Tenha mais medo de entediar os seus jogadores do que de desafiá-los

A carta mais popular do set de comédia "Unglued" foi esta:

Esta carta são duas separadas mas que para jogar você precisa ter as duas metades. Tempos depois Mark teve a ideia de fazer o contrário numa carta. Reduzir uma carta pela metade, fazendo duas cartas dentro de uma. Por motivos óbvios de complicação das regras a ideia era restrita a cartas de um mesmo tipo. Assim apenas mágicas instantâneas ou feitiços, pois seria impossível misturar tipos diferentes ou criar permanentes assim. Durante um tempo Mark travou uma batalha com outras pessoas dentro da empresa. Haviam aqueles que não queriam duas cartas dentro de uma e aqueles que achavam a ideia interessante. O argumento contra fazer as cartas era de que era bizarro, uma carta é uma carta, não duas ao mesmo tempo. No fim Mark conseguiu convencer a fazer as cartas e elas foram muito bem aceitas pelos jogadores. Regras foram criadas para os jogadores entenderem como funcionava uma carta dupla.

Por experiência própria Mark diz que muitas vezes ele quer fazer uma coisa, mas muita gente é contrária. Contrária por terem experiência e sentirem que aquilo não vai dar certo. Ele admite que já fez mecânicas ruins, mas que as outras pessoas não tiveram a mesma paixão que ele para impedi-lo de fazer tais mecânicas. O argumento que ele usa é que quando você faz algo grandioso e que falha, você é perdoado porque o jogador reconhece o esforço. Ao contrário, se você não traz nada de novo para o seu público e os chateia, o público não perdoa. A maior ameaça não deveria ser de desafiar os jogadores, mas sim de não assumir riscos em desafiá-los.

A opinião é bem pessoal, nem todos concordam com ele. Eu não concordo totalmente com essa filosofia dele. Mark é bastante egocêntrico. Esta certo que se você nunca fizer uma carta não vai saber o impacto dela na prática. A empresa tem lá, digamos mil funcionários, mas o público no mundo deve ser de milhões de jogadores. Uma base mil vezes maior. Uma ideia grandiosa pode, dependendo do caso, falir uma empresa. Magic mesmo já quase acabou com mecânicas e cartas que geraram um impacto tão negativo que muitos jogadores pararam de jogar e nesse sentido não dá para dizer que são jogadores que desculparam a empresa pelas cartas ousadas feitas.

Em level design isso se reflete no sentido de que o jogo deve apresentar desafios variados, sob o risco de entediar o jogador pela falta de um desafio novo. Jedi Knight 2 consegue isso através de uma progressão na história. O jogador ganha poderes gradualmente e os desafios se tornam mais complicados com o progresso no jogo. Há inclusive no final do jogo um level dedicado a controlar um AT-ST. Bioshock 2 segue o mesmo ambiente do bioshock 1, mas fora algumas modificações nas mecânicas, o jogo é o mesmo. A empresa forçadamente lançou um novo jogo que simplesmente recicla o conteúdo do jogo anterior e como o tempo de desenvolvimento foi curto, não havia muito tempo para desenvolver algo inteiramente novo.

A própria direção artística do jogo pode ser entediante. Jogos como Mario, Sonic, Tomb Raider, apresentam sempre uma grande variedade de cenários. Bioshock 1, apesar de ter uma cidade como ambiente do jogo, consegue variedade através da segmentação. Os levels se passam em áreas diferentes da mesma cidade. Assim é possível representar locais distintos mas manter a coesão do jogo como um todo. Em Halo CE alguns levels no final do jogo repetem cenários já visitados pelo jogador. Isso foi corrigido nos jogos seguintes. Um jogador, quando volta num cenário já visto, quer encontrar algo novo. Como doom, de 1993, lida com isso? Colocando inimigos que antes não estavam ali e abrindo passagens ou segredos que não estavam acessíveis num lugar que o jogador já passou.

Em Magic isso acontece quando um mesmo mundo é revisitado anos depois. Os jogadores querem reconhecer as mecânicas, cartas, arte, já vistas antes. Mas eles também querem algo novo. É um equilíbrio difícil de atingir que não é tão simples quanto 50/50, metade novo e metade antigo. Jogos que são séries como Assassin's Creed, GTA, Halo, etc tem esse dilema entre o novo e o antigo sempre. Os jogadores não querem jogar o mesmo jogo o tempo todo, mas ao mesmo tempo não querem que o jogo perca a sua identidade.

Para concluir, Mark ensina que "Não faça design para provar que você pode". Poderíamos combiná-la com a lição desta página assim: "Se eu faço design para provar algo, estou desafiando os jogadores ao mesmo tempo?". Poderia ser este o caso, sim. Quantas empresas tentaram e fracassaram? Eu tenho certeza que todos conhecem ao menos um exemplo de um jogo que quebrou uma tradição e o resultado não foi bom. Para citar um, veja a reação negativa dos jogadores de Diablo 2 quando o Diablo 3 saiu. Apesar de que neste caso eu não saberia dizer se as mudanças na jogabilidade foram motivadas porque eles queriam provar algo. Eu não sei como foi o desenvolvimento do jogo. Unreal Tournament 2004 trouxe muitas mudanças para o jogo, uma das quais foram as pílulas de adrenalina que modificaram fundamentalmente a forma como o jogo é jogado. Unreal Tournament 2004 não conseguiu o mesmo sucesso do jogo anterior, mas aí existem outros fatores para serem considerados.

Eu teria cuidado com a lição de Mark porque eu vejo dois medos diferentes. Um é o medo de nunca inovar e atiçar o seu público alvo. O outro medo, que Mark não mencionou, é o medo de quebrar alguma funcionalidade fundamental do jogo e isso causar consequências não previstas. Como eu mencionei anteriormente, nem todo mundo perdoa e apesar de eu concordar com Mark no que diz respeito à necessidade dos designers de serem ousados. Também devemos ser cautelosos no que vamos fazer. Eu concordo parcialmente com Mark no raciocínio de que não tomar riscos é um risco maior do que assumir alguns. Eu não tenho experiência profissional, mas eu imaginaria que muitos perguntariam "Este risco realmente é necessário? Vale o risco?".