Brigar contra a natureza humana é uma batalha perdida

O exemplo que ele dá é da mecânica "suspender". Ela permite jogar mágicas por um custo de mana menor, mas em troca o jogador precisa esperar alguns turnos para a mágica ter efeito. A ideia básica é que como o jogo é um jogo por turnos, podemos transformar o turno numa moeda de valor? Tempo é dinheiro, essa é a ideia. Algumas criaturas foram criadas com essa mecânica. O custo de conjurar a mágica é menor, mas a criatura só vai entrar no campo de batalha alguns turnos no futuro. Qual o problema disso? Acontece que uma regra do jogo diz que nenhuma criatura pode atacar no mesmo turno em que entra, exceto se a criatura tem uma habilidade chamada "ímpeto". Grande parte dos jogadores que testaram esta mecânica na fase de desenvolvimento simplesmente ignorava essa regra e tentava atacar com a criatura. Por quê? O jogador simplesmente esquece da regra porque neste jogo todas as criaturas são mágicas que entram no campo de batalha assim que o jogador paga o custo de mana. A mecânica "suspender" quebra esse padrão ao fazer a criatura entrar em jogo X turnos depois de pagar pelo custo. O jogador, por intuição, acaba querendo atacar porque pelo menos um turno já passou desde que o custo da mágica foi pago. A solução foi fazer todas as criaturas com "suspender" terem a habilidade "ímpeto". Outras tentativas de mudar o texto, as regras ou o próprio desenho da carta para que o jogador se lembrasse que não pode atacar quando a criatura entra depois de passar alguns turnos suspensa não funcionaram.

Um exemplo de algo que é natural é abrir uma porta. Num jogo que seja de exploração como "The Last of Us" há muitas portas. Note que no jogo muitas portas já estão abertas. Por quê? Do lado técnico são muitos os problemas para resolver para fazer uma porta abrir ou fechar. Muitas condições que implicariam na não abertura ou não fechamento da porta. A maioria dos problemas são advindos da I.A. dos inimigos. São condições bem difíceis de programar. As portas tem que se comportar realisticamente e muitas vezes acaba sendo mais fácil deixar a porta aberta do que ela ser um objeto interativo. O que fazer no caso de portas fechadas? Se não existe nada atrás da porta o jogador não tem como saber disto a menos que ele abra a porta. A solução é deixar a porta trancada com algo visível, um cadeado por ex. Em Shadow Warrior uma técnica adotada é fazer uma porta que abre ser destacada com uma cor amarela, assim o jogador sabe que aquele porta é interativa. O ponto é, um jogador que vê uma porta fechada num jogo vai naturalmente tentar abrir aquela porta.

Sem experiência profissional não posso discutir muita coisa. Porém, imagino que há muitos fatores a serem considerados antes de decidir se uma porta começa aberta ou fechada. Atmosfera, surpresa, ritmo, momentos assustadores, etc. Por exemplo, em Rage algumas portas tem trancas interativas. O jogador sabe através do jogo que aquelas portas trancadas guardam items e consumíveis. No caso de "The Last of Us" o jogador sabe que as portas não são interativas, o que significa que não há nada atrás delas.

Um outro exemplo semelhante são escadas. Num jogo como Tomb Raider o personagem pode escalar paredes e se agarrar em encostas íngremes. Se o jogador estiver dentro de um lugar em que é preciso chegar num ponto mais alto e há armários e prateleiras por exemplo. Qualquer jogador pensará em escalar os móveis para subir. Se isso não for possível o jogador fica confuso. Quando um jogo põe um objeto como uma escada móvel em algum lugar a intuição do jogador é de algo que precisa da escada para ser alcançado. Mas se a escada for apenas um objeto sem função nenhuma, não há como impedir o jogador de procurar algo alto que precisa de uma escada. Um terreno pode ter uma trilha que pareça um caminho e querendo ou não aquela trilha atrai o jogador naquela direção, mesmo que aquela trilha seja um acidente de modelagem ou de textura. Pode acontecer o contrário, o jogador subir num lugar que não era previsto e isso dar uma vantagem não prevista ou complicar o jogo de alguma forma. O que deve ter acontecido é do ambiente ter direcionado o jogador para lá mesmo que não fosse a intenção de quem fez o level.

Existem pequenos detalhes que podem enganar e nem sempre é intencional. Uma coisa que pode acontecer é do level design não estar de acordo com as mecânicas. Um exemplo são armas de fogo. Em geral os jogos não simulam realisticamente a trajetória de um projétil porque custa muito processamento. A maioria dos jogos usa disparos com velocidade infinita, o tempo entre atirar e o projétil acertar é zero. A trajetória é uma linha reta. Um level design feito para armas de fogo precisa ser condizente com esse fato e permitir atingir os alvos a uma certa distância. Ao contrário, se o jogador tem uma faca, o level design deve permitir que o jogador chegue perto do alvo. Se o jogo permite atirar a faca? O level design deve prever isso.

Existem muitas pesquisas sobre cognição e intuição e muita coisa pode ser aplicada em level design. Mas, para não deixar esta página muito complicada, não vou entrar nessa discussão. A discussão poderia se estender a coisas como a direção de um carro ser do lado direito ou esquerdo. Ou ainda uma pergunta com a possibilidade de responder "sim" ou "não", a ordem das alternativas ter algum impacto.


Referências: