Fundamentos. Para um jogador a conexão entre o ambiente e a história é mais forte. Há mais oportunidades para colocar eventos, mecânicas e outros recursos de jogabilidade que fazem o jogador ser imerso num outro mundo. Quanto melhor for o nível, melhor é o fator de imersão.


Colocação de I.A. e comportamento. O primeiro comentário de Hourences é que os inimigos não devem ser estátuas. Eles devem realizar alguma tarefa dentro do jogo. Eles precisam ter diálogos, andar, patrulhar, fazer alguma coisa que não seja apenas ficar parado. Eu adiciono aqui o meu comentário de que isto depende muito dos programadores. Doom e duke 3D por exemplo, todos os inimigos ficavam parados esperando o jogador. Não havia I.A. programada para fazer nada além de atacar o jogador. Eu por exemplo, sem saber como criar scripts ou programas, posso saber o que quero que a I.A. faça, mas não sei como criar isto. O exemplo mais básico que consigo pensar em relação ao que Hourences diz sobre os inimigos fazerem parte do mundo do jogo é Super Mario ou Sonic. Todos os inimigos se movimentam de alguma forma. Eles nunca são estátuas esperando pelo jogador, a menos que seja uma armadilha. Nota: Eu não estou dizendo que você precisa ser um programador para fazer os inimigos terem "trabalhos" no jogo ou no nível. Os jogos tem muitas formas de fazê-lo sem recorrer a código puro, como por exemplo os atores em Unreal que permitem definir algumas ações prévias sem precisar escrever código puro.

O próximo passo é a colocação dos inimigos. É uma má ideia repetir o mesmo padrão sempre. Por exemplo: se toda vez que o jogador abrir uma porta houver um inimigo, isto se torna previsível e quebra a imersão. Se o jogo for de terror, repetir os mesmos monstros de novo e novo compromete a intenção de assustar o jogador. O outro extremo é nunca repetir padrões. Aleatoriedade também quebra a imersão porque o nosso mundo não é totalmente aleatório. Há ainda o risco de nunca criar uma identidade por causa do excesso de aleatoriedade e a falta de padrões identificáveis. Hourences discute que um jogador deve se sentir empoderado por meio de padrões que ele(a) é capaz de identificar e pensar numa estratégia. Eu adicionaria uma lição de Mark Rosewater. O jogador quer ter controle e poder e isto cria uma conexão mais profunda entre o jogador e o jogo ou o nível.

A repetição também pode acontecer na forma de inimigos que são todos iguais. Um bom exemplo é F.E.A.R. e Alan Wake. Os mesmos inimigos repetem por todo o jogo, o que é chato. Quanta as causas disto só posso especular: tempo ou limitação de financiamento sendo os primeiros suspeitos. Bons exemplos de inimigos que foram concebidos para se encaixar no ambiente são Sonic e Bioshock. Os inimigos transmitem a ideia de viverem naquele ambiente. Infelizmente eu não tenho conhecimento ou prática em artes para comentar a respeito de questões de estilo. Só posso dizer que no universo de contar histórias temos muita liberdade e, algumas vezes, podemos misturar estilos completamente diferentes se houver uma boa razão para tal. O problema oposto, variação excessiva entre os inimigos, também é ruim. O equilíbrio entre repetição e unicidade em termos de tipos de inimigos não é uma tarefa simples.

A respeito de quão difícil ou fácil os inimigos devem ser, eu não posso comentar muita coisa. O que Hourences discute é que inimigos e chefes precisam ser razoáveis e viáveis. Devem haver maneiras claras de vencer e o jogo deve deixar claro como vencer, dando pistas suficientes e ferramentas para conseguir a vitória. O ponto principal que ele sustenta é que quando as coisas são difíceis demais isto leva à frustração do jogador. Por sua vez, a jogadores que abandonam o jogo. Como designer, desenvolvedor ou homem de negócios não é algo que você realmente quer que aconteça. Um exemplo que me vem à cabeça são os muitos jogos que adotam barras de vida nos inimigos. Remova a barra, como muitos jogos fazem, e o jogador não sabe mais se eles estão vencendo ou apenas perdendo tempo e energia. Se as barras de vida não forem uma opção, então recorra a animações, mudanças nas roupas, mudanças no ambiente ou até mesmo diálogos para que o jogador saiba que esta progredindo.


