Os sedimentos de fundo do rio Gualaxo do Norte sofreram alterações geoquímicas em função do desastre ambiental da Samarco?

Os sedimentos de fundo do rio Gualaxo do Norte possuem naturalmente concentrações elevadas de ferro e outros metais, em função da geologia da área. Mas quais modificações esses materiais sofreram a partir do desastre ambiental em Mariana (MG)?

A bacia hidrográfica do rio Gualaxo do Norte, afetada diretamente pelo rompimento da Barragem de Fundão, se localiza em terrenos de rochas com diversos componentes, dentre eles o elemento ferro se faz muito presente. Por esse motivo, os sedimentos encontrados no fundo dos rios possuem elevadas concentrações de ferro e outros metais, originados das rochas do Quadrilátero Ferrífero. Porém, se mostra necessário compreender até que ponto esses elementos ocorrem devido a um aspecto natural, à exploração mineral do passado ou aos efeitos do rompimento da Barragem de Fundão.

Dessa maneira, pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) realizaram a amostragem de sedimentos em estações impactadas e não impactadas pelo rejeito liberado pelo rompimento da barragem. Assim, as concentrações de metais nos sedimentos das estações não afetadas representariam de melhor maneira a geologia do Quadrilátero Ferrífero, enquanto nas estações afetadas seria possível observar as mudanças nas propriedades físicas e químicas do sedimento de fundo.

A contaminação dos sedimentos de fundo degrada os ecossistemas aquáticos, podendo afetar tanto animais quanto plantas que ali se instalam. Para avaliar o que é natural ou causado por ações humanas, os cientistas usam um termo denominado “background geoquímico”, que resgata os valores de concentração de elementos químicos nos sedimentos condizentes com a realidade local pré-perturbação, permitindo assim a distinção das contribuições humanas (nesse caso, através da mineração).

Em sua amostragem, a pesquisa realizada pelos cientistas da UFOP instalou 27 estações de coleta ao longo dos cursos d’água da bacia hidrográfica, sendo 11 delas instaladas no rio principal (Gualaxo do Norte) e outras 16 em seus afluentes, como é possível observar no mapeamento geológico da bacia hidrográfica. Foram formados diferentes grupos para as estações amostrais, sendo importante frisar a diferenciação entre os grupos A (localizados na região acima – e não afetada pela barragem de Fundão) e B (localizado na região abaixo – e afetada diretamente pela barragem de Fundão). Os subgrupos foram divididos em função da amostragem se dar no rio principal ou em seus tributários, e da influência geológica sobre os pontos.

Foram coletados aproximadamente 2 kg de sedimento de fundo para cada estação de amostragem, sendo posteriormente armazenados em vasilhames plásticos para secar em temperatura ambiente. Na sequência, iniciaram-se os procedimentos de testagem, classificando-os quanto à sua granulometria (ou seja, o tamanho dos grãos) e quanto às suas concentrações químicas (através de um método denominado “Espectrometria de Emissão Atômica por Plasma Acoplado Indutivamente”).

Legenda: Litologia da bacia hidrográfica do RGN.

Fonte: REIS . et al. (2019), p.6.

Foi observado que, mesmo no grupo A (pontos não afetados pelo rompimento da barragem), os valores de concentração dos elementos ferro, manganês, arsênio, bário, níquel e zinco, em algumas estações amostrais, estavam acima do background geoquímico proposto a área. Já no grupo B (pontos afetados pelo rompimento da barragem), todas as amostras extrapolaram o valor do “background geoquímico” para o elemento ferro. Em uma das estações de coleta, localizada no rio principal, as concentrações dos elementos manganês, bário e zinco também extrapolaram os valores do background geoquímico. Foi possível perceber que, nesse grupo afetado pelo desastre, ocorreu a diminuição da concentração de alguns dos elementos, e isso foi explicado em função de o rejeito ter recoberto o sedimento natural do fundo do rio, trazendo assim as características geoquímicas do próprio rejeito.


A partir da compreensão das concentrações de metais presentes nos sedimentos de fundo do rio Gualaxo do Norte, busca-se entender a possível origem das anomalias, sendo a verificação fundamental para o manejo de bacias hidrográficas. Nessa etapa da pesquisa, foram associados os elementos presentes na geologia local, e suas influências diretas nos componentes dos sedimentos, uma vez que, ao serem desagregados, liberam seus componentes em quantias proporcionais. É possível observar que há uma proporcionalidade quando se comparam os valores de ferro com os de manganês, sendo eles similares tanto nas estações não afetadas quanto nas afetadas pelo rompimento da barragem.


Legenda: Concentrações de metais nos sedimentos de fundo no rio principal de acordo com os valores de background para o RGN

Fonte: REIS . et al. (2019), p.9.

Através dos gráficos apresentados, é possível observar as proporções dos metais em cada estação amostral, facilitando assim o comparativo entre os grupos A e B, assim como os efeitos sobre o rio principal e seus afluentes. Em geral, é possível associar que as altas concentrações de ferro na bacia estudada podem estar relacionadas à geologia local, uma vez que as rochas da região são ricas em ferro. Entretanto, valores exacerbados podem exibir relações diretas com o material do rejeito da mineração de ferro, mesmo antes do rompimento da barragem de Fundão. Porém, após o desastre ambiental, foi verificado que as concentrações de ferro foram muito superiores aos valores mensurados anteriormente. Além da mineração, outro fator que também pode estar associado são as atividades agropecuárias que substituíram a vegetação nativa por pastagens, o que tem exposto as rochas ao acelerado processo de desgaste.


O presente trabalho aponta que os sedimentos originais do rio foram encobertos e/ou arrastados pelo rejeito de minério ao longo do rio devido ao rompimento da barragem de Fundão, aumentando principalmente a concentração de ferro e manganês nas estações de amostragem afetadas. Conclui-se também que os metais e semimetais analisados confirmam anomalias na concentração mineral do Rio Gualaxo do Norte, além da presença de elementos químicos acumulados nos sedimentos de fundo, causados por fenômenos naturais e atividades antrópicas, elevando, por fim, os fatores de contaminação e enriquecimento por ferro nos pontos afetados pelo rompimento da barragem de rejeitos em Fundão.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
REIS, Deyse Almeida dos; ROESER, Hubert Mathias Peter; SANTIAGO, Aníbal da Fonseca. Impacto ambiental nos sedimentos do tributário do Rio Doce após o rompimento da barragem de Fundão. Research, Society and Development, v. 9, n.2, 2020.