As marcas de uma tragédia: o retrato do crime, suas causas e as suas consequências.

Você já se perguntou o motivo do rompimento da barragem de fundão e o que isso causou na região afetada? Já pensou na proporção que o desastre atingiu?

No dia 5 de novembro de 2015, ocorreu no estado de Minas Gerais um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil: o Rompimento da Barragem de Fundão. A Barragem de Fundão, inaugurada em 2008, foi diversas vezes ampliada pela técnica de alteamento a montante, na qual a barragem vai sendo elevada na forma de degraus construídos sobre os próprios rejeitos. Assim, conforme o dique sobe, mais rejeitos podem ser colocados na barragem. Porém, essa técnica é considerada a menos segura dentre tantas outras opções. A presença da água em profundidade gera instabilidade muito facilmente. Em Fundão, isso foi acentuado devido a problemas que já existiam na drenagem da água dos rejeitos desde o início de sua operação.

Em 2013, alguns consertos emergenciais precisaram ser feitos, e um deles foi o recuo do eixo da barragem, o que diminuiria as pressões sobre o dique. A própria Samarco havia dito que esse eixo seria voltado ao normal após o conserto, mas o recuo era mantido até a data do rompimento. Em 2014, a massa saturada com os rejeitos estava crescendo dentro da barragem, pois o canal feito para expulsar a água da estrutura havia atingido sua capacidade máxima, o que posteriormente foi apontado como uma das causas do rompimento.

De acordo com documentos da própria Samarco, a barragem usava o método de aterro para lidar com seus rejeitos, colocando camadas sobre camadas, aumentando grandemente a pressão sobre as primeiras (no fundo da barragem). Os especialistas dizem que essa foi outra possível causa, já que, quando uma nova camada era colocada, a pressão no dique aumentava, e rachaduras começavam a aparecer, sendo elas resolvidas precariamente pela Samarco com o uso de concreto.

Retrata a destruição causada pela lama, mostrando construções atingidas em uma área com muitas casas e prédios.Fonte : Carmo, 2018.

A barragem se rompeu deixando 19 mortos e danos ambientais incalculáveis por mais de 600 quilômetros de rios, além de uma vasta faixa do Oceano Atlântico. Os rejeitos alteraram as características da água do Rio Doce (e demais cursos d’água afetados), que ficou marrom e opaca, impedindo a entrada da luz, o que implicou na destruição de diversos ecossistemas em torno de toda a área atingida. O pior de tudo é que a Samarco tinha um estudo sobre os possíveis impactos que um rompimento poderia causar, mas ele se mostrou ineficaz ao não conseguir prever que toda aquela quantidade de rejeitos seria, além de depositada no rio, transportada pelo mesmo para locais mais distantes.

Os rejeitos destruíram 135 fragmentos de floresta nativa em seu percurso. Ao todo, foram desmatados 863,7 hectares de áreas de preservação permanentes no entorno do Rio Doce e seus afluentes. Mais de 800 construções foram atingidas pela lama; 200 dessas foram destruídas, dentre casas, escolas, igrejas e currais. Todo esse estrago se encontra em 10 distritos e 5 municípios: Mariana, Barra Longa, Ponte Nova, Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce. Essas informações possibilitam dimensionar o tamanho da destruição que ocorreu nesses locais, claro, sem esquecer os impactos por todo o restante a bacia. O distrito mais atingido foi Bento Rodrigues com 84% de suas construções afetadas, deixando um tipo de destruição que não será esquecido e superado tão facilmente.

Além disso, três rotas turísticas muito importantes para a região foram afetadas, trazendo muito prejuízo para a economia local. Áreas de patrimônio cultural e sítios arqueológicos presentes na região também foram atingidos de forma irreparável. Além desse fato, muitas peças históricas, de períodos importantes da história do Brasil (como, por exemplo, parte da estrada real), se perderam ou foram danificadas, sendo um dano de valor incalculável.

Considerando os 308 casos de rompimento de barragens pelo mundo até o ano de 2016, Fundão se destaca pela quantidade de rejeitos liberados e pelo grande impacto no meio ambiente, ocupando a nona colocação em número de mortes. Para poder estabelecer uma comparação adequada, o estudo trouxe dados de outros desastres pelo mundo que envolviam o mesmo tipo de barragem (com alteamento a montante). Colocando os desastres lado a lado, fica evidente a ineficácia das nossas políticas ambientais, visto que a maior diferença entre eles foi a forma e velocidade de reação do poder público.

Existem dois exemplos que se destacam pela forma como as medidas para diminuir os impactos do desastre foram tomadas: na Espanha e na Hungria. No primeiro caso, a água se tornou ácida devido aos rejeitos liberados que se espalharam por 45 quilômetros de rios, mas em três dias já havia sido criada uma proposta para interromper o avanço da água contaminada e neutralizá-la; em 1 ano, 7 milhões de m³ foram retirados do rio e colocados em uma mina da própria mineradora. No segundo caso, 600.000 m³ foram jogados por 14 quilômetros de rios, e nos dias seguintes ao rompimento, a reconstrução já estava a todo vapor, mostrando a eficiência no reparo dos danos.

Comparadas com esses exemplos, as atitudes da Samarco no primeiro ano após o rompimento da barragem de Fundão se mostraram mínimas, mesmo levando em conta a diferente proporção dos desastres. A lentidão das respostas só piora o quadro socioambiental, já que os rejeitos que estão nas águas, nos solos e até no ar podem causar sérios problemas de saúde, por serem compostos por contaminantes químicos, além de possuírem partículas muito finas que podem ser inaladas.

A imagem mostra o caminho que a lama percorreu, deixando uma marca de destruição bem clara em toda a vegetação da área, e por toda a área residencial que passou. Fonte: Carmo, 2018.

Diante do cenário deixado pela Samarco no rio Doce e da repetição do desastre pela Vale (com um número de mortes muito maior) na bacia do rio Paraopeba, ficam alguns questionamentos: será que o Brasil irá aprender com esses crimes e irá rever suas leis para o funcionamento de barragens? Será que vai conseguir assegurar o cumprimento de suas frágeis leis ambientais? Será que o modelo de barragem de alteamento a montante vai ser proibido ou apenas “melhorado para continuar sendo usado pelo país? Questionamentos assim permanecem até hoje na cabeça de muitas pessoas, pois esse desastre de Fundão não pode ser só mais um na estatística; devemos aprender algo com ele.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
CARMO, Flávio Fonseca do; KAMINO, Luciana Hiromi Yoshino; TOBIAS JUNIOR, Rogério; CAMPOS, Iara Christina de; CARMO, Felipe Fonseca do; SILVINO, Guilherme; CASTRO, Kenedy Junio da Silva Xavier de; MAURO, Mateus Leite; RODRIGUES, Nelson Uchoa Alonso; MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Fundão tailings dam failures: the environment tragedy of the largest technological disaster of brazilian mining in global context. Perspectives In Ecology And Conservation, [s.l.], v. 15, n. 3, p. 145-151, jul. 2017. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.pecon.2017.06.002.