O “queijo suíço” dos desastres tecnológicos: um olhar sobre as ocorrências em Minas Gerais

Por: Rebeka Girardi Knop - 08/07/2021Orientação: Sérgio Lana Morais

Infelizmente, os desastres são recorrentes no Brasil, porque há uma precariedade na aplicação das leis e no gerenciamento da segurança das barragens. Seria a cultura de desastres uma das respostas para evitar que eventos socioambientais extremos e desastres tecnológicos ocorram mais frequentemente?

O risco é definido através da combinação entre a probabilidade de ocorrer um evento indesejável e as suas consequências deletérias. Todo risco está relacionado a exposição a um evento que pode gerar consequências negativas as quais afetarão uma determinada sociedade. Se as pessoas estiverem preparadas para o risco (a exemplo das simulações constantes, o mapeamento das áreas potencialmente impactadas e a definição de rotas e planos de fuga), há menor probabilidade dele se tornar um desastre.

O conceito de cultura do desastre foi proposto inicialmente por Moore, em 1964, e desenvolvido nos EUA na década de 70 e pode ser compreendido, comparativamente, a um “kit de ferramentas” que uma comunidade terá para resolver diferentes tipos de problemas advindos de uma ameaça constante utilizando-se de determinadas estratégias de ação. Enquanto ferramentas que podem estar acessíveis a um grupo, destacam-se: o conhecimento, as atitudes, as narrativas e as práticas comunitárias que permitirão as pessoas responderem rapidamente (ou não) quando submetidas a um evento extremo e inesperado.

Por conseguinte, é necessário evidenciar que uma comunidade não desenvolve a cultura de desastre se não estiver constantemente submetida ao risco, almeja-se que essa cultura bem desenvolvida aumente a resiliência. Outro fator a ser destacado é que o desastre em si não é pedagógico, porque o trauma gerado a partir dele, faz com que grande parte das pessoas prefiram esquecer a catástrofe, principalmente se forem sobreviventes, do que utilizarem da experiência para evitarem problemas futuros.

Portanto, as pessoas não irão reagir aos riscos se não enxergarem todos os problemas que as deixam em perigo, logo, isso contradiz a falsa sensação de segurança (essa sensação de segurança não está relacionada à segurança objetiva – estar seguro realmente). Por exemplo, em 2012 houve uma pesquisa com a comunidade de Bento Rodrigues (em Mariana, Minas Gerais) que revelou que 68% da população tinha medo da ruptura da barragem de Fundão. Desse modo, constatou-se que a percepção pelo risco estava nítida nas pessoas, mas paradoxalmente elas não tinham qualquer “ferramenta em seu kit” para a resolução desse problema.

Considerando os recorrentes acontecimentos, parece ser razoável afirmar que há uma completa ausência da cultura dos desastres no Brasil. Apesar de existir por aqui uma cultura de protesto social contra desigualdades políticas e estruturais, não há muitos movimentos organizados da sociedade relacionados aos desastres. Um dos poucos exemplos, refere-se ao Movimento dos Atingidos por Barragens – (MAB) que, na perspectiva dos autores que embasaram este ensaio, infelizmente ainda não pode ser considerado uma ação coletiva e organizada capaz de lidar com a preparação e as respostas de um desastre.

Os estudos de ecologia política avaliam a relação entre múltiplos grupos sociais e o ecossistema. Na perspectiva desta interdisciplina, as consequências dos desastres estão mais relacionadas, diretamente, ao meio estrutural circundante que ao desastre em si. Tal noção é central em nossa discussão, pois as diferenças nas relações de poder fazem com que a governança sem um planejamento territorial adequado aumentem o grau de vulnerabilidade de determinadas populações, sendo responsável para que qualquer evento ambiental se torne um desastre. Infelizmente, em se tratando de Brasil, a administração pública tende a esperar o desastre acontecer para tentar desenvolver/implementar uma cultura de segurança e de prevenção ao desastre.

No caso do Brasil, a cultura de segurança é bastante deficiente, pois a maioria dos desastres não são causados por falhas técnicas, mas sim por precariedades nas leis de saúde e segurança. Aqui as empresas são protegidas pelo governo, há boas leis ambientais, mas a implementação das mesmas é questionável. Um exemplo que evidencia tal afirmação, reside no fato que entre 1996 a 2015 a mineradora Samarco, responsável pela tragédia na bacia do Rio Doce, foi multada 18 vezes, mas não de forma eficaz. Isso ratifica a necessidade de desenvolver a cultura da segurança.

Embora o setor minerário no Brasil informe que adere às regulamentações nacionais de segurança de barragens, a cultura de segurança permanece ineficiente, porque os critérios ligados às gestões dos riscos não englobam as pessoas (especialmente as sociedades que habitam as áreas lindeiras aos empreendimentos) que deveriam saber como enfrentá-los. Um grande problema identificado está relacionado quando ambas as culturas (de desastre e segurança) estão ausentes, porque a chance de um incidente eleva demasiadamente a severidade dos danos, até mesmo para aqueles eventos que poderiam resultar em menor impacto associado.

James Reason, psicólogo britânico, desenvolveu um modelo de “queijo suíço” catastrófico (ideia na qual foca nos riscos relacionados à ocorrência de desastres), como sendo um ideal de influência do ato cumulativo. Cada sistema é complexo e, exatamente por obter complexidade, detém certas fraquezas. As fraquezas podem ser consideradas como falhas em cada camada de proteção. Quando todas essas falhas se alinham, o desastre é inevitável. Por exemplo, em um sistema de barragens, tem-se diversas camadas complexas da realidade em torno das pessoas que vivem próximas a elas.

Desse modo, quando uma barragem se rompe, o problema não foi pontual (apenas na barragem), mas em todo processo cumulativo de problemas que geraram riscos que condicionou o rompimento. A implementação falha das leis ambientais, a ineficiência da fiscalização, a ausência de dados sobre algumas barragens, a realização de modificações nas estruturas, influenciaram decisivamente em seu rompimento. As diversas camadas do sistema complexo atuam como uma “proteção” anti-desastre, mas em cada camada existe uma falha, logo quando todas essas falhas (que seriam como os buracos do queijo suíço) se alinham, o desastre é inevitável.

Por fim, parece razoável afirmar que no Brasil os desastres ocorreram e continuam a ocorrer devido à falta da cultura de desastres e de segurança. Desse modo, é imperativo propiciar às comunidades que estão diretamente vulneráveis condições de construir/acessar essas culturas de modo que funcionarão como camadas de proteção, evitando a coincidência nos buracos (falhas) do “queijo suíço”. Assim, quanto mais afiada a cultura do desastre de uma comunidade, mais resiliente a população estará.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
WARNER, J; ALVES; E. N.; COATES, R. O queijo suíço no Brasil: cultura de desastres versus cultura de segurança. Ideias em Debate, São Paulo, v. 22, n. [S.I], p. 1 – 16, 2019.