINER, H.; ZANATTA, M. B. T.; MENEGÁRIO, A. A.; CHANG, H. K. Metal speciation of the Paraopeba river after the Brumadinho dam failure. Science of The Total Environment, v. 757, p. 143917. 2021.