O problema da poluição histórica no Rio Doce e seus afluentes.

"Já passou pela sua cabeça que os problemas no Rio Doce não surgiram apenas após o rompimento da barragem de Fundão? Que eles já existiam bem antes disso? Os rios denunciam as atrocidades cometidas contra o meio ambiente."

Você sabia que rios carregam histórias? Eles mostram como o passado pode influenciar o presente e o futuro. Antes do rompimento da barragem de Fundão, já havia diversos tipos de metais danosos à saúde da população no Rio Doce e em seus afluentes. Um estudo interinstitucional, baseado em dados secundários gerados por órgãos do governo e grupos de pesquisas, buscou discutir a quantidade de metais presentes nas águas do Rio Doce e em seus afluentes, antes e depois do rompimento da barragem de Fundão. Foram selecionados, como parâmetros, metais tóxicos que possuem limites estabelecidos pela legislação federal e estadual: alumínio, arsênio, cádmio, chumbo, cobre, cromo, ferro, manganês, mercúrio, níquel e zinco. Os autores do artigo interpretaram a concentração dos metais na água a partir do percurso da lama, desde os afluentes do Rio Doce (em Mariana) até o último município de Minas Gerais cortado pelo Rio Doce (Aimorés).

Antes do rompimento da barragem, o rio já sofria com problemas principalmente em seu alto e médio cursos. Alguns elementos, como o arsênio, o cromo e o ferro, por exemplo, já estavam acima do que era definido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), mas nada comparado após o crime.

Depois do rompimento, as concentrações de todos os metais se elevaram de maneira significativa (alguns deles, até 900 vezes mais), mostrando que os rejeitos tiveram bastante impacto na qualidade das águas do Rio Doce, deixando os seus afluentes e o médio curso piores do que já estavam. As principais mudanças após o desastre ocorreram no médio curso. Nesse trecho, alguns elementos que estavam dentro dos limites previstos pelo CONAMA se elevaram, como o cobre, por exemplo. Após o rompimento, sua concentração se elevou de forma considerável no médio curso, mas, em outubro de 2016, retornou à normalidade. Porém, em dezembro de 2017, houve um novo pico acima do que é permitido, o que mostra a complexidade da contaminação gerada pelo desastre.

Os metais encontrados em quantidades mais preocupantes foram arsênio, alumínio, ferro e manganês. Antes do rompimento da barragem, já havia sido detectado arsênio em diversos pontos dos rios afetados e em concentrações acima do que o CONAMA recomenda. Após o rompimento da barragem, houve picos desse elemento no médio Rio Doce, inclusive em trechos nos quais o arsênio não havia sido detectado nos 18 anos anteriores ao rompimento. A conclusão é que grande parte desse material foi transportado juntamente com o rejeito para o baixo curso do Rio Doce, espalhando-se por toda sua extensão.

Antes do rompimento, o Rio Doce e seus afluentes já detectavam a presença de alumínio, mas não apresentavam valores acima do permitido pelo CONAMA. No médio curso, houve um aumento significativo das concentrações (acima do valor permitido) até março de 2016, chegando a cem vezes mais que a média histórica.

O ferro é um dos elementos encontrados em maior concentração nas águas afetadas, compondo entre 30 e 60% da massa dos rejeitos. Sua maior ocorrência, antes do rompimento, foi no trecho entre Governador Valadares e Aimorés. Nesse trecho, há grandes extensões de solos degradados e erodidos, devido à atividade da pecuária extensiva. Após o rompimento, os níveis de ferro se elevaram consideravelmente devido aos rejeitos que passaram, mas, em outubro de 2016 e dezembro de 2017, retomaram os “valores normais”.

Ponte sobre o Rio Doce nos limites de Ipatinga, mostrando o gado bebendo a água com os rejeitos que haviam acabado de chegar nesse trecho. Foto: Força Tarefa Minas de Lama, 2015.

A interpretação das concentrações de manganês também merece destaque após o rompimento. A literatura mostra que esse elemento compõe apenas 1% dos rejeitos, mas, após o desastre, os níveis de manganês nas águas do Rio Doce se elevaram 900 vezes no médio e alto cursos do rio (principalmente em seus afluentes). Em abril de 2016, esses valores voltaram ao normal, mas, em outubro de 2016 e outubro de 2017, os valores se elevaram novamente no alto curso.

Nota-se que quase todo o percurso do Rio Doce sofre bastante com indústrias, agropecuária e degradação dos solos. Porém, isso não oculta o fato do rompimento da barragem de Fundão ter agravado a situação da qualidade de suas águas e trazido muitos danos ao meio ambiente e à população, que sofre com isso até os dias atuais. Ainda assim, deve-se refletir acerca do histórico de degradação do meio ambiente na bacia do Rio Doce. Como fica a saúde da população ao utilizarem águas que sempre estiveram contaminadas com metais prejudiciais à saúde?

Por fim, esse estudo interinstitucional mostrou que, além do rompimento da barragem, os rios da bacia do Doce tinham outras fontes de contaminação. Entretanto, após o crime da Samarco, todo o corredor hídrico foi severamente afetado com o lançamento dos rejeitos da mineração. Diversas famílias perderam suas casas, histórias, memórias e afins. Além de impactar profundamente o meio ambiente, o rompimento da barragem de Fundão destruiu vidas humanas, seja com a morte, ou com a perda dos seus costumes e tradições.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
DIAS, Carlos Alberto; COSTA, Alexandre Silvio Vieira da; GUEDES, Gilvan Ramalho; UMBELINO, Glauco Jose de Matos; SOUSA, Leonardo Gomes de; ALVES, Janete Higino; SILVA, Thamires Gabriele Macedo. Impactos do rompimento da barragem de Mariana na qualidade da água do rio Doce. Revista Espinhaço, [s.i], p. 21-35, jul. 2018.