Não tenha medo de ser bruto (direto)

No set que trazia o mundo de Zendikar um tipo de criatura lá eram os Eldrazi. Criaturas míticas muito poderosas e devastadoras, os grandes inimigos da história que se passa naquele mundo. As cartas representando as criaturas tinham que capturar três qualidades: aparência alienígena; gigantismo; famintas e devoradoras. Uma regra que Mark costuma usar é que toda vez que uma mecânica ou ideia é criada, ela tem que fazer parte das cartas comuns. Em magic as cartas são divididas entre comuns, incomuns, raras e míticas. A quantidade delas no mercado segue a raridade e isso tem a ver tanto com questões comerciais quanto de poderio, com alguns efeitos sendo mais comuns e outros mais raros. A razão para Mark priorizar as comuns é uma questão prática, a maior parte das cartas no mercado é comum, então uma ideia num set tem que estar ali onde o grosso das cartas é.

Esta criatura era comum e gigante, com poder e resistência grandes. Uma criatura 8/8 normalmente não seria feita numa carta comum, mas ela não tem habilidades que sejam fortes demais para uma carta comum e o custo de mana também é de 8. O aspecto alienígena esta na arte. A criatura é estranha e o texto é semi transparente, algo que nuca foi feito antes. O custo é de mana de qualquer cor, mas a criatura não é um artefato e nunca antes tinham feito criaturas incolores que não fossem artefatos. A mecânica "aniquilador" força o oponente a sacrificar permanentes quando a criatura ataca. Conclusão, todos os atributos buscados estão lá representados.

Um pequeno problema apareceu durante os testes com os funcionários da empresa. Os jogadores menos experientes não se aproveitavam da habilidade destruidora da criatura e não atacavam. O problema é justamente a falta de experiência dos jogadores. O que faz com que eles não entendam que é vantajoso atacar com a criatura e aproveitar a habilidade que ela tem quando ataca. Um jogador menos experiente fica receoso de atacar e desperdiçar a criatura num combate que pode destruí-la, uma vez que como a criatura custa muito para entrar no jogo, naquela altura do campeonato a mesa provavelmente esta repleta de criaturas. É até curioso, a criatura foi feita para provocar medo no oponente, mas é o próprio jogador que é o dono da carta quem acaba ficando com medo de tomar uma decisão errada que vá resultar na derrota no jogo.

A solução foi simplesmente dar uma segunda habilidade à criatura e forçá-la a atacar sempre que for possível (esta condicional é por causa das regras do jogo, pode haver algo que impeça o ataque). A habilidade simplesmente obriga o ataque e o jogador não tem mais que decidir se vai ou não atacar. Agora que o jogador é forçado a atacar, ele vai acabar vendo a vantagem na habilidade "aniquilador".

Mark gosta de tratar o processo de criação de cartas como uma arte e artistas gostam de ser sutis. Artistas aprendem a mostrar a arte, não a contar tudo. De vez em quando sutileza não funciona e os jogadores não percebem o óbvio. O exemplo vem do set Máscaras de Mercádia. Algumas mecânicas foram criadas para tipos específicos de criaturas. Criaturas de um certo tipo tinham uma habilidade que estava presente apenas naquelas criaturas. Apesar da criatura estar associada a uma habilidade própria os jogadores não perceberam que aquela habilidade era uma nova mecânica. Isso aconteceu porque em magic as mecânicas estão normalmente associadas a uma palavra-chave e isso é tão natural para o jogador que desassociar as duas coisas quebra essa percepção. Os jogadores esperavam novas mecânicas no set e elas estavam ali, mas pela falta da palavra-chave os jogadores não perceberam.

Suponha que um level tenha um avião e o jogador deve pegar o avião para sair dali. Mesmo que atrás do jogador o level esteja pegando fogo, pode não ser óbvio que o jogador deve pegar o avião. É por isso que os jogos normalmente põe uma seta, um ícone no avião ou uma fala "Corra para o avião!". Ou ainda todas as alternativas anteriores. Por mais que pareça óbvio, às vezes você precisa dizer o óbvio para evitar que o jogador faça outra coisa. Normalmente é isso que se faz quando um jogo apresenta desafios para pular, desviar de alguma coisa ou um tipo de armadilha. Às vezes o jogo obriga o jogador a tomar dano para que fique óbvio dali pra frente que aquilo é uma armadilha.

Tem uma regra? Isso varia muito. Depende muito da experiência do desenvolvedor e do público. Depende da complexidade do jogo. Mas via de regra os jogadores não gostam de perder a liberdade e ter tudo forçado ou direcionado sem oportunidade de escolha. Uncharted por exemplo tem cenas de fuga ou perseguição que dão liberdade ao jogador e não são gravações onde o jogador apenas assiste.

Créditos imagem: LightningBoltForever

Um exemplo é Jedi Knight 2. No level de Artus Mine o jogador precisa encontrar um caminho e ele fica numa passagem na beira de um abismo, olhando para baixo. Existem muitas pistas sutis que direcionam o jogador para lá. No level do pântano há uma parte em que o caminho esta escondido debaixo da água. Há um fio de água entre as rochas que indica a posição. No caso de Jedi Knight 2 não é um erro pois o jogo já é voltado a exploração.

Prey 2006 por outro lado tem desafios que o jogador fica perdido sem saber o que fazer. Existem pistas sutis mas o jogo sofre do problema de que nem sempre as pistas são suficientes. Pior do que isso é que o jogo contradiz a si mesmo não seguindo um padrão nas pistas. Por exemplo, há um desafio no começo do jogo que é um portal dimensional. A imagem do outro lado esta invertida em relação à gravidade. O jogador atravessa o portal e fica sem saber o que fazer. O segredo é atravessar os portais do lugar até que o jogador esteja com a gravidade orientada para baixo, aí sim a porta abre. Aparentemente a imagem invertida do primeiro portal é uma dica, mas uma dica que simplesmente não dá para entender se é uma dica ou um erro.