Eventos pré-programados e variação de jogabilidade. Em poucas palavras são eventos que acontecem no jogo e ajudam a trazer variabilidade à jogabilidade. Do ponto de vista de quem faz o jogo os eventos são esperados. Se não acontecerem tem algum bug para consertar. Do ponto de vista dos jogadores é um evento que quebra a repetição de realizar as mesmas ações de novo e de novo. Este é um ponto chave que Hourences enfatiza aqui, variabilidade e quebra de repetição. O exemplo clássico são as sequências cinematográficas, quando o jogador apenas assiste a uma série de eventos pré programados que sempre ocorrem na mesma velocidade e ordem. Aqui vai uma lista de exemplo:

  • Doom não tinha uma linguagem de scripts para permitir controle sobre o que acontece e quando, mas tinha eventos como uma luta contra um chefe e vencer o chefe abria uma porta ou baixava uma parede. Ou pegar um item, o que disparava inimigos que se teleportavam de outro lugar para atacar o jogador;

  • Em F.E.A.R. há aparições súbitas de Alma, tropas pulando de um helicóptero, explosões que forçam o jogador a mudar de caminho, alucinações que fazem o jogador ver eventos do passado, etc;

  • Em Bioshock Infinite há muitas e muitas intervenções de Elizabeth, tanto na jogabilidade quanto na história propriamente dita;

  • Doom 2016 tem as mortes glorificadas e elas também podem ser contadas como um evento pré-programado, porque elas adicionam um outra camada de interação e um pouco de variação para um tipo de jogo que já é saturado.

Aqui Hourences fala sobre o fator de imersão novamente. Há uma enorme diferença entre dizer para o jogador que algo aconteceu e fazer o jogador ver o evento acontecendo. Melhor ainda se o jogador puder fazer parte do evento em si. O ponto chave aqui é que ao fazer o mundo ganhar "vida", criamos no jogador a sensação de que o mundo é maior do que realmente é. Nem tudo precisa ser centrado no jogador, é importante frisar isto. Um exemplo ruim é PRey 2006. Eles colocaram monitores que mostravam um notciário contando sobre os eventos na Terra, enquanto o jogador estava dentro da espaçonave alienígena. Um exemplo melhor é MAx Payne e suas histórias em quadrinhos. O jogador ao menos ouve, lê e vê os eventos. Qualquer coisa que aconteça dentro do espaço do jogo, sem um tela de carregamento e que o jogador pode ver por si mesmo ajuda a imergir o jogador num mundo dinâmico. Um passo ainda mais adiante é Uncharted. Neste jogo há algumas sequências de perseguição que são uma espécie de sequência cinematográfica interativa em que o jogador não apenas assiste, mas controla o personagem do jogo.

Uma outra função dos eventos pré-programados é demonstrar coisas ou mostrar prévias da próxima parte. Ou ainda prenunciar algo. Por exemplo: um personagem demonstra como uma arma funciona e é ainda melhor se o jogador puder testá-la ele(a) mesmo(a). Em Max Payne há uma cena em que a câmera corta para a próxima área, mostrando minas a laser que estão ali. Muitos e muitos jogos fazem isto. Uma das técnicas mais usadas é fazer a câmera focar por um segundo num ponto fraco de um chefe ou numa parte interativa de um nível que o jogador precisa ativar para continuar. Outro exemplo é quando a câmera foca numa janela e não há nada ali, mas quando o jogador chegar num determinado ponto um inimigo entra por aquela janela.

Eu devo comentar que esta area de pré-programação de eventos e design de níveis é uma intersecção de design, artes e programação. Certamente não é fácil conseguir ser habilidoso em todas as três disciplinas ao mesmo tempo.


Planta baixa. Para um jogador há mais liberdade por causa da história, eventos pré-programados e a atmosfera é mais intensa e com mais espaço para desenvolvimento. Hourences enfatiza algumas técnicas básicas:


  • Pré-visualização. O jogador pode pré-visualizar algo de uma certa distância antes de interagir com aquilo ou chegar até lá. Muitos e muitos jogos fazem isto. Eu tenho vários exemplos comentados neste site.

  • Evolução. A ideia dele é que a mesma área pode ser reutilizada. Quando um jogador revisita uma área anterior eles tem algo novo para ver ou vivenciar. Um péssimo exemplo disto é Duke Nukem Forever. Há um nível que o jogador atravessa de carro depois de ser encolhido. Depois que o jogador volta ao tamanho normal ele tem que voltar pelo mesmo caminho mas não tem nada de novo, exceto mais inimigos. Max Payne reaproveita a entrada do Hotel. Primeiro Max sai do hotel. Numa outra fase Max volta e algumas áreas novas são exploradas e novos inimigos aparecem. Do ponto de vista de um desenvolvedor ou designer eu entendo de onde vem o termo "evolução". É uma evolução do ambiente ao longo do tempo. Porém, do ponto de vista do jogador eu chamaria isto de "reativo", "vivo" ou "mudança".

