Equipes veterinárias em resgate e os desastres ambientais brasileiros

Já parou para pensar que, além dos humanos, outros animais também são vítimas dos desastres ambientais e precisam ser resgatados? Vamos conhecer um pouco mais sobre os grupos de resgate de animais que ajudam tanto animais domésticos quanto os silvestres em contexto de desastres.

Na última década, o Brasil passou por diferentes desastres ambientais tais como as enchentes, deslizamentos de terra, rupturas de barragens e incêndios florestais. Tais acontecimentos mobilizam um grande número de profissionais, como a defesa civil, o corpo de bombeiros e outras instituições de segurança e saúde públicas, para que tomem ações de resgate e defesa da população atingida pelos desastres ambientais. Porém, além da população humana, diversos animais, domésticos ou de criação, também são afetados e precisam ser resgatados, cuidados e realocados.


Figura 1: Tentativa de salvamento de vaca atingida pelo rejeito de mineração. Fonte: Márcia Folleto.

Pensando nesse contexto, pesquisadores brasileiros, com a participação do Grupo de Resgates de Animais em Desastres (GRAD) de Cuiabá, realizaram uma revisão da literatura e analisaram a ação de times de resgate veterinários nos desastres ambientais dos últimos dez anos, incluindo os desastres relacionados à mineração em Minas Gerais. O objetivo central do trabalho é apresentar um histórico das ações realizadas pelas equipes de resgate e discutir o desenvolvimento de planos de contingência e gerenciamento de respostas a esses tipos de eventos.

No Brasil, os principais eventos com participação de equipes de resgate veterinário foram os seguintes: 2011 no Rio de Janeiro (inundação e deslizamento); 2012 no Acre e Pará (enchente) e Minas Gerais (inundação); 2015 em Minas Gerais (rompimento de barragem); 2017 em Minas Gerais (inundações e incêndios florestais) e Goiás (incêndios florestais) 2019 em Minas Gerais (rompimento e evacuação de barragens) e Bahia (enchente); 2020 no Espírito Santo e Minas Gerais (inundação) e em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (incêndios florestais no Pantanal).

Dos desastres citados, os que tiveram grande repercussão global foram os rompimentos das barragens de mineração em Mariana (2015) e em Brumadinho (2019). Ambos ocorreram em Minas Gerais, sendo este o estado com o maior número de desastres ambientais no Brasil e consequentemente maior número de equipes de resgate veterinários.

Os desastres ambientais têm efeitos diretos de curto, médio e longo prazo, assim como efeitos indiretos sobre a saúde e bem estar das populações. Devido à complexidade, é importante entendermos a saúde através de conceitos mais novos e interdisciplinares como a Saúde Única (“One Health”). Ela é um movimento que busca estabelecer colaborações iguais e inclusivas entre médicos, veterinários, dentistas, enfermeiras e outras áreas relacionadas à saúde e ao meio ambiente, incluindo Centros para Controle e Prevenção de Doenças e Departamentos de Agricultura. Entende-se a saúde de forma mais holística e integrada, ou seja, saúde é influenciada por diversos fatores, inclusive os sociais e ambientais. Fazendo um paralelo com o contexto do artigo, não basta pensarmos só no resgate e auxílio às populações humanas. Devemos pensar em ações e frentes amplas que vão atuar nos mais variados contextos.

O trabalho de veterinários em interação com outros profissionais em desastres ambientais mostrou-se eficaz e necessário para o resgate de animais. Estes, além de fazerem parte das famílias afetadas e serem sensíveis (capazes de sentir), também são personagens importantes no cenário epidemiológico antes, durante e depois da ocorrência de um desastre.

Com relação a ação de veterinários no resgate de animais durante desastres ambientais, o primeiro grupo formado foi em 2011 e de forma voluntária para atuar em resgates de animais domésticos. Ao longo dos anos, os grupos perceberam a necessidade de treinamentos especializados para que suas ações pudessem ser cada vez mais eficazes. É essencial que os profissionais se aprofundem em medicina veterinária coletiva, uma vez que desastres ambientais englobam aspectos como bioética, zoonoses, bem-estar e comportamento animal, gestão de recursos humanos, adoção e até mesmo educação humanitária.

Apenas em 2019 foi criado o Grupo de Resgate de Animais em Desastre (GRAD) e com a constante atuação dessa frente uma nova linha de atividade profissional foi oficialmente instituída: a medicina veterinária de desastres.

Figura 2: Voluntários atuam no resgate de animais em cidades atingidas pela chuva, no ES. Foto: Divulgação/ GRAD

Em desastres ambientais é essencial a articulação entre diferentes esferas políticas (municipal, estadual e Federal) e diferentes setores (meio ambiente, segurança, saúde, economia e etc). Para harmonizar as estratégias e ações é fundamental ter um plano e/ou políticas públicas já estabelecidas. No Brasil, existe a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), instituída por meio da Lei 12608/2012. No entanto, esta política não detalha as ações relacionadas aos animais entre as principais ações de assistência às vítimas de desastres; menciona apenas o manejo de animais domésticos e o sepultamento de animais em locais apropriados, de acordo com as regras de zoonoses, não considerando todo o conceito de Saúde Única (“One Health”).

Somente em 2020 foi aprovado o “Plano Nacional de Contingência de Desastres em Massa Envolvendo Animais” para apoiar a conduta dos profissionais que atuam no campo. O documento se tornou referência nacional na área. A construção do plano só foi possível através dos estudos sobre os desastres ocorridos no Brasil na última década. Os dados e documentos que foram gerados ao longo dos anos serviram de base para as análises e pôde-se definir ações mais próximas da realidade, consequentemente ações mais eficazes. Dessa forma, fica evidente a importância da documentação, das bases de dados e pesquisas científicas sobre esse tema.

Por fim, destacamos a necessidade de investimentos nas instituições responsáveis pelas coletas de dados e informações. Com o conhecimento adequado podemos nos preparar de forma cada vez mais eficiente para enfrentar as dificuldades. Da mesma forma, podemos usá-lo para debater sobre sustentabilidade, como alcançá-la e como impedir que desastres ambientais de origem antrópica continuem acontecendo.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:

SÁSSI, Carla et al. One decade of environmental disasters in Brazil: the action of veterinary rescue teams. Frontiers in Public Health, v. 9, 2021.