Se a mão que bate é a mesma que afaga, como agir?

Por: Diogo Parreira Lapa - 15/03/2021Orientação: Alfredo CostaRevisão: Olden Hugo Silva Farias

Até que ponto a dependência de uma cidade para com uma mineradora pode influenciar na forma como as pessoas a enxergam? E essa dependência se mostra benéfica ou prejudicial aos cidadãos?

Quando se analisa a relação entre a iniciativa privada e a sociedade civil, verifica-se que ela é mediada, entre outros fatores, pela noção de responsabilidade social empresarial, algo que determina certas atitudes tomadas por parte da iniciativa privada. Alguns estudiosos definiram que a qualidade dessa mediação serve como um indicador sobre as ações das empresas e sobre como seus acionistas se posicionam frente a questões do meio em que estão inseridos. Essa relação baseia-se em questões propostas pelos próprios acionistas, visando equilibrar os ganhos e perdas entre a iniciativa privada e a sociedade civil, mais especificamente no âmbito do poder público local. Na prática, todavia, verifica-se um conjunto de atos e fatos que vão na direção oposta aos pressupostos da responsabilidade social empresarial, assim gerando o que foi chamado de irresponsabilidade social empresarial. Uma alta irresponsabilidade social empresarial indica um desequilíbrio entre a iniciativa privada e a sociedade civil, de forma que, na grande maioria dos casos, a iniciativa privada ocupa uma posição de vantagem na relação entre as duas, retendo o bônus e deixando o ônus para a população.

Frente a essa realidade em que a irresponsabilidade social empresarial se faz cada vez mais constante, os autores do artigo que serviu como base para a escrita deste texto (um afiliado à Universidade Federal do Espírito Santo, outro à Universidade Salgado Filho e outros dois filiados à Fundação Getúlio Vargas) decidiram analisar o desastre do rompimento da barragem de Fundão que pertencia à mineradora Samarco S.A., em Mariana/MG, sob o ponto de vista da IrSE. Para tanto, foram selecionados como área de estudo cinco municípios que foram atingidos direta e indiretamente pelo desastre: Colatina/ES, Linhares/ES, Anchieta/ES, Guarapari/ES e Mariana/MG.

A partir daí, investigou-se de que maneira a população daqueles municípios, que presenciou e sentiu os efeitos do desastre em seu cotidiano, conseguia atribuir culpa à mineradora ou avaliar se existia intenção de punir a mineradora por parte da população. Verificou-se que, apesar do ônus que foi gerado pós-rompimento, havia uma parcela da população que entendia a presença da mineradora como sendo uma figura de auxílio e oportunidade de geração de empregos. Evidenciou-se um paradoxo, visto que foram identificados indivíduos que apresentaram certa conivência com a mineradora no desastre, frente às vantagens que proporcionaram.

A análise foi feita buscando entender melhor a forma de interação entre eles e a mineradora nos cinco municípios estudados. Em Anchieta e Guarapari, foi visto que não houve impacto direto devido à sua localização ao sul da foz do rio Doce, mas houve um impacto econômico devido à suspensão de atividades da mineradora nas regiões. Em Colatina e Linhares, houve impactos ambientais diretos graças às suas localizações nas margens do rio Doce, porém no quesito econômico, não houve tanta mudança visto que ambas não eram beneficiadas pela mineradora. Já Mariana sofreu tanto com impactos ambientais diretos quanto com impactos econômicos devido a ser o epicentro do desastre e por ter tido a maioria de suas atividades econômicas suspensas devido ao caos que se instaurou na região pós-rompimento, o que desmotivou e impossibilitou que pequenos e grandes empresários, entre eles, a própria mineradora, continuassem trabalhando e produzindo.


Figura 1: Tabela mostrando as relações da cidade para com a Samarco, com o desastre, e outras informações relevantes. Fonte: PIRES et al (2020).

Após a seleção, foram montadas hipóteses sobre como se deu a reação da população ante o rompimento e seus desdobramentos nos municípios. Ao todo, foram criadas oito hipóteses diferentes que tratavam de situações e reações específicas da população. Assim, para obter dados expressivos que pudessem fundamentar essa pesquisa em cada município, foi idealizado um questionário com perguntas abrangentes que tinham como objetivo esclarecer a forma como a população enxergava o crime da mineradora, e com esse método foram obtidas 1.616 respostas ao questionário que foi divulgado nas principais cidades de cada um dos cinco municípios.

Com a coleta das respostas, um detalhe se fez muito marcante: foi percebido que a população das cidades que recebiam mais benefícios por parte da mineradora, seja por meio de empregos ou impostos, tinha menos vontade de fazer com que a mineradora pagasse de forma integral por seu crime, algo que mostra uma relação de dependência por parte dos indivíduos que temem por seus empregos e sustento. Essa relação é muito marcante, na medida em que se verifica que a empresa possui um poder “transformador” tão grande que se assume um papel muito importante e intocável dentro do imaginário popular, ao ponto de que, por pior que seja o crime cometido ou o dano gerado, ainda existirá apoio da população, assim como ocorreu com a Samarco nesses casos.

E, em meio a essas respostas, as que vieram do município de Mariana/MG chamaram mais atenção dos autores. Dentre as cidades analisadas, Mariana foi a que sofreu maior dano com o desastre de forma direta devido à sua proximidade com a barragem de Fundão. Porém, dada a enorme dependência econômica desse município com a atividade mineradora - pela geração de emprego e renda, e pelos investimentos ao longo dos anos -, tudo indica que a população prefere que sejam criadas condições para a retomada da operação da empresa, e que sua punição não seja a mais severa possível.

Figura 2: Mapa mostrando o trajeto da lama após o rompimento. Em destaque, as cinco cidades analisadas no estudo. Fonte: Fundação Oswaldo Cruz (2016).

A ideia de identificação que a população dos municípios gerou para com a mineradora é algo muito problemático e gera uma série de complicações dentro do contexto do desastre, afinal, devido a esse apego, a pressão popular em torno da punição da mesma se mantém baixa, pois há o medo de perder as vantagens diretas ou indiretas que a empresa traz para os seus municípios. Por outro lado, a pesquisa indicou que as pessoas têm tido maior predisposição para atribuir a culpa à mineradora, justificada pela reflexão constante por parte da população que convive com sequelas do desastre.

Assim, chega-se à conclusão de que a população tem conhecimento da Irresponsabilidade Social Empresarial praticada pela mineradora Samarco S.A., porém, devido a uma relação de dependência para com a mineradora, parte da população não consegue exercer a pressão necessária para que a mesma seja punida, com medo de estragar a relação preexistente. Esse sentimento de dependência deve ser trabalhado junto à população, para que compreendam que, na realidade, é a mineradora que necessita do seu solo e da sua força de trabalho, indispensáveis para o seu sucesso comercial.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
PIRES, Mirian Albert et al . (Ir)responsabilidade social empresarial: uma avaliação do desastre de Mariana-MG. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro , v. 54, n. 5, p. 1188-1206, Oct. 2020 .