Você não precisa mudar muita coisa para mudar tudo

No bloco de Invasão a ideia era permitir aos jogadores usarem o máximo possível de cores no mesmo baralho. As cartas foram pensadas para ter interações entre todas as cores. Por problemas com a base de mana os jogadores não tinham como ter baralhos de todas as cores, era difícil de construir um baralho assim. Houve também um problema com complexidade e excesso de mecânicas e interações. No bloco de Ravnica a ideia foi de favorecer estratégias de múltiplas cores de outra forma. As cinco cores em magic formam dez pares de cores. Mark teve a ideia de fazer um mundo onde existissem dez pares de cores e todos eles fossem igualmente poderosos e importantes. Assim o responsável pela área criativa pensou numa cidade e haveriam dez guildas, cada uma representando um par de cores. A ideia era o oposto de Invasão. Estimular os jogadores a montagem estratégias de duas cores e não mais a de estimular o máximo possível de cores numa mesma estratégia.

Ravnica foi um sucesso e alguns jogadores consideram o melhor mundo já criado. A prova disso é que mais duas vezes o mundo foi visitado com novas histórias e cartas. No fundo a lição que Mark quer passar é que quantidade não é igual a qualidade e muitas vezes menos é mais. No bloco de invasão foram tantas ideias em várias direções distintas que a complexidade foi excessiva. Ravnica por outro lado se focou em pares de cores, isso criou uma identidade para cada guilda mais forte. Com duas cores por guilda fica mais focado o que cada uma faz, seus ideais e modos de pensar.

Ele faz uma metáfora comparando a cozinha. Ele não é um bom cozinheiro mas a esposa dele é. Uma tarefa que sempre fica com ele é a de preparar ervilhas congeladas. Ele nunca sabe se tem a quantidade certa de ervilhas, então ele sempre põe mais. No fim ele sempre faz um excesso de ervilhas. Para ele os designers de jogos cometem o mesmo erro. Sempre querem por mais. No fim o jogo fica sobrecarregado e complexo demais. Em Invasão muita coisa foi adicionada e o bloco acabou complexo demais.

Ele passou a adotar uma perspectiva inversa. No lugar de pensar "Preciso por quantas mais?", ele passou a pensar "Preciso por um pouco a mais?". A mentalidade é a de que um designer precisa pensar em quanto ele precisa tirar para ficar apenas com o essencial. Ou seja, você quer cozinhar a quantidade certa de ervilhas. Um adendo aqui. Não existe exatidão no número de ervilhas, há margem para erro. Assim como não há exatidão para um jogo se tornar um sucesso. Mark chamou esta lição de "Você não precisa mudar muita coisa para mudar tudo". Porém, Mark esta discutindo um problema de qualidade enquanto a metáfora das ervilhas lida com quantidade.

Observe Path of Exile. Este é um jogo muito complexo e com uma filosofia de sempre adicionar mais conteúdo. Ele tem o mesmo problema de crescimento da complexidade que magic porque a quantidade de mecânicas só aumenta com o passar do tempo. Olhando para trás em Invasão, o que eles fizeram com o tema multicolorido? Adicionaram muitas mecânicas que incentivavam quantas interações fossem possíveis entre as cores. Com Ravnica a direção foi diferente, limitando o foco a pares de cores. A lição de Mark é que com uma abordagem mais focada as interações se tornariam mais fortes e mais significativas ao mesmo tempo. Aqui esta a metáfora de cozinhar o número correto de ervilhas.

Em level design isso se reflete de duas formas: tamanho do level e quantidade de levels. Um jogo, se tiver um excesso de levels, se torna muito repetitivo no final ou antes disso. Como cada level precisa trazer elementos novos, uma hora você esgota o espaço das ideias. É tentador querer fazer um jogo durar o máximo de tempo possível. Mas um número excessivo de levels acaba se tornando repetitivo e maçante. O level também precisa ter uma certa duração entre o início e o fim. Se o level for excessivamente longo há o risco inevitável de repetir muitas coisas ou juntar muitas coisas que deveriam estar separadas em levels separados.

Devo dizer que já me senti como Mark descreveu na sua metáfora das ervilhas. Eu começava um level e frequentemente me pegava adicionando cada vez mais detalhes, até que o level ficava muito poluído e tinha que começar a tirar. Com ervilhas não é possível "descozinhar", mas com level design ou qualquer design de um jogo podemos retirar excessos. Suponha que eu faça um level para Counter Strike. Se eu fosse fazê-lo mais focado eu teria que remover objetos, decoração, caminhos, muitas coisas diferentes para reduzir o level aos seus componentes fundamentais. Esta é a lição de Mark sobre mudar a sua perspectiva de adicionar mais ervilhas para adicionar o mínimo possível. Para manter o espírito da metáfora, pense no sal. Sal demais é difícil, quando não impossível, de remover da comida. É por isto que adicionamos o mínimo possível, porque assim é mais fácil dosar o sal.

Créditos imagem: P.B. Horror Gaming

F.E.A.R. por exemplo. São cinco levels na estação de tratamento de água. No prédio da corporação que é a central na história do jogo são nove levels, desde os escritórios até os laboratórios de pesquisa. É tanta repetição que no jogo seguinte, F.E.A.R. 2: Project Origin a empresa que fez o jogo mudou esse aspecto e fez o jogo ter uma variedade maior de levels.

Shadow Warrior 2013 é outro exemplo. O problema do jogo não é uma repetição de levels, mas um excesso de inimigos do mesmo tipo. O jogo se torna muito enjoativo por trazer os mesmos inimigos e combates do começo ao fim. Wolfenstein 2009 é outro jogo que sofre do mesmo problema, apesar de ter levels excelentes e variados. Alan Wake também tem esse mesmo problema de repetição de inimigos. F.E.A.R. teve duas expansões, uma que continua a história de onde o primeiro jogo parou e outra que conta uma história paralela. Mas fora alguns inimigos novos e armas novas, o resto do jogo é uma repetição. Não criaram nada de novo. A ambientação segue o mesmo estilo do jogo original sem trazer novidades.

Se você pensar em quão complexo Path of Exile é, a receita de sucesso dele é atralada à complexidade. Assim como Mark ensina, Path of Exile tem muito espaço para os jogadores explorarem e descobrirem coisas novas. A quantidade absurda de magias e mecânicas serve ao propósito do ambiente do Path of Exile. Os jogadores tem acesso à muitas ferramentas e podem fazer muitas escolhas para experimentos de builds. Shadow Warrior 2 oferecia muito mais customização e muito mais armas do que o Shadow Warrior 1, mas neste caso o excesso passou do ponto. Shadow Warrior não é um jogo de RPG e ter escolhas demais não serve num jogo que não é voltado para construir o seu próprio personagem. Aqui temos a metáfora de Mark sobre o excesso de ervilhas.

Sem experiência profissional eu não posso dizer como lidar com quantidade vs qualidade. Porém, eu tendo a concorda com Mark que você deve pensar sobre os fundamentos de um jogo ou level, como é o caso do nome deste site. É através do conhecimento sobre o núcleo do jogo que você consegue medir o limiar entre ter demais ou de menos num jogo.