O rejeito presente nas planícies fluviais está afetando a recarga de aquíferos?

Você sabe o que é, qual a função e como se dá o funcionamento de um aquífero aluvionar? Além de explicar tais questões, pesquisadores buscam compreender se o desastre do rompimento da barragem de Fundão afetou a recarga desses aquíferos.

Os aquíferos são formações geológicas de armazenamento e distribuição de águas subterrâneas, que são importantes fontes de abastecimento hídrico doméstico, agropecuário e industrial. Chamamos de “aluvionares” os sedimentos de diferentes tamanhos e naturezas que são depositados pelos rios nos seus leitos e margens. Assim, “aquíferos aluvionares” são aqueles localizados na zona de várzea (planície de inundação) e abastecidos prioritariamente em períodos de cheia, através da infiltração das águas dos rios.

Olhando para esses locais, os pesquisadores da Universidade Federal de Itajubá se propuseram a identificar e mapear os aquíferos aluvionares associados ao rio Gualaxo do Norte. Realizaram uma quantificação dos possíveis impactos na recarga desses aquíferos, gerados pela camada de rejeito que se depositou sobre o solo devido ao rompimento da barragem de Fundão. Em função de sua origem e localização, a água dos aquíferos encontra-se dispersa, sendo difícil realizar estudos quantitativos dessas reservas hídricas. Dessa maneira, comumente são utilizados métodos indiretos que utilizam dados regionais, assim como os regimes fluviais superficiais.

Legenda: Rio Gualaxo do Norte e planície de inundação tomado pelo rejeito após o rompimento da barragem.

Fonte: Carneiro. et al. (2019).

Legenda: Depósitos de rejeito sobre os aluviões nas margens do rio Gualaxo do Norte.
Fonte: Saadi e Campos (2015 apud Carneiro et al. 2019).



Nos depósitos aluvionares localizados às margens do rio Gualaxo do Norte, foi constatada, em sua maioria, a predominante presença dos resíduos de rejeito do rompimento da barragem de Fundão, formando uma longa faixa em todo o trecho atingido.

Em sua metodologia, os pesquisadores utilizaram a relação de regimes hidrológicos superficiais como método indireto de análise dos aquíferos. Deve-se compreender que o volume de fluxo das águas superficiais que infiltram deve ser igual ao volume de saída de dentro dos aquíferos (o que é denominado equilíbrio de fluxo). Dessa maneira, é possível determinar a forma como as águas subterrâneas participam do escoamento superficial total, sendo possível também determinar o escoamento subterrâneo unitário (o que é equivalente à capacidade de armazenamento subterrâneo).

A capacidade de armazenamento subterrâneo é estipulada a partir da descarga fluvial nos períodos de estiagem, uma vez que, nesses momentos, há uma diminuição da água subsuperficial armazenada. Para a realização de tais cálculos matemáticos foram utilizados os dados da Estação fluviométrica Fazenda Ocidente, localizada no município de Barra Longa - MG, sobre o rio Gualaxo do Norte.

Foram calculados os “fluxos de base”, que são a porção de águas armazenadas nos aquíferos, juntamente com as descargas dessas águas para o rio. Essas descargas são medidas em função de sua carga hidráulica em relação à vazão de água transportada, que gera a “curva de esgotamento”. Para a caracterização hidrogeológica foram tratadas as correlações quantitativas entre as águas superficiais e as subterrâneas, extraindo-se alguns parâmetros que levaram à compreensão do comportamento hidrológico dos aquíferos aluvionares quanto às suas recargas.

Foi realizado um estudo comparativo entre o escoamento total pré e pós-rompimento da barragem de Fundão, utilizando-se de dados dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2019 da estação fluviométrica Fazenda Ocidente, assim como os dados de precipitação para os mesmos anos. Nessas análises, foi percebido que, apesar de alterações perceptíveis nas precipitações, o período de estiagem se manteve regular, e as descargas acompanharam os períodos chuvosos de cada ano. Por outro lado, constatou-se que, nos anos de 2013 e 2014 (pré-rompimento), houve um menor registro de descargas superficiais do que no ano de 2019 (pós-rompimento), o que pode ser explicado devido à remoção da cobertura vegetal ocorrida pela “onda de lama” e a presença de material sedimentado ao longo das margens, que dificultam a capacidade de infiltração da água, aumentando o escoamento total.

Verificou-se que o rompimento da barragem não interferiu na redução do escoamento total. Constatou-se, também, que a capacidade reguladora dos aquíferos sobre a descarga natural dos rios serve como base para a estimativa das reservas subterrâneas. Por fim, o rio em questão, por não apresentar muitas alterações no escoamento subterrâneo durante a estiagem, indica uma condição de rio efluente, ou seja, mesmo em períodos de seca o rio não sofre grandes reduções em função da recarga de águas subterrâneas.

Frente ao cenário de tragédia deixado pelo rompimento da barragem em Mariana, dentre as diversas influências percebidas ao longo dos cursos d’água por onde o rejeito atravessou, é importante a realização de estudos como este retratado. É necessário que se busque compreender não apenas como as águas superficiais foram afetadas, mas também as águas subterrâneas, que são importantes para o abastecimento doméstico, agropecuário e industrial no Brasil e no mundo. Dessa maneira, o estudo estabeleceu seus objetivos e chegaram às considerações retratadas, que não necessariamente se repetirão em outras áreas afetadas pela mesma problemática, e, assim, servindo de base para a realização de outros estudos, por exemplo, nos aquíferos aluvionares próximos aos cursos d’água afetados pelo rompimento da barragem de Brumadinho.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
CARNEIRO, Gillianne Assis; GONÇALVES, José Augusto Costa; CARNEIRO, Grazielle Cristina Assis. A Lama de Rejeitos de Mineração e os seus Efeitos sobre a Recarga dos Aquíferos Aluvionares do Rio Gualaxo do Norte após o Rompimento da Barragem de Fundão em Mariana-MG. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 13, n. 03, p. 1213-1230, 2020.