A criação de um novo mundo. Hourences enfatiza que é muito importante ter um começo bom e claro. Uma de suas ideias é uma lista de items e um diagrama de fluxo. Aqui eu gostaria de comentar que pode ser que a pessoa fique presa nesta etapa por tempo demais. Eu não sou capaz de fazer um diagnóstico, mas se nesta etapa a pessoa ou o chefe esta hiper-preocupado com prazos e tabelas ou gráficos de qualquer tipo, isto pode ser um sintoma de um medo ou de excesso de perfeccionismo. Se a pessoa for teimosa, irredutível em suas visões e não aceita mudanças ou críticas, pode ser um transtorno de personalidade. Por outro lado, se o plano nunca é seguido e sempre é mudado, isto pode ser um prejuízo das funções executivas.

Uma das coisas relativas às funções executivas é a tomada de decisão e se a pessoa é incapaz de decidir e não para de fazer questionamentos, nós temos um problema. Hourences diz que a etapa do planejamento deve ser crucial para deixar claro para onde ir e por onde começar. Eu concordo, mas também posso dizer que às vezes a "exatidão" é um problema porque um plano perfeito não existe. O que não podemos fazer é inventar desculpas para não planejar antes de fazer. Ele chama um design que é recomeçado muitas vezes de "Síndrome do recomeço". Isto pode ser um sintoma do Transtorno Obsessivo Compulsivo. Infelizmente não posso dizer quando é e quando não é. O melhor que posso fazer é suspeitar que se uma pessoa esta obcecada por fazer direito, buscando um grau de perfeição quase impossível, isto não pode ser normal e saudável. Um outro problema que pode acontecer é mais ligado à memória. A pessoa simplesmente não lembra quando começou algo ou mesmo se começou em primeiro lugar, o que pode resultar na "Síndrome do recomeço" como ele chamou.

Fracasso em se concentrar num design. Fracasso em se concentrar em múltiplos aspectos de um mesmo design. Fracasso em prever a complexidade ou a duração de uma tarefa. O oposto, hiperfoco e/ou obsessão por uma coisa só. Tudo isto é relacionado a funções executivas também. Se uma pessoa se sente derrotada muito frequentemente e/ou muito cedo. Por cedo demais eu digo em algum momento antes de 1/3 do projeto ser concluído. Isto significa que temos um problema em subestimar a complexidade do projeto e/ou em superestimar as nossas habilidades. Poderia ser também que a pessoa é incapaz de se manter motivada e/ou manter a sua energia por tempo suficiente para terminar o projeto. Isto também pode ser sintoma de algum problema de saúde mental. O problema inverso, nunca abandonar ou nunca saber parar, é sintoma de algum processo mental problemático. Temos que saber que alguns projetos não duram para sempre.


"Eu sou capaz disto?". Esta questão é parte da lista de items de Hourences. Pela minha experiência, se fracassarmos em entregar, deve ser por causa da falta de experiência. Quando envelhecemos e ganhamos mais experiência temos a tendência de fazer julgamentos melhores a respeito do tempo, viabilidade e somos melhores em prever problemas. Porém isto nem sempre é o caso e aí temos que discutir viés cognitivo. Há muita pesquisa nesta área e opiniões enviesas estão por toda parte. Se a resposta para a pergunta anterior for sempre desconectada da realidade e desprovida de uma reflexão maior, então podemos ter um caso de trauma, um transtorno de personalidade ou algo que esta prejudicando a capacidade de pensar claramente. Em um extremo temos pessoas que sempre respondem sim, mesmo que notadamente não sejam capazes de fazê-lo. No outro extremo, pessoas que sempre respondem não, independentemente das suas qualidades e virtudes. Se a resposta for sempre "não tenho certeza", isto provavelmente é um sinal de alguma insegurança, qualquer que seja ela.

Vou dar um exemplo pessoal. Uma vez eu estava impressionado com Max Payne e achei que poderia recriar os levels dentro de uma enorme cidade para Unreal Tournament, modo single player. Eu achei que seria fácil porque os levels já estavam prontos no Max Payne, bastava copiar o que já esta feito. O trabalho seria apenas uma cópia. Depois de muitos anos arrastando o projeto ele se transformou num peso morto. Até que um dia eu admiti a derrota e desisti. O x da questão foi um mal julgamento e uma visão enviesada de quanto tempo iria durar e quão difícil era, quanta habilidade seria necessária, para começar e terminar um projeto monstruoso. Eu realmente queria fazer o maior level de single player de todos os tempos, indo até os limites do motor e sem perceber que era uma tarefa impossível. Do ponto de vista psicológico e de desenvolvimento pessoal todas as pessoas passam por um momento assim em algum momento de suas vidas.


