Entre traumas e lutas: qual o impacto do rompimento da barragem no psicológico da população de Brumadinho?

Por: Rebeka Girardi Knop - 14/04/2021Orientação: Miguel Fernandes Felippe

Após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, os atingidos começaram a viver um pesadelo. Além de todas as mortes e danos materiais, a saúde mental também foi afetada.

No dia 25 de janeiro de 2019, a vida de milhares de pessoas mudou completamente por causa do rompimento da barragem na Mina Córrego do Feijão, na cidade de Brumadinho – Minas Gerais. Mais do que os 12 milhões de m³ de rejeitos que foram despejados no meio ambiente, deixando um rastro de destruição por onde passava, danos imateriais se sobrepõem ao sofrimento dos atingidos.

A atenção de muitos estudiosos e da mídia foi voltada para os impactos socioambientais do desastre, trazendo questionamentos e indagações acerca das consequências nos modos de vida das comunidades e no meio ambiente. Mas, pesquisadores da Universidade Federal do Cariri e do Centro Universitário São Lucas investigaram os aspectos psicológicos e sociais relacionados às consequências do desastre para a população, tentando trazer dados referentes aos transtornos psicossociais gerados a partir do rompimento da barragem. Dentro desse estudo, foi interpretado como que os desastres podem causar impactos imensuráveis na vida de uma população, podendo haver consequências emocionais de longo prazo, como o sentimento de angústia e o sofrimento e sensação de insegurança. Juntamente com isso, podem surgir transtornos psicossociais.

Esse estudo traz informações organizadas pelo Ministério da Saúde, no portal de boletins epidemiológicos “Um ano do desastre da Vale”, através da Secretaria de Vigilância em Saúde. Também analisa trabalhos de 2018 a 2020 que foram compilados a partir de uma revisão bibliográfica. Após a interpretação dos documentos que abordavam a temática dos transtornos psicossociais e dos dados secundários levantados, descobriu-se que houve um aumento das notificações de alguns problemas de saúde ligados a questões emocionais.

Em 2018, 526 notificações foram feitas dos seguintes transtornos: episódios depressivos (352); Transtorno misto ansioso e depressivo (9); Reações ao stress grave e transtorno de adaptação (68); Transtornos específicos da personalidade (72); outros transtornos de personalidade e comportamentais de adulto (18); Transtornos globais do desenvolvimento (7). No ano de 2019, após o rompimento da barragem, essas notificações aumentaram para 3.967 (754% de aumento), os quais são: Transtorno misto ansioso e depressivo (883); Reações ao stress grave e transtorno de adaptação (933); Transtornos específicos da personalidade (672); outros transtornos de personalidade e comportamentais de adulto (33); Transtornos globais do desenvolvimento (223). Trazendo também notificações de transtornos, nos quais nos anos anteriores, estavam com 0 notificações: Transtorno do desenvolvimento psicológico (232); Transtornos hipercinéticos (459); Distúrbios de conduta (113); Transtornos mistos de conduta e das emoções (197); Transtornos emocionais com início específico na infância (178); outros transtornos comportamentais emocionais com início na infância e adolescência (257).

A intensidade da exposição a eventos de grande magnitude contribui bastante para o desenvolvimento de transtornos psicossociais e, nesse caso em específico, a perda de amigos, emprego, familiares, animais, bens materiais e etc, foram fatores de primeira importância. Após o desastre, na cidade de Brumadinho, foram registradas 39 tentativas de suicídios no primeiro semestre de 2019, tendo um aumento de 30% com relação ao mesmo período do ano anterior.

Casos de “Reações ao Estresse Graves e Transtornos de Adaptação” foram bastante notificados em 2019. Esse tipo de reação se inicia após um evento estressante, havendo diversas manifestações, sendo as principais: humor deprimido, ansiedade e má conduta. No ano de 2019, foram notificados 933 casos de transtorno do estresse pós-traumático, apresentando um aumento de 1.372% com relação ao ano anterior. Dentro dessa categoria, o transtorno do estresse pós-traumático é o que fica em maior evidência, isso porque é um distúrbio desenvolvido após a pessoa enfrentar um evento assustador, que pode ameaçar sua vida ou a de outra pessoa. Outro fator preocupante é o aumento dos casos de episódios depressivos, no qual a pessoa apresenta perda de interesse e prazer, junto com humor triste, podendo variar de leve a grave. Esses casos aumentaram 39,9% em relação ao ano anterior, chegando a um total de 883 casos.

O estudo realizado também dá atenção às crianças, porque elas são mais vulneráveis nesse tipo de situação. Além disso, os transtornos que se desenvolvem na infância podem permanecer por toda a vida. Nota-se isso com o surgimento de transtornos emocionais, com início na infância, tais como a angústia de separação que chegou a ter 178 casos em 2019, sendo que em 2018 não haviam registros dessa angústia.

Após o desastre houve o desenvolvimento de uma estratégia de saúde mental e atenção psicossocial pelo SUS, se baseando em diversos modelos, como o Marco de Sendai (modelo para a diminuição do risco de desastre) e protocolos e guias da Organização Mundial da Saúde. O modelo do SUS adotado teve como foco minimizar os impactos da saúde mental dos afetados, priorizando a resposta imediata ao sofrimento humano. Por isso é de suma importância que essa estratégia continue ativa, porque vai fornecer uma ajuda e um acompanhamento aos atingidos, podendo minimizar os impactos do rompimento no psicológico dos atingidos.

Por fim, o estudo evidencia que grandes eventos desastrosos conseguem impactar severamente as emoções individuais, afetando toda a sociedade. Ele mostra também a necessidade de haver um acompanhamento psicológico dos atingidos, porque após crimes como o ocorrido em Brumadinho, a dificuldade em lidar com as consequências do desastre é um problema geral, o qual, se não houver a devida atenção, pode trazer danos psicológicos severos e permanentes nas pessoas.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:

FELIX, E. B. G.; FEITOSA, P. W. G.; VIEIRA, J. G.; RODRIGUES, A. L.; OLIVEIRA, V. L. D. de Moraes; TAVARES, W. G. De Sousa. O dano interior: repercussão psicossocial da tragédia da Vale na população de Brumadinho - MG. Interfaces, v. 8, n. 2, p. 8, 2020.