Os iniciantes comumente só pensam no visual, sem pensar nas decisões por trás das escolhas artísticas. Hourences defende que a arte é emoção e emoções não são fórmulas matemáticas. Eu não posso me aprofundar na questão racional vs emocional, mas toda empresa que faça um produto tem que transmitir uma mensagem e a audiência deve ser capaz de entendê-la. Jogos também são assim.

Sobre as emoções eu gostaria de deixar algo claro. Se a pessoa tem déficits na expressão das emoções e/ou em senti-las e/ou entendê-las e/ou reconhecê-las, temos um problema. Estes déficits produzem algum tipo de consequência no design de níveis ou de um jogo por extensão. Quando confrontamos uma mente racional com uma emocional, desentendimentos podem acontecer.


Composição. Diz respeito a como as coisas são sentidas e capturam ou não a sua atenção. Hourences não vai muito fundo na questão porque há muitos artigos e trabalhos sobre o tema no cinema, fotografia e artes em geral. Seria pedir demais para adicionar tudo num livro destes. Aqui eu gostaria de dizer que é engraçado como Hourences diz que a arte é sobre transmitir emoções e para explicar composição ele recorreu a gráficos, que são um ferramenta matemática. Eu também diria que há uma relação próxima com as funções cognitivas porque o equilíbrio entre razão e emoção é bastante subjetivo e cada um tem as suas próprias descrições sobre o que é equilibrado e o que não é. Mark Rosewater em suas lições sobre design para Magic diz que as pessoas frequentemente esperam simetria e isto pode ou não ter relação com algum tipo de transtorno mental. Certamente há algumas regras, mas sempre temos espaço para a criatividade.

Aqui um exemplo dos gráficos que Hourences usou no seu livro. Eu acho que ele se esqueceu de dar nomes aos eixos. O vertical é o contraste e o horizontal é o espaço ou tempo. Eu sei os gráficos mais comuns que devem ser aprendidos na escola: log, exp, seno, etc. Mas eu não vejo utilidade na teoria matemática neste caso específico. O ponto é: contraste demais ou de menos devem ser evitados.

Uma das consequências do excesso de contraste é que ele pode confundir o jogador. A entrada para uma área esta para um lado enquanto o contraste direciona o jogador para o outro lado. Isto aconteceu em Shadow Warrior 2013 por exemplo.

Sobre objetos naturais como rochas e plantas ele diz que um deve ajudar o outro. Ajudar como? Ele não dá uma resposta então eu darei uma por mim. Eu buscaria o senso comum e fotos de paisagens naturais. No Discovery Channel há muitos programas sobre lugares inexplorados e buscas por civilizações perdidas. Uma coisa que eles procuram é qualquer coisa que não pareça natural, qualquer coisa que pareça feito pelo homem. Por exemplo: rochas numa disposição circular seria praticamente impossível de acontecer do nada, a menos que uma pessoa tenha feito aquilo. Eu acho que este é o tipo de composição que Hourences fala no seu livro.

Sobre objetos móveis ele fala que o movimento pode direcionar o jogador para o lado correto. Em outras palavras, temos um contraste entre movimento vs estático. Eu menciono neste site que o contraste tem um sentido bastante amplo e há muitas formas de contraste.


Linhas verticais e horizontais. Isto é intuitivo para a maioria das pessoas. As linhas guiam os olhos do jogador. Se você tem uma parede com linhas horizontais e uma parede com linhas verticais, ambas podem ser do mesmo tamanho, mas a segunda irá parecer mais alta do que a primeira. A primeira irá parecer mais larga em comparação. Agora estendendo para a psicologia e temos que prédios mais altos e estruturas pontiagudas transmitem um senso de grandiosidade e talvez opressão. Linhas horizontais transmitiriam um senso de igualdade e talvez compaixão. Eu realmente não posso comentar muito mais além de algumas poucas observações simples.


