O Rio Doce e a população ribeirinha atingida pela lama da Samarco

O rio Doce recebeu milhões de metros cúbicos de rejeito com o rompimento da barragem de Fundão, deixando os ribeirinhos sem água de qualidade para a produção agrícola e para o consumo. Mas será que a população deixou mesmo de usar essa água? E quais são os efeitos e danos que essa água pode trazer a saúde?

A água é um dos bens mais preciosos para a humanidade, sendo essencial para a vida e fundamental para a realização de inúmeras atividades econômicas. Porém, para que água possa ser usada para os mais diversos fins, existe um padrão de “qualidade” que precisa ser atendido. O rio Doce é muito utilizado para atividades de pesca e agricultura, além de ser usado também para o lazer e atividades industriais. No entanto, com o rompimento da barragem de Fundão, a qualidade da água deste rio foi afetada, pois foram lançados milhões de metros cúbicos de rejeito de minério no rio Doce, contaminando suas águas com metais pesados e atingindo vários pequenos produtores rurais e a população de diversas cidades.

Buscando compreender como esse desastre afetou a população ribeirinha, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro realizou um estudo, no qual amostras de água de três cidades atingidas foram coletadas para avaliação dos níveis de contaminação de metais pesados. O estudo foi realizado nos municípios de Belo Oriente-MG, Governador Valadares-MG e Colatina-ES, em julho de 2016, oito meses após o rompimento da barragem. As amostras foram coletadas diretamente no Rio Doce, em poços de terrenos ribeirinhos e também, na água disponibilizada para abastecimento público em Colatina-ES (realizado pela Samarco, empresa responsável pela barragem). Foram realizadas, ainda, entrevistas com a população ribeirinha, o que levou o grupo a compreender melhor como essas pessoas estavam reagindo diante da tragédia.

Imagem 1: Moradores de Colatina- ES, observando a chegada da lama da barragem de Fundão. Fonte: CAMILA PASTORELLI/ÉPOCA

As amostras coletadas no poço em Belo Oriente apresentaram a concentração de ferro, manganês e chumbo acima do limite determinado para o abastecimento público e para irrigação, conforme determinação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Já as amostras de abastecimento público, assim como as amostras coletadas no rio, apresentaram valores dentro desses limites, nesse mesmo ponto de coleta.

Em Governador Valadares, as amostras de poços apresentaram concentração de ferro e manganês acima do limite permitido para o consumo humano, e as amostras do rio apresentaram concentração de ferro e zinco também acima desse limite.

As amostras coletadas nos poços em Colatina apresentaram concentração de manganês e ferro 10 e 50 vezes, respectivamente, acima do que é permitido, e ainda foram verificados valores altos na concentração de arsênio, acima do que é considerado seguro para o consumo humano. Já as amostras coletadas no Rio Doce, apresentaram valores de concentração de ferro e zinco acima do que é permitido para se beber.

Imagem 2: Imagem das águas do Rio Doce em Governador Valadares- MG, após a chegada da onda de rejeitos da barragem de Fundão, com um peixe morto e água turva. Fonte: Folha de São Paulo

De acordo com as entrevistas realizadas em campo, 98% das pessoas entrevistadas usavam o rio para a agricultura e consumo próprio antes do rompimento, e esse número caiu para 36% com o ocorrido. Desses, 80% relataram que estavam usando a água do rio Doce apenas para irrigação de plantas e lavouras, os demais ainda utilizavam água para outros fins, como atividades domésticas e consumo direto. Além disso, 60% das pessoas entrevistadas consideravam as águas inapropriadas para o consumo humano, o que gerou gastos extras com a água mineral no orçamento das famílias.

Parte do atingidos relatou que não recebeu avisos ou notícias do rompimento, e que só ficaram sabendo do desastre com a chegada da lama em seus terrenos. Fica claro que a falta de informação e apoio por parte dos órgãos públicos e da Samarco, contribui para uso e consumo dessas águas que são danosas à saúde humana. A alta ingestão de ferro, por exemplo, pode causar distúrbios genéticos e a alta ingestão manganês pode causar problemas neurológicos e cognitivos.

A contaminação das águas superficiais e subterrâneas da bacia do rio Doce gera uma infinidade de problemas para a população ribeirinha atingida pela lama da Samarco: problemas financeiros, já que muitos perderam seu meio de renda; problemas emocionais, pois o rio que fazia parte de seu cotidiano já não é mais o mesmo; e, ainda, problemas de saúde, já que muitos continuam sem informações sobre o real estado do rio e utilizam dessas águas em sua produção e em suas casas. O rompimento por si só já representa uma grande violação dos direitos e dos modos de vidas presentes na bacia do Rio Doce, mas é muito agravado através das formas como os órgãos públicos e as empresas causadoras do desastre gerenciam o desastre, prolongando e reforçando suas consequências para a sociedade.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
CARVALHO, Gabriel Oliveira de; PINHEIRO, André de Almeida; Sousa, Dhoone Menezes de; PADILHA, Janeide de Assis; SOUZA, Juliana Silva; Galvão, Petrus Magnus; PAIVA, Thaís de Castro, FREIRE, Aline Soares; SANTELli, Ricardo Erthal, MALM,Olaf; TORRES, João Paulo Machado. Metals and arsenic in water supply for riverine communities affected by the largest environmental disaster in Brazil: The dam collapse on Doce River. Orbital: The Electronic Journal of Chemistry, v. 10, n. 4 SI, p. 299-308, 2018.