Não confunda "interessante" com "divertido"

Num jogo de cartas, qualquer um, um conceito é a vantagem de cartas. Em Magic isso quer dizer que você tem mais mágicas disponíveis e mais opções do que o oponente. São muitas as formas de conseguir isso. A mais básica delas é comprando mais mágicas e mais rápido do que o oponente. A ideia é que você esta em vantagem, com mais recursos e do que o oponente e portanto, mais próximo de ganhar. O jogo é por turnos e a cada turno os jogadores passam pelas mesmas etapas de compra, ataque, jogar uma mágica, ocupar o território com cartas na mesa e se um jogador consegue fazer mais em cada etapa ou tem como ganhar mais uma etapa, estará em vantagem.

No set Odisséia Mark teve a ideia de deturpar este conceito de vantagem e forçar o jogador a descartar cartas para ganhar vantagem. Algo que por si só é contra-intuitivo. Afinal, o jogador precisa ter opções de jogadas e jogar fora as opções não parece ser vantajoso. No set foi criada a mecânica "limiar", que ativava tendo pelo menos 7 cartas no cemitério do jogador. Por ex: uma criatura ganhava "iniciativa" descartando uma carta e como não há limite para o descarte e para a ativação da habilidade o jogador poderia descartar quantas cartas quisesse. Haviam criaturas que ficavam mais poderosas a partir de 7 cartas no cemitério. Um jogador mais experiente poderia ver vantagem nessa sinergia e propositadamente ativar a habilidade "iniciativa" da criatura várias vezes, descartando muitas cartas de uma vez e rapidamente atingindo as 7 cartas no cemitério. O problema dessa sinergia é por que um jogador iria ativar repetidas vezes uma habilidade que não ganha nada ao ser ativada repetidas vezes?

A lição aqui é que uma ideia no jogo pode ser interessante e lidar com o lado racional do jogador. Ou pode ser algo mais divertido e lidar com o lado das emoções. No jogo isso se reflete quando o jogador usa o lado racional para montar estratégias. Enquanto o jogo em si trabalha com as emoções porque o jogador sentirá alegria, tristeza, nervosismo, medo, etc durante o jogo. Mark cita que cientistas que estudam como uma pessoa toma uma decisão, encontram dados que mostram que uma pessoa é mais fortemente influenciada por emoções do que por conhecimento na hora de tomar uma decisão. Uma carta pode pender mais para o racional ou o emocional e os dois lados são válidos. Mas para o jogo, cartas que gerem respostas emocionais prazerosas são mais impactantes porque o jogador quer jogar com aquilo que seja divertido, não aquilo que seja complicado e puramente racional.

Como isso afeta o level design? Um jogo, de maneira geral, precisa ser divertido acima de qualquer coisa. Afinal é o objetivo principal de qualquer jogo, a diversão. Aí entra a questão do desafio e da dificuldade. Se um jogo for excessivamente difícil, o fator diversão é perdido. Um exemplo simples: o Rubik's Cube é um brinquedo com uma grade de quadrados 3 x 3 em cada face. Existem versões grandes com uma grade muito maior, o que aumenta muito a dificuldade. Mas adivinha qual o cubo mais vendido? O menor, o clássico.

A 12° lição de Mark diz respeito ao cuidado com não fazer cartas para provar que você pode. Podemos questionar: Estava Mark, quando este fez a mecânica "limiar", tentando provar que ele podia fazer algo interessante? Eu diria que sim. Ele inclusive é um pouco rebelde quando quer achar novas formas de jogar magic. Agora e quanto a mim, eu já fiz o que Mark fez? Sim. Já fiz levels em que pensei que algo era interessante, mas ignorando se aquilo era interessante apenas para mim ou para os jogadores também. Um exemplo aplicado: suponhamos que eu crie um mapa de Capturar a Bandeira para um jogo e pergunte a mim mesmo "Não seria interessante se o mapa tivesse baixa gravidade e/ou dez caminhos para entrar e sair de cada base de cada time?". Eu faço e digo "Vejamos como a jogabilidade do mapa fica". Uma primeira impressão pode ser de algo interessante, mas eu não represento todos os jogadores. Os jogadores se divertirão com o mapa? Mesmo que alguns jogadores achem a minha ideia tão interessante quanto eu achei, se não forem a maioria, o meu mapa será um fracasso.

Agora pensando na direção oposta. Pode algo ser divertido e ao mesmo tempo estúpido? Eu diria que isto é parte da natureza humana. As pessoas fazem coisas estúpidas e se divertem com elas. Para dar um exemplo eu citaria alguns esportes que são arriscados como Bungee Jump. Se você olhar por uma perspectiva puramente racional a pergunta que você faria seria "Por quê as pessoas pulam? Eles podem morrer." Sim, elas podem morrer, mas é o mesmo raciocínio lógico que previne as mortes ao seguir todas normas de segurança que existem no esporte. As pessoas o fazem em busca de emoções fortes. A natureza do magic é fundamentada nas emoções e os jogadores fazem coisas estúpidas e se divertem ao fazê-las. Com que frequência os jogadores de videojogos fazem coisas estúpidas, sejam por vontade própria ou não, e riem? O tempo todo.

Créditos imagem: Chaos Productions inc

Nos jogos do Sonic algumas fases são embaixo d'água. Muitos jogadores detestam essas fases. O motivo é que o jogo se torna lento e o jogador é obrigado a procurar por bolhas de ar para não morrer afogado. O jogo inteiro tem uma temática de pulos altos e muita velocidade. As partes subaquáticas quebram totalmente esse padrão. O desafio pode ser interessante para alguns jogadores, mas para outros não.

O jogo Path of Exile sofre de um problema de complexidade vs diversão. O jogo preza por ter uma grande quantidade de poderes, habilidades e propriedades mágicas. Tudo para atender a um público alvo que gosta de RPGs complexos. Existem muitas ideias no jogo que são interessantes do ponto de vista técnico. Mas do ponto de vista do jogador não são divertidas e muita gente não gosta deste jogo por causa disso. A alta complexidade pode ser desejável para alguns jogadores, mas em contrapartida o jogo fica mais difícil de aprender a jogar. Magic tem o mesmo problema de complexidade que aumenta com o tempo, com o adicional de que eles não podem apagar as cartas antigas. Porém, magic também possui formatos que limitam as cartas a um subconjunto de todas as cartas lançadas, o que limita a complexidade.

Créditos imagem: LightningBoltForever

Em Jedi Knight 2 um dos levels quebra completamente o padrão do jogo e obriga o jogador a ser furtivo. Nem todos os jogadores gostaram disso. Você acabou de lutar contra um novo inimigo muito poderoso e logo em seguida é obrigado a ficar se escondendo e andando devagar para passar pelo level. Este é o tipo de dilema que todo jogo tem. Um jogo tem mais de uma ideia ou mecânica e como fazer para agradar aos jogadores dos mais variados perfis? Não existe uma solução universal para isso. Mas quanto melhor você entender o seu público alvo, melhor.