Desafios e obstáculos

  • Dificuldade: todo jogo precisa ter um grau de dificuldade, é o conceito mais básico de todos. Mas há um limite entre ter obstáculos que desafiem o jogador e a falta de bom senso. Obstáculos devem variar entre fácil e difícil e idealmente são colocados numa ordem crescente de dificuldade. Uma disposição aleatória ou fora de ordem confunde o jogador e quebra totalmente a progressão do jogo. Fica anti climático ter desafios muito fáceis colocados depois de outros muito difíceis. Desafios que dependam exclusivamente da sorte por serem aleatórios não devem ser usados. Um jogador quer ser recompensado pelo esforço, não punido com tentativas que nunca se sabe se darão resultado positivo.

Os desafios não precisam / devem ser todos de um mesmo tipo. Há espaço para ser criativo e uma mesma habilidade servir em diferentes contextos ou um mesmo tipo de desafio ser resolvido com mais de uma habilidade.


  • Armadilhas: uma boa armadilha torna o jogo mais inteligente, mais interativo e/ou mais difícil. Se torna o jogo excessivamente difícil ou apenas serve para atrapalhar o jogador, perdeu o propósito. Qualquer jogador acaba identificando um padrão quando uma armadilha é repetida algumas vezes. Se a colocação das armadilhas no jogo é aleatória ou não respeita uma escolha padrão do level design, acaba confundindo e frustrando o jogador por se tornar um empecilho. A pior coisa que o jogo pode fazer é colocar armadilhas que intencionalmente prejudicam o jogador. Armadilhas que intencionalmente induzem ao erro. Isso apenas irrita o jogador.


  • Obstáculos intuitivos: alguns obstáculos não precisam de explicação porque são auto explicativos. Isso é o caso do fogo por exemplo. Se um cano de gás esta soltando gás e pegando fogo bloqueando a passagem, é de conhecimento universal que o fogo queima. Se o jogador precisa passar por ali é natural que o jogador procure uma forma de desligar o gás. Se o jogador é empurrado pelo vento e um certo túnel de vento pode ser usado para "pular" uma certa distância, isso também é intuitivo pois o vento é algo universal.

Os problemas começam com obstáculos que não são intuitivos. Se por exemplo é preciso derrubar uma porta com algum objeto ou arma específica, o obstáculo é intuitivo desde que o jogo tenha mostrado isso em algum momento primeiro. Caso contrário o jogador simplesmente não vai adivinhar que é para derrubar a porta (se o jogo não avisar) e mesmo que consiga, ainda precisa saber como fazê-lo. Um exemplo bem simples é uma senha. Se é preciso de uma senha para passar, nenhum jogador vai tentar todas as combinações possíveis uma por uma. Alguma pista o jogo deve ter sobre a senha. Por outro lado, deixar a senha visível logo na frente ou ao lado do obstáculo perde o sentido. Um exemplo mais extremo é uma questão de múltipla escolha. Se só for permitida uma tentativa o jogador deve escolher a resposta baseado em informações dadas na pergunta ou no contexto do jogo. Se nem mesmo a pergunta é feita, como o jogador vai saber o que responder? Pior ainda quando não há nem pergunta feita e nem respostas esperadas. É como um médico ser obrigado a adivinhar uma doença sem saber os sintomas.


  • Obstáculos contra-intuitivos: uma das piores coisas que um jogo pode fazer é ser contra intuitivo. Existem linguagens universais como a luz não atravessar paredes, a menos que sejam paredes transparentes. O gelo representar o frio. Ou a gravidade puxar tudo para baixo. Um jogo pode ter boas desculpas para fazer algo diferente. Mas precisam haver justificativas bem dadas. Um jogo pedir que se acenda a luz destruindo um gerador de energia por exemplo é completamente contra intuitivo. Uma outra situação para isso acontecer é um objeto de uso comum ser necessário numa situação que não condiz com a sua finalidade. Isso é viável desde que seja feito um uso criativo no jogo, não algo completamente sem sentido. É preciso bom senso aqui.

Em boa medida isso tem relação com física mal interpretada. Por exemplo a gravidade. Dois objetos, um de 10 kg e outro de 100 g caem exatamente com a mesma aceleração e velocidades. O que faz um cair mais rápido do que o outro não é o peso, é a aerodinâmica. Um problema nesse sentido que os jogos tem é relacionado à complexidade computacional de calcular a física em tempo real. Muitas vezes uma caixa de papelão e outra de madeira parecem ter a mesma massa e resistência no jogo. Isso acontece porque foi usada um valor de massa fixo e apesar da textura ser diferente, o jogo trata as duas caixas da mesma forma. Independentemente disso, quebrar uma janela de vidro com uma bola de papel branco amassado fica incoerente por si só.


  • Contextualização: os obstáculos e desafios criados precisam fazer parte do level design. O tema do obstáculo precisa estar de acordo com o ambiente para não ficar estranho. Nos filmes do Indiana Jones as armadilhas são feitas de cordas, pedras, flechas. Não há nada elétrico ou eletrônico já que os lugares em que Indiana vai não tem eletricidade. Há também uma questão de intuição que diz respeito à física mais elementar. Assim a luz não atravessa paredes opacas. O vidro é frágil e não sustenta o peso de um prédio. O gelo é escorregadio. O papel pega fogo. E por aí vai.

Se por exemplo um rio impede a passagem do jogador e o rio não estava lá. Então houve um evento na história para criar o rio. Alguma barragem se rompeu ou um vilão explodiu um canal por ex. Uma porta bloqueada por destroços, alguma explosão aconteceu para ter os destroços lá. Fica muito descontextualizado uma base militar que um obstáculo é uma porta com curto circuito se todo o ambiente esta limpo, sem destruição e com aparência de novo.


  • Teste de qualidade: o desenvolvedor tem a obrigação de se colocar na posição do jogador. Mas o jogador não tem a obrigação de adivinhar o que o desenvolvedor queria. Ao mesmo tempo que o desenvolvedor não deve duvidar da inteligência do jogador, também não deve insultá-lo com desafios sem solução ou deixar o jogador sem direção nenhuma.

Um desafio deixa de ser um desafio quando há uma solução trivial não prevista ou quando é possível pular completamente o desafio. O desafio também precisa funcionar como planejado. Se há dependência de uma sequência de eventos, de tempo cronometrado ou de condições muito específicas, é preciso ter margens de segurança e de erro. Se existirem condições em que o desafio se torna impossível elas devem ser previstas, caso contrário o jogo não termina.