Faça a parte divertida ser também a estratégia vencedora

A lição vem do set Unhinged, o segundo set de comédia lançado. Nele Mark criou uma mecânica chamada de "Gotcha" (Te peguei, em tradução livre). Algumas cartas tinham um efeito que era ativado quando o oponente fazia alguma coisa. Algumas cartas diziam respeito a tocar o rosto, outras a rir, outras a falar uma certa palavra, outras a falar um número, etc. Aparentemente é um modo de forçar os jogadores a interagirem com outras coisas além das cartas.

Só que a ideia tinha um porém. Todo jogador vai falar, tocar o rosto, rir, em algum momento do jogo. A menos que o jogador seja um deficiente físico incapaz de pronunciar as palavras, números ou de mover o corpo. Aí é que esta. Se você tem uma carta que diga, por exemplo, "efeito tal se o jogador disser a palavra atacar", o que o oponente deve fazer para não ativar a sua carta? Não falar a palavra atacar. Mas o jogo exige a comunicação entre os jogadores! Viu a contradição criada pela mecânica?

Parece óbvio, mas a lição que Mark passa aqui é que a diversão é simplesmente esperada por todo jogador que joga o seu jogo. Se você cria algo em que o jogador precisa se esforçar muito para se divertir, perdeu o propósito. O jogador vai respeitar as regras do seu jogo desde que isso tenha como recompensa a diversão. Se a diversão exigir dele um compromisso com algo que ele não quer fazer, por que então ele vai jogar o seu jogo? O jogador não deve se sentir obrigado a entender o seu jogo para encontrar a diversão. O desenvolvedor é quem tem a obrigação de fazer o próprio jogo ser inteligível e divertido.

O level design pode muito bem sofrer deste problema. Diversão vs Vitória. O design do level pode seguir uma filosofia ou um objetivo que simplesmente não condiz com o jogo. Por exemplo: se o level possui um carro que o personagem deve dirigir até o final, o level não pode ser tão tortuoso, cheio de obstáculos, que dirigir o carro se torna impossível ou desvantajoso. Se o level é construído para que o jogador se movimente de uma certa forma, use ou não use certas armas, isso deve ser condizente com o jogo. Caso contrário, o jogo fica contraditório pois o level é feito para o jogador fazer algo, enquanto que o jogo pede para o jogador fazer outra coisa oposta. Isso em geral é uma falha de comunicação entre quem faz o level e quem faz o roteiro e quem faz as mecânicas. Quando mecânicas, roteiro e level design