Entre interesses e influências

Por: Augusto de Castro Reis - 25/05/2021Orientação: Miguel Fernandes Felippe

O poder econômico das empresas de mineração ultrapassa questões financeiras e adentra às questões políticas, desarmando o poder público de seu dever regulador.

Os rompimentos de barragem que aconteceram nos últimos anos levantam o questionamento acerca das mais diversas problemáticas que envolvem o setor minerário e a forma como essa atividade é desenvolvida no Brasil, uma vez que a ocorrência desses desastres não é um fenômeno isolado e deve contribuir para uma reflexão mais ampla e crítica sobre o assunto. Assim, uma equipe da Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC) estruturou uma pesquisa que objetivou entender como funcionam as relações de poder que envolvem o setor da mineração brasileira e seus respectivos atores: as empresas mineradoras, o Estado e a sociedade. Os autores se valeram de análises bibliográficas e documentais acerca do tema, tendo como pano de fundo os desastres ocorridos em Mariana (2015) e em Brumadinho (2019).

No Brasil, a mineração se tornou um setor econômico muito influente ainda no período colonial, com o ciclo do ouro. Porém, é apenas após as décadas de 1970 e 1980 que este setor começa a ser ampliado e modernizado, por meio da importação e criação de novas tecnologias, que estruturam até hoje as principais formas dessa atividade. Desde então, a mineração tem sido vista como uma verdadeira catalisadora do desenvolvimento, já que gera vagas de emprego, investe no espaço a ser explorado e atrai maior movimentação econômica para os municípios em que se instala. Porém, as perdas causadas por essa atividade começam, pouco a pouco, a pesar para o outro lado da balança e põe um preço muito alto nesse crescimento econômico gerado pela exploração mineral, algo que ficou evidente com todo o sofrimento causado pelos crimes em Mariana e Brumadinho.

Imagem: apresenta algumas localidades atingidas pelo rompimento da barragem em Mariana. Fonte: SOARES, 2016 apud. SANTOS et. al. 2020.

A importância econômica dessa atividade, tanto em escala local como em escala nacional, acaba por ampliar seu poder de influência e de pressão sobre as estruturas políticas e legislativas. Ou seja, as empresas passam a influenciar as decisões políticas do país e, consequentemente, as normas e regras que regulam e fiscalizam seu próprio empreendimento, seja através de barganhas pelo seu “papel” no crescimento econômico ou, até mesmo, de ações ilícitas. Essas “pressões” têm causado uma maior flexibilização na legislação do país, em prol dos interesses das mineradoras, sem considerar os impactos e riscos que determinada flexibilização causa ou pode vir a causar. É de extrema importância observar que esses impactos não são materializados apenas quando as barragens se rompem. Durante toda a instalação e operação dos complexos minerários, uma diversidade de impactos pode ser observada, seja na mudança gradual da qualidade das águas, seja na transformação das lógicas culturais e sociais locais ou na própria retirada mineral das rochas, alterando a geomorfologia da área.

Para os autores, as causas do desastre em Mariana ainda não são consensuais, mas alguns fatores já foram apontados como possíveis motivadores do rompimento. O processo de liquefação tem sido apontado como a principal causa, onde a camada de areia da própria barragem não consegue mais filtrar a água que deveria ser liberada por ela e acaba a acumulando. Outra causa cogitada teria sido a ocorrência de pequenos abalos sísmicos em regiões próximas à barragem, mas essa influência foi descartada por diversos estudos. A terceira motivação que pode ter contribuído para o desastre foi o aumento da produção de minério de ferro extraído da mina, com um contingente de rejeitos cada vez maior, algo que até proporcionou a elevação da estrutura da barragem (alteamento) para ampliação da capacidade de armazenamento. Por fim, mesmo antes do rompimento em Mariana, laudos produzidos já apontavam um aumento do risco de rompimento da barragem. Ignorados pela empresa e pelos órgãos fiscalizadores, esses laudos apontam a negligência como um evidente fator causador do rompimento.

Já as causas do rompimento no município de Brumadinho ainda não foram plenamente exploradas, uma vez que houve menos tempo para a produção de pesquisas desde o desastre. Laudos recentes apontam para a influência das sondagens realizadas nos rejeitos armazenados. Apesar disso, é bastante evidente que, se houvesse uma fiscalização maior durante a instalação e operação da barragem, o desastre não teria sido tão fatal, visto que o dique que se rompeu se encontrava logo acima de construções da própria empresa.

Imagem: apresenta as construções da comunidade local (em verde) e as construções da Vale (em amarelo) abaixo da barragem rompida em Brumadinho. Fonte: ATIF et. al. 2020.

Os recentes desastres levantaram uma série de debates acerca do setor da mineração no país tanto no meio acadêmico e científico, como na sociedade em geral. Porém, mesmo após o rompimento em Mariana (2015), e a comoção nacional sobre a temática, o orçamento da Vale voltado para a manutenção de operações, assim como para saúde e segurança, foi drasticamente reduzido. Também houve estagnação dos valores investidos nas áreas sociais e de proteção ambiental. Tudo em prol da manutenção dos lucros num momento de crise, através da diminuição dos gastos. Além disso, a fiscalização que se faz dessas medidas de segurança de barragens é cada vez mais precária, visto que as próprias empresas conseguem influenciar no poder do Estado sobre suas atividades, através do financiamento de partidos políticos e de vinculações com institutos e organizações já legitimados frente à sociedade, impedindo, inclusive, a denúncia de suas irregularidades e a popularização do conhecimento acerca das normas.

Isso acontece, pois a política nacional está comprometida e acaba por servir aos interesses de uma pequena elite. Essa influência torna quase impossível a efetivação de um sistema democrático de gestão nas mais diversas escalas federativas. Por outro lado, a população é tolhida de recursos e ferramentas para cobrar uma postura mais justa do poder público, uma vez que o sistema de educação não consegue cumprir com sua função de democratização dos conhecimentos e de conscientização dos cidadãos.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:

SANTOS, Valdeci Ferreira dos; MORAIS, Greiciele Macedo; GONÇALVES, Carlos Alberto; DIAS, Alexandre Teixeira. Catástrofes na indústria de mineração: comportamentos executivos e a relação de poder entre mineradoras, o estado e a sociedade como fatores disruptivos do caos. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 5, p. 31461 – 31478. Curitiba, 2020.