Com quantos impactos se constrói um desastre ambiental?

Por: Augusto de Castro Reis - 30/07/2021Orientação: Alfredo Costa

Os impactos de um rompimento de barragem tendem a ser mais atenuados quanto mais longe da barragem rompida, causando transformações nas realidades da bacia em perfis distintos.

Após o rompimento da barragem em Brumadinho, uma percepção que se tornou cada vez mais evidente é que os impactos deste crime se desenvolveriam de formas distintas em cada porção da bacia do Paraopeba. Com isso em mente, pesquisadores da UFMG e da PUC Minas procuraram caracterizar o rompimento desta barragem e o território atingido por ele, objetivando a definição de regiões com impactos em diferentes perfis, e considerando os impactos múltiplos sobre diversas esferas da realidade. O crime de negligência na operação da barragem é considerado um desastre de grande gravidade, ou seja, dificilmente pode ser suportado ou mesmo superado pelas comunidades atingidas. Assim, elas acabam dependendo de ações públicas e privadas para, dentro do possível, ver sua realidade retomar a normalidade.

O rompimento foi responsável por agravar a degradação ambiental que já se verificava na bacia do Paraopeba há muitas décadas, causada, principalmente, pelo despejo de esgoto doméstico e industrial sem tratamento. Localizada em Minas Gerais, essa bacia compõe uma importante porção da bacia do rio São Francisco, além de abastecer 53% da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Vale lembrar que a bacia do Paraopeba está localizada em uma zona de transição entre os biomas de Mata Atlântica e de Cerrado, a caracterizando como essencial na manutenção da biodiversidade da flora e fauna que, por sua vez, acaba sendo ameaçada com o despejo da lama da mineração sobre os rios e suas margens. Destacam-se, principalmente, os danos sobre a população de peixes, uma vez que até a sua plena existência se torna impossibilitada com a contaminação das águas e o soterramento do leito do rio.

Na tentativa de tipificar os impactos socioambientais causados pelo rompimento, uma série de fatores deve ser considerada. Os impactos sobre o relevo correspondem à mudança completa das dinâmicas e formas dos rios; e a retirada da vegetação altera as condições de manutenção das margens. Já os impactos sociais, extremamente complexos, podem ir desde a destruição de construções e vias à transformação dos modos de vida das comunidades, afetando até a saúde física e mental dos atingidos. Por fim, os impactos sobre a fauna e a flora englobam a retirada da mata das margens do rio, a morte de peixes e outros seres aquáticos e o comprometimento da vida dos animais terrestres que dependem do curso d’água. O dano mais imediato e comovente, todavia, foi a perda de dezenas de vidas humanas, algo que poderia ter sido evitado com um melhor planejamento da disposição da infraestrutura da mineradora e com ações preventivas eficientes. Tendo esse cenário em vista, os pesquisadores fizeram visitas à bacia do Paraopeba e análises de sua água e de seus sedimentos para melhor diferenciar os perfis desses impactos ao longo do rio.

Imagem: a matriz apresenta os principais impactos do rompimento da barragem, divididos nas esferas do ambiente, do econômico, da saúde e do direito. Fonte: POLIGNANO e LEMOS, 2020.

A pesquisa demonstrou que a região de impacto direto ainda no Córrego Ferro-Carvão, entre a barragem e o encontro com o Paraopeba, apresentou danos extremos. Nesse trecho, observou-se alterações na qualidade da água e sua turbidez, assim como a vegetação nas margens, totalmente destruída em muitos trechos, algo que impossibilitou a vida de animais aquáticos e terrestres. Indo além, é nessa porção da bacia que mais construções foram destruídas, diversas atividades se tornaram inviáveis e o maior número de casos de doenças causadas pela água contaminada foi registrado. Além, é claro, do altíssimo número de perdas de vidas humanas.

A propagação dos rejeitos chegou a alcançar o rio Paraopeba, e seguiu até a barragem de Retiro Baixo (Curvelo/Pompéu), que impediu a chegada da lama no reservatório de Três Marias e no rio São Francisco. O principal impacto causado pela contaminação do manancial foi a paralisação imediata do abastecimento de água das cidades e a restrição de seus usos, visto que a concentração de alguns elementos químicos apresentava valores dezenas de vezes maiores se comparados às taxas permitidas pela legislação brasileira. Essas restrições não foram aplicadas para os trechos abaixo da barragem de Retiro Baixo, já que as análises da qualidade da água não apresentavam valores preocupantes.

Imagem: ilustração do antes e depois do leito e das margens do trecho atingido mais intensamente, ainda antes do encontro do Ribeirão Ferro-Carvão com o Paraopeba. Fonte: LEMOS, 2019 apud. POLIGNANO e LEMOS, 2020.

Os sedimentos carregados pelo rejeito para a água do Paraopeba possuem tamanhos diferentes, desde a argila, com grânulos mais finos, até a areia mais grossa. Essas partículas mais finas são transportadas em suspensão, possuem uma mobilidade mais veloz ao longo do curso d’água e são exatamente aquelas que tem um alto potencial de absorção de metais pesados. Aliás, é sempre bom frisar que a área mais próxima à barragem rompida é uma fonte constante de novos sedimentos que chegam ao rio, enquanto as áreas mais distantes da barragem apresentam uma deposição das partículas mais grossas. Essas partículas que são depositadas podem ser facilmente movimentadas durante os períodos chuvosos, potencialmente prolongando a contaminação do rio por décadas. Já as partículas mais finas conseguem chegar mais facilmente na barragem de Retiro Baixo e acabam depositadas, por ser um ambiente em que a água é bem menos agitada.

Ao longo do tempo, a presença dessas partículas tanto no rio quanto no reservatório de Retiro Baixo pode ter consequências, como a contaminação de animais aquáticos, com consequências para toda a cadeia alimentar, incluindo os seres humanos. Os impactos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho são complexos e dinâmicos e não acabaram até hoje, seja pela contínua insegurança da população ou pela remobilização de sedimentos contaminados. Pela legislação brasileira e pelos princípios da responsabilidade civil e ambiental, as empresas mineradoras deveriam tratar de transformar e restaurar o cenário catastrófico criado por elas em um ambiente de vida e vivências novamente.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:

POLIGNANO, Marcus Vinicius; LEMOS, Rodrigo Silva. ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA VALE EM BRUMADINHO: IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NA BACIA DO RIO PARAOPEBA. Ciência e Cultura, v. 72, n. 2. São Paulo, abr/jun 2020.