E se o caminho da lama pudesse ser previsto?

Por: Augusto de Castro Reis - 22/07/2021Orientação: Miguel Fernandes Felippe

Um modelo que pode prever as áreas atingidas pela lama de uma barragem rompida: uma possibilidade de anular os impactos imediatos?

O risco de rompimento de barragem é inerente ao processo da mineração e é iminente por todo o mundo. Isso acontece pois a mineração, tão conhecida por sustentar parte da economia brasileira, depende da contenção do “lixo” que é produzido por suas atividades, o rejeito. Pensando na recorrência de desastres como o que ocorreu em Brumadinho, pesquisadores da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, desenvolveram modelos para prever o caminho que a lama seguiria, caso uma barragem se rompesse. Essa iniciativa é importante para diminuir os possíveis impactos diretos de um rompimento, uma vez que o modelo aponta para a zona de influência, onde passaria a onda da lama minerária, podendo ter suas construções e estruturas realocadas e resguardadas de uma possível destruição.

As principais ocorrências de rompimento de barragem pelo mundo são causadas por terremotos, fortes tempestades, falhas na construção ou manutenção precária. Isso torna o monitoramento e o conhecimento acerca da barragem e de seu entorno um fator essencial na diminuição de impactos, caso esta venha a romper. Cada vez mais as tecnologias de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto têm sido empregadas para delinear as zonas de influência das barragens e para melhor administrar diversos tipos de desastres. Não seria diferente para a indústria da mineração, onde essas tecnologias já encontram campo de atuação. Essa estratégia, apesar de custosa, pode servir para a identificação de áreas impossíveis de serem trilhadas em trabalhos de campo, por exemplo, economizando tempo dos pesquisadores. Esse fato ainda é agravado pelo amplo número de barragens de alto risco no país.

Imagem: apresenta a área de estudo da pesquisa, a mina, marcada em roxo, localizada na bacia do Córrego do Feijão (Brumadinho – MG). Fonte: ATIF et. al. 2020.

Para construir o modelo de predição em questão, uma série de informações cartográficas básicas sobre o território foi recolhida. Além disso, o tipo de estocagem de rejeitos também foi considerado, uma vez que é de alto risco e influência na forma como essa lama minerária desce o rio. Por fim, os itens imprescindíveis para a criação do modelo em si eram as imagens de satélite e o modelo de elevação da bacia. Esses dois últimos itens são essenciais para entender a tendência principal que a lama toma em direção às porções menos elevadas da área atingida e permite que mapas de direção de fluxo e de acumulação de fluxo sejam gerados. Assim os cálculos envolvidos consideram a declividade e a direção de cada área presente no modelo de elevação e como elas contribuem para direcionar os fluxos da lama.

A união entre os dados descritos anteriormente pode gerar o caminho, no mapa, por onde a lama passa. O modelo, feito com a base de dados de Brumadinho e da bacia do rio Paraopeba, encontrou grande correspondência com a realidade, quando comparado com a imagem da área após o rompimento.

Imagem: apresenta a comparação entre o caminho da lama, segundo o modelo criado, em vermelho, e a área onde a lama de fato chegou após o rompimento, circulada em preto. / Fonte: ATIF et. al. 2020.

Ainda, para comprovar a eficácia e a precisão do modelo criado, foi feito um modelo para o rompimento da barragem da Samarco, no município de Mariana, e depois comparado com a realidade. Assim como no primeiro caso, também apresentou grande correspondência com a situação real. Vale lembrar que ambos os modelos foram possíveis pois haviam imagem pós-rompimento e modelos de elevação de alta resolução para ambas as áreas, algo que não seria possível se o material digital não fosse de qualidade. Outra observação importante é que este modelo pode não funcionar para regiões que possuem relevo distinto, visto que foi feito com base nas características geomorfológicas específicas da região de Brumadinho.

A importância do modelo desenvolvido é evidente. Além de apontar para o caminho que a lama tomaria rio abaixo, consegue indicar os pontos onde a lama seria suficiente para subir os rios afluentes, indo contra seus fluxos naturais e atingindo rios que não estariam no caminho naturalmente. Como comentado anteriormente, esse tipo de estratégia se faz essencial para precisar a zona de influência as possíveis áreas atingidas de barragens ainda não rompidas, permitindo iniciativas de retirada da população e das construções dessa zona e sua realocação em pontos que não poderiam ser diretamente atingido, caso a situação hipotética do rompimento de fato ocorresse.

Assim, mesmo com a possibilidade de delimitar com precisão as zonas de influência das barragens de rejeito da mineração, o objetivo do modelo não é simplesmente aceitar que estes rompimentos acontecerão. Desta forma, é imprescindível entender que a problemática apontada pela necessidade da criação de um modelo como este se instala na indústria minerária como um todo e na forma como essa atividade tem sido desenvolvida pelo mundo e no Brasil. Saber as áreas que serão afetadas pode diminuir o número de mortes e de construções destruídas, mas não protege a população dos impactos ambientais e sociais inerentes a um desastre, como ocorreu em Brumadinho e Mariana.