Como ficaram os peixes do Rio Doce após o rompimento da barragem de Fundão?

Qual foi o impacto do rompimento da barragem de Fundão sob os peixes do Rio Doce? Um grupo de pesquisadores da Universidade Vila Velha buscou responder quais as mudanças genéticas poderiam acontecer com os peixes quando expostos ao rejeito da mineração.

Você sabe o que é genotoxicidade? Nos últimos anos, diversos estudos apontaram que metais pesados podem ser poluentes genotóxicos. Poluentes genotóxicos são aqueles capazes de alterar e modificar geneticamente os seres vivos, podendo apresentar danos nas moléculas de seu DNA, o que pode resultar em risco de câncer. As águas do rio Doce, antes do rompimento, já possuíam uma alta taxa de genotoxicidade, mas após o desastre, essa genotoxicidade foi aumentada, mostrando que os rejeitos contribuíram para a contaminação da água e, por consequência, dos peixes que ali vivem. São peixes que são parte da cadeia alimentar de diversos animais e servem de alimento e meio de vida para a população ribeirinha. Se os rejeitos potencializaram a contaminação de peixes e até modificaram o seu DNA, é preciso refletir sobre o quão tóxicos os peixes e os próprios rejeitos podem ser para a população atingida.

O rompimento da barragem de Fundão lançou na bacia do rio Doce cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeito, o que alterou por completo a vida dentro e fora do rio. Muitas cidades que utilizavam o rio para abastecimento, pesca e lazer tiveram que parar suas atividades por causa dessa tragédia. De acordo com a Samarco, empresa responsável pela barragem, os rejeitos eram majoritariamente compostos por silte e argila, mas análises independentes realizadas na sua água e nos sedimentos provaram o contrário, apresentando altas concentrações metais pesados.

Imagem 1: Essa imagem é do peixe geophagus brasiliensis, popularmente conhecido como Cará, encontrado por todo Brasil. Espécie utilizada no estudo. Fonte: https://br.pinterest.com/pin/460633868123354114/

Com a intenção de entender quais foram os danos causados por esses metais, um grupo de pesquisadores da Universidade Vila Velha produziu um estudo sobre o impacto dos rejeitos da Samarco nos peixes da espécie G. Brasiliensis, conhecido como Cará, que são nativos do rio Doce e foram infectados com os rejeitos da Samarco. O estudo foi realizado a partir da coleta de água do rio Doce em Colatina-ES, as coletas ocorreram em dois tempos, um antes do rompimento e outro depois, com o intuito de compreender se as mudanças que porventura ocorressem nos peixes seriam provocadas ou não pela água contaminada pelo rejeito. Vinte e quatro peixes, obtidos junto ao Instituto Federal do Espírito Santo - Campus de Alegre, foram utilizados para esse estudo.

A pesquisa apontou que a quantidade de contaminantes antes da chegada dos rejeitos é inferior à quantidade de contaminantes após a ruptura da barragem. Apontou também que a água do rio Doce, antes do rompimento, já possuía um potencial genotóxico. Alguns contaminantes, como o Cobre, estavam presentes nas águas do rio Doce antes do rompimento da barragem, provavelmente oriundo de fábricas instaladas nas margens do rio Doce que o utilizam em seu processo de produção. Após o rompimento, todavia, houve diminuição da concentração de cobre nas águas, o que pode estar relacionado aos tipos de minerais e argilas presentes no rejeito, pois o Cobre detém uma alta afinidade com esses compostos, e se une a eles formando um novo composto mais complexo.

Imagem 2: A foto ilustra a morte do rio doce após a passagem dos rejeitos em 2015. Fonte: https://domtotal.com/noticia.php?notId=1342263

A alta concentração de cobre causa um efeito danoso ao DNA dos peixes. A genotoxicidade do cobre está relacionada ao fato de que ele detém bastante afinidade com aminoácidos. Os aminoácidos desempenham um papel chave e importante no transporte e armazenamento de nutrientes, deixando inativa a produção de proteínas no processo do DNA. O cobre mostrou alta genotoxicidade para a espécie G. Brasiliensis (Cará).

As águas coletadas após o rompimento mostraram possuir, também, altas concentrações de metais como ferro e manganês, que estariam com formas complexas por causa da presença da goethita (tipo de mineral) e argila. A goethita é um mineral presente em 69, 5% dos rejeitos da Samarco.

A pesquisa analisou os impactos de amostras de água do rio Doce anteriores e posteriores ao rompimento em peixes, e trouxe duas conclusões importantes: a primeira é que, antes do rompimento, a água já possuía elevada genotoxicidade, e a segunda é que os rejeitos potencializaram e complexificaram essa genotoxicidade. É necessário refletir sobre o impacto disso na fauna, na flora e nas populações humanas que vivem às margens do rio Doce, e que tipo de problemas de saúde isso pode desencadear a curto ou longo prazo.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
Gomes, L.; Chippari-Gomes, A.; Miranda, T.; Pereira, T.; Merçon, J.; Davel, V.; Barbosa, B.; Pereira, A.; Frossard, A.; Ramos, J. Genotoxicity effects on Geophagus brasiliensis fish exposed to Doce River water after the environmental disaster in the city of Mariana, MG, Brazil. Brazilian Journal of Biology, v. 79, n. 4, p. 659-664, 30 nov 2019.