Planta baixa. Um ponto chave em todas as companhias é a comunicação entre as pessoas e os diferentes departamentos. Aqui Hourences argumenta que a melhor planta baixa origina-se de uma combinação de estética e jogabilidade. Argumento que eu apoio. Muitos problemas podem ser evitados se formos capazes de prever problemas antes deles acontecerem. Inversamente, muitos problemas surgem porque, por diversas razões, a jogabilidade e a estética não conversaram entre si durante esta etapa. Hourences defende que um desenho ou fotos são a melhor forma de comunicar uma ideia de level design. Aqui eu discordo. Imagine que você faça um desenho ou tire uma foto de uma montanha solitária. A menos que a interpretação seja única, às vezes você precisa de palavras para explicar o que se quer. Fotos para transmitir uma atmosfera, estilo ou jogabilidade são meios muito bons de comunicação. Mas pode acontecer de a outra pessoa ter uma interpretação diferente e isto resultar em falhas de comunicação.


Sucesso e eficiência. Aqui eu gostaria de comentar que quando alguém se torna literalmente obcecado por sucesso e/ou eficiência, provavelmente é algum tipo de problema mental. Não sou capaz de diagnosticar, mas quando sucesso e/ou eficiência se tornam uma força motriz em si mesma e os objetivos são perdidos, temos um problema. A eficiência é um caminho para o sucesso. Não o contrário, o sucesso antes da eficiência. Para dar um exemplo prático sobre a obsessão por eficiência: suponha que você tem 1 GB de memória disponível para um level e todo o conteúdo. Não temos nenhuma obrigação de carregar exatamente 1 GB de conteúdo na memória. Nem nenhuma obrigação com deixar uma parte da memória sem uso. Bytes livres não vão prejudicar o jogo. Com relação ao tempo temos uma outra história. Se o jogo se aproveita de pré-processamento e com otimizações conseguimos reduzir em 1 hora este pré-processamento. É algo bom. Porém, ficar obcecado por economizar 1 minuto de pré-processamento por dia é um gasto de energia inútil porque se o nível gasta 3 para ser feito, um ou três dias a menos não vão ser cruciais. Agora economizar um dia de algo que é multiplicado por cem, aí temos cem dias e não um só, o que é muito tempo. Por vezes temos "buracos negros" escondidos nos nossos esquemas ou rotinas, mas a obsessão por encontrá-los por se igualmente danosa. Eu não tenho respostas prontas e receitas mágicas para resolver tudo.


Originalidade. Eu tenho que mencionar uma experiência pessoal aqui. Há um mapa de Unreal chamado Radikus. Ele tem portais dimensionais que mostram uma outra dimensão no outro lado do portal. Uma vez eu estava obcecado com a ideia do portais que cheguei a pensar num mapa que teria dois mundos num só. A ideia era vaga e era semelhante ao que se vê em filmes que tratam de múltiplos universos e dimensões paralelas. Por muito tempo eu tentei, mas fracassei. Para começo de conversa a ideia nunca foi clara e eu nunca tive um plano de como fazê-lo. Muito menos sabia como seria o level visualmente.

Originalidade é sinônimo de qualquer coisa não usual e/ou única. Qualquer coisa relacionada com super heróis, mundos de fantasia ou mesmo experiências psicodélicas. Algumas vezes os artistas são (erroneamente) apresentados como viciados em drogas ou pessoas com uma mente doentia, o que eu diria só serve para piorar o estigma e o preconceito. Todos queremos ser originais, não queremos? Se uma pessoa não tem o desejo de ser original isto também pode ser sinal de algum problema mental. O que não podemos deixar de esquecer é que a obsessão por ser original causa danos e isto pode explodir em perdas de relacionamentos, perda de trabalhos ou a perda de nós mesmos em casos extremos. A lição de Hourences é que a originalidade não significa nada se ela for sinônimo de inviável, incrédulo, não razoável ou impraticável. Isto também se liga com as funções executivas do cérebro porque quando a pessoa rompe com a realidade, temos um grave problema mental. Há muitas pesquisas a respeito de transtornos diversos e a criatividade, mas este não é ponto aqui.

Eu devo dizer que ser original é também uma questão de ego. Todos tem uma identidade própria e isto, em termos de level design e game design, é expresso por meio de uma busca por originalidade. Temos que ter cuidado com nossos próprios egos porque se ele crescer descontroladamente, corremos o risco de perder pessoas, perder ambientes de trabalho, perder tudo que importa para nós e, em casos extremos, perder a própria vida. Pode ser muito perigoso. É por isso que eu condeno a ideia de que grandes artistas são grandes porque sofriam de algum sério problema mental. Artistas indo à loucura da razão não é a maneira correta de explicar as suas obras. Porque um artista precisa manter certas funções cognitivas intactas para produzir a sua arte, caso contrário eles não conseguem produzir nada.

Num comentário extra eu gostaria de dizer que se uma pessoa põe o próprio ego acima de tudo, exigindo que todos à sua volta obedeçam às suas visões em detrimento de qualquer discussão. Ou ainda se for o caso de alguém que se recusa a cumprir ordens, se recusa a aceitar qualquer opinião diferente da própria. Isso são sinais de um transtorno de personalidade, um trauma ou algum outro problema mental e design de níveis ou de jogos não seriam exceções livres disto. Eu não falo de pessoas que estão tendo uma crise nervosa ou uma crise psicótica, mas pessoas que não estão rompidas com a realidade e estão cientes das pessoas ao redor, mas tem uma personalidade ou comportamentos extremamente antagonistas ou desafiadores em múltiplos sentidos. Duas palavras aqui seriam "ilusão" e "grandiosidade", que descrevem a personalidade narcisista. Agora tome cuidado porque ilusão e grandiosidade podem ser relacionados com outras coisas além do narcisismo.


Clichés. Numa definição direta, cliches são padrões que as pessoas reconhecem instantaneamente como sendo familiares. Por ex: momentos de susto quando um som alto ou uma música é tocada, incluindo corpos caindo do teto ou aves voando na frente do jogador. Se formos obcecados por originalidade podemos cair na armadilha de não usar cliches porque queremos ser originais, certo? Uma cruz vermelha é um símbolo universal da saúde; duas serpentes entrelaçadas num bastão com asas é o símbolo universal da medicina; semafaros usam a luz vermelha para significar pare e verde para seguir, neve cobrindo as ruas significa inverno; areia e sol escaldante significam calor e secura. Se evitarmos os cliches mais óbvios a todo custo corremos o risco de fazer coisas que não tem significado claro ou que os jogadores não conseguem reconhecer. Ser original não é sempre questão de fazer algo totalmente novo, mas também em fazer algo criativo com ideias ou conceitos já existentes.

Digamos que queremos que o nível seja seco e um deserto. O cliche mais óbvio é construir um nível que seja um deserto arenoso. Mas esta é apenas uma interpretação possível. Há também o deserto de gelo, que também é uma terra quase sem vida. Dependendo da temática do jogo temos ainda outros tipos de desertos, alguns metafóricos, como cidades fantasmas. Quantos ambientes você poderia pensar com a palavra "vazio" agora mesmo? Certamente alguns. Estamos aqui misturando as divisórias entre originalidade e cliches, porque um deserto é um deserto mas como fazemos um depende dos objetivos desejados. Em um extremo temos o perigoso de perder a originalidade por sermos muito medrosos de arriscar ou ousar, além do medo de fazer um jogo sem graça. No outro extremo corremos o risco de perseguir tão obsessivamente a originalidade que os propósitos originais (ironicamente) são perdidos.


Arte conceitual. Em linguagem simples são os conceitos que ilustram como uma cena vai ficar num filme ou como um ambiente será no design de níveis. Hourences diz que artistas de conceito não são designers de níveis porque eles estão mais focados em como o ambiente é e como ele é sentido, não em como é a jogabilidade. Se existem pessoas que são boas tanto em arte conceitual quanto em design de níveis eu acredito que sim, mas provavelmente são raros os casos. Eu pessoalmente nunca fiz arte conceitual e por causa disto não posso criticar artistas conceituais. O ponto de Hourences é que a arte conceitual não é uma planta baixa ou um esquema. São pontos de partida, como o nome sugere. Como Hourences diz no livro, deve haver uma conexão forte entre o conceito e a execução porque problemas em um podem ser a causa ou levarem a problemas no outro. Sem experiência prática eu não tenho conhecimento de causa para dizer o que fazer.