Iluminação. Basicamente a mesma discussão sobre contraste e eu tenho exemplos no site. O conceito mais básico são as cores que as crianças aprendem na escola e o contraste entre quente e frio. Praticamente qualquer jogo tem isto.


Geometria e arquitetura. Mais ou menos a mesma discussão feita com texturas e iluminação. Uma recomendação de Hourences, que eu concordo, é estudar arquitetura já existente por meio de cópia ou imitação. Quando você copiar você deve ser capaz de entender pelo menos algum conceito aplicado naquela estrutura e compreender porque ela foi construída daquele jeito. Não é muito diferente do processo de aprendizado de uma criança quando esta copia ou imita algo.

A mesma discussão sobre contraste com luzes e texturas pode ser aplicada à geometria em si. Grandes superfícies planas devem ser evitadas se possível. Aqui eu gostaria de comentar que frequentemente temos uma limitação de hardware. Adicionar mais geometria significa mais triângulos e não podemos ir além dos limites do hardware. Geometria excessivamente detalhada também pode acarretar em problemas de colisão e excesso de contraste. Eu acredito que engenheiros e arquitetos enfrentam questões similares porque às vezes o que se quer construir não é viável por culpa de algumas limitações (interferência política, dinheiro, tempo, localização geográfica, recursos, etc).


Unidade e conectividade. Hourences diz por experiência própria que a falta de comunicação entre a jogabilidade, arte conceitual, artistas, designers e todos os envolvidos no projeto é um grande problema. Cada parte deve ser feita em prol do todo, sem conflitos entre cada uma. O mesmo pode ser dito sobre a arquitetura. Evite tomar decisões onde cada parte é disjunta das demais. Por exemplo: um prédio que é cúbico com janelas redondas; palmeiras no meio do deserto; um portal chinês na frente de um prédio moderno; etc.

Mark Rosewater discute este mesmo problema em Magic. As mecânicas de uma carta devem corresponde ao tema e propósito da carta e a mesma deve ser parte de um mundo maior. Eu poderia ir além e dizer que redações e dissertações, artigos científicos, sofrem do mesmo problema. O que você escreve deve fazer sentido. Os parágrafos devem ser coesos e todo o texto deve ser coerente. Se você começa uma dissertação com a defesa do argumento A, mas conclui com "não tenho certeza" ou "A é falso". A sua dissertação peca na coerência e provavelmente na coesão também. Indo agora para a arquitetura e temos problemas como poluição visual, assimetria indesejada, pilares que não parecem fortes o bastante para sustentar o peso da estrutura, paredes de tijolos finas demais e por aí vai. Tudo isto poderia ser chamado de uma espécie de "Vale da estranheza" da arquitetura.

Indo ainda mais além e eu poderia argumentar que se um jogo sofre de falta de coesão entre os seus elementos, poderíamos dizer que as pessoas por trás dele falharam na coesão entre si. Agora esta é uma tarefa muito difícil, administrar as pessoas porque administrar pessoas é difícil. Para muitas pessoas já é difícil administrar a si próprio.

O último que Hourences discute são os detalhes temáticos. Grandes exemplos são Max Payne e Bioshock. Em ambos os jogos o cenário foi construído com muito cuidado e os pequenos detalhes fazem toda a diferença. Os jogos da série Star Wars também se preocupam com os pequenos detalhes. Um bom exemplo de como achar inconsistências é procurando por erros nos filmes. Muitos filmes contém erros relacionados, por exemplo, a roupas do século 19 num filme que se passa no século 18. Às vezes é algo muito pequeno como um quadro de um pintor do século 17 decorando um quarto, mas o filme se passa 100 anos antes do nascimento daquele pintor. Alguém vai notar cedo ou tarde. Mark Rosewater diz o mesmo sobre magic. Quando os fans estão imersos no jogo, até num ponto obsessivo se for o caso, eles(as) irão notar estes pequenos detalhes.