  • Reciclar. Isto é uma forma simplificada do anterior. Jedi Outcast se aproveitou disto na primeira fase do jogo. Há uma área que é tanto um ponto de referência quanto uma área reutilizada porque o jogador volta lá várias vezes, sempre depois de terminar uma das áreas ao redor daquele ponto. O jogador pega um código ou uma chave e volta para uma área anterior. Esta estratégia economiza tempo e recursos, ao mesmo tempo em que adiciona um pouco de profundidade por não descartar áreas depois que um certo objetivo ou missão é completada. Eu não tenho muito conhecimento sobre isto, exceto que depende muito de como você desenvolve a sua história. Além de outros fatores como os recursos disponíveis.

Pontos de referência. Eu já expliquei no site. As explicações dadas por Hourences são praticamente as mesmas.


Interatividade. É sobre criar um mundo vivo. A diferença entre Doom e Duke 3D é que o segundo adicionou interatividade. Há stripers, máquinas de venda, hidrantes, vidro quebrável. Pequenos detalhes que fazem o mundo do Duke 3D ser muito mais vivo do que no Doom. Max Payne fez o mesmo com os seus avanços tecnológicos que permitiam sons diferentes para os passos do jogador dependendo da superfície e diferentes marcas de tiro de acordo com a superfície. Unreal também tinha Nalis nativos que interagiam com o jogador e revelavam segredos. Bioshock tinha poças de água que o jogador podia congelar ou eletrificar para atacar os inimigos. Eu diria que tudo isto depende mais dos designers do que dos programadores, porque limitações de hardware são mais um desculpa do que uma limitação que não pode ser contornada.


Armadilhas. A diferença entre um jogador e multijogador é que o primeiro caso as armadilhas são feitas para atrasar o jogador ou fornecer um desafio opcional se for o caso. O que Hourences aconselha é que as armadilhas não podem ser colocadas de forma que matem o jogador sem aviso prévio. O jogador deve ser capaz de escapar ou evitá-las. Armadilhas inescapáveis ou inevitáveis são ruins.


Itens. Temos o mesmo conceito de multijogador: risco vs recompensa. Eu pegaria o que Hourences diz e esticaria um pouco mais. O que deve ser evitado a todo custo é fazer o jogo passar a sensação de ser um esquema de pirâmide ou criar uma tensão desnecessária punindo o jogador logo após ele pegar um item de baixo valor. O jogador se sente torturado ou condicionado a se sentir mal. Agora não posso ir além disto porque não sei as motivações por trás de um desenvolvedor ou designer por trás de algumas decisões.

No modo um jogador os itens são bons indicadores do caminho a ser seguido.


Dificuldade. Eu não tenho muito a dizer. Por experiência pessoal eu comentaria sobre Bunny Track. É tipo de jogo para Unreal Tournament onde todos os mapas são pistas de corrida com muitos obstáculos a serem superados. Eu diria que a maioria dos mapas é incrivelmente difícil e são mais frustrantes do que qualquer coisa, especialmente por causa da alta latência. Bioshock por exemplo é muito difícil porque não há dinheiro suficiente para comprar armas e munições, ou as melhorias dos poderes. Pelo menos no começo do jogo é difícil, mais tarde fica mais fácil. Bioshock infinite por sua vez é muito mais fácil do que os anteriores da série. Este ponto, a dificuldade, tem muitos desafios para serem superados. A dificuldade depende da I.A., do nível fornecer escolhas estratégicas, do posicionamento dos itens, da jogabilidade principal. Cada parte contribui para fazer o jogo ser mais fácil ou difícil.

O ponto chave que Hourences defende é que, em última instância, o jogo deve ser divertido e não frustrante. Você quer agradar o jogador, não enfurecê-lo. Isto vai na mesma direção que Mark Rosewater tem a dizer sobre Magic the Gathering.


Ritmo. Eu não tenho experiência com isto, sendo sincero. É sobre progressão, clima e anti-climax. A dificuldade deve seguir um crescente, começando mais fácil e terminando mais difícil. Isto depende em grande parte da história em si, ou em como a história progride e é desenvolvida com o tempo. Eu diria que há dois extremos aqui: um é ser impaciente e correr com as coisas, não dando tempo para o jogador vivenciar os acontecimentos e o ambiente; o outro é semelhante à procrastinação em termos psicológicos. Você atrasa, atrasa e atrasa. Neste caso o jogador é quem fica impaciente. Eu suspeitaria que escritores e roteiristas profissionais tem uma melhor compreensão desta questão. Afinal é o trabalho deles manter a audiência interessada por períodos curtos ou longos. Porém, temos que ter em mente que escrever para a TV ou o cinema é diferente de escrever para jogos porque, fundamentalmente, estamos comparando uma mídia passiva com outra ativa.


A conclusão de Hourences é basicamente que cada um dos tópicos anteriores precisa ser cuidadosamente interligado para produzir os melhores resultados. Eu concordo. Dividir o trabalho entre diversos departamentos e pessoas não é ruim por si só, mas fica incrivelmente difícil de administrar todas as partes e manter tudo coeso conforme os times se tornam grandes.