A barragem de Fundão se rompeu! O que aconteceu?.
"Você já se perguntou o que ocorreu após o rompimento da barragem de Fundão? Um estudo feito com base em diversos relatórios pretende esclarecer os impactos do crime."
Como diz a música de Jorge Ben Jor, nosso país é “abençoado por Deus e bonito por natureza”. Podemos nos orgulhar da abundância de recursos ambientais em nosso território, desde rios, animais, plantas e até minério, e é justamente a forma de exploração desses recursos que tem trazido tantos problemas para nosso povo. Mas quais são esses problemas? Como a exploração desses recursos afeta o povo brasileiro? E como as autoridades do nosso país agem diante desses problemas e injustiças?
Há pouco mais de quatro anos, a Barragem de Rejeitos de Fundão, localizada no Complexo Minerário de Germano, em Mariana-MG, se rompeu, colocando no meio ambiente cerca de 43,7 milhões de m³ de rejeitos de minério. Um mar de lama passou e levou tudo o que estava em sua frente, destruindo casas, plantações, vidas e sonhos. Considerando que temos aproximadamente 800 barragens de rejeito no Brasil, vem à tona uma pergunta: Será que barragens, como a de Fundão, são seguras? Já adianto que sim, mas somente no papel. Os relatórios da Samarco, empresa responsável pela barragem, mostravam que a barragem de Fundão era “segura”, como muitas outras que já se romperam na história do nosso país. Mas todo empreendimento de grande porte, como uma megaoperação de mineração, tem riscos, que devem ser levados em conta pela empresa para preservar a segurança de seus trabalhadores e das pessoas a sua volta.
Podemos pensar que a Samarco não queria que a barragem se rompesse, já que isso iria causar danos também a ela. Porém, os problemas por ela sofridos parecem pequenos perto dos atingidos, que perderam suas casas e parentes, ou mesmo dos trabalhadores que perderam seus empregos. Além disso, a empresa acredita na justiça para resolver a sua situação, deixando a cargo de caros advogados a condução do caso; por outro lado, os atingidos não têm os mesmos recursos para um embate no judiciário.
Grupos independentes mobilizaram coletivos e movimentos sociais para se organizarem e assim poder ajudar e conscientizar esses trabalhadores sobre seus direitos em possíveis batalhas na justiça contra essas grandes empresas e seus advogados. Logo após o rompimento, houve uma movimentação para a não demissão dos trabalhadores pela Samarco, que ganhou força e manteve o emprego desses trabalhadores até abril de 2016, o que foi muito positivo para a vida desses trabalhadores. No entanto, assim que acabou esse prazo, a empresa começou uma demissão em massa que atingiu por volta de 40% dos seus 3 mil funcionários diretos.
Também não podemos deixar de lado os impactos sociais causados pelo desastre. Eles vão desde os mais óbvios como as mortes, desaparecimentos, enfermidades e desabrigados, até alguns menos evidentes como a perda dos modos de vida. Muitas pessoas que dependiam dos cursos d’água, como é o caso dos pescadores, perderam seu ganha-pão; os que viviam do turismo também foram muito prejudicados (no caso das pousadas e hotéis). Além disso, a desestruturação econômica gerada pelo desastre acabou por reduzir os postos de trabalho, aumentando o desemprego de uma forma geral.
Houve também diversos impactos na saúde da população que morava na área atingida. Por exemplo, devido à contaminação do solo que, além dos riscos à saúde, também dificulta o crescimento de plantações, prejudicando assim a alimentação da população. Também a contaminação dos rios, lagos e mananciais prejudicou o abastecimento de água para a população, dificultando atividades cotidianas comuns, como tomar banho, lavar louça ou mesmo matar a sede. Na zona rural, a má qualidade da água prejudicou também a agricultura e a pecuária.
Nesse ponto, a responsabilidade da empresa no desastre é colocada em debate. A primeira pergunta que podemos fazer é: será que a barragem vinha sendo devidamente vistoriada? Sabemos que deve ser feito um monitoramento em todo tipo de grande construção como uma barragem, ponte, prédios, entre outros, mas a questão é que nem sempre os problemas nessas construções são apontados nessas vistorias (seja por negligência, imprudência ou imperícia). Mas se nós achamos que não existem problemas, não há nada que precisa ser consertado, certo? Aí que mora o perigo.
Isso ocorre, em muitos casos, devido a uma cultura de troca de favores entre as empresas, responsáveis por essas construções, e os políticos (seja em nível municipal, estadual ou até mesmo federal). Grandes empresas financiam as campanhas eleitorais com dinheiro privado e, se o “investimento” for correto, elas terão facilidades burocráticas, por exemplo, nas vistorias e fiscalizações. Isso ocorre na contramão dos países desenvolvidos, onde as vistorias são tão rígidas que o governo pode exigir o fechamento das empresas pelo tempo necessário até que se conserte o problema.
Houve também um relatório publicado pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social sobre o desastre que apresentou informações técnicas a respeito da barragem, mostrando que o rompimento foi resultado de uma série de problemas não resolvidos, ocasionados, em sua maioria, por uma necessidade de manter os lucros e a produtividade mesmo quando no mercado mundial o minério de ferro perdia seu valor.
Diante de um cenário tão crítico como é este causado pelo rompimento da barragem de Fundão, não podemos cair na armadilha (que é muito real em nosso contexto político) do esquecimento. Com o passar dos anos, a queda de braços entre a empresa e os atingidos vai ficando cada vez mais injusta. Após muito tempo de luta (inclusive na justiça), o assunto vai perdendo espaço na mídia, diminuindo o clamor popular pela sua solução, o que, somado aos competentes advogados das grandes empresas, resulta em uma conclusão demorada e, muitas vezes, injusta para com os mais atingidos.
No fim das contas, as consequências do desastre serão sim resolvidas na justiça. Se por um lado a força da lei coloca a responsabilidade para Samarco, que deveria arcar com os danos causados, por outro há a expertise dos advogados e a força política e econômica não apenas da empresa, mas de todo o setor da economia mineral. A estratégia das corporações era somar forças com o governo e usar essa assimetria de poderes para decidir quem entre os afetados será indenizado, quanto receberá e quando será pago, ignorando os movimentos sociais que acompanham de perto a situação dos atingidos desde o começo. Felizmente, esse acordo já foi revogado em junho de 2016, por não garantir que serão cumpridos de forma eficaz os pagamentos.
Por fim, a Samarco e seus proprietários foram indiciados por 68 crimes ambientais, o que afirma que a empresa teve total responsabilidade no desastre. O mais preocupante é que crimes como esses podem se repetir se a sensação de impunidade perdurar entre as grandes corporações. Afinal, a responsabilidade maior do governo é garantir o bem-estar das pessoas, não das empresas.
LACAZ, Francisco Antônio de Castro; PORTO, Marcelo Firpo de Sousa e PINHEIRO, Tarcísio Márcio Magalhães. Tragédias brasileiras contemporâneas: o caso do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão/Samarco. Rev. bras. saúde ocup. [online]. 2017, vol.42, e9. Epub July 26, 2017. ISSN 0303-7657. https://doi.org/10.1590/2317-6369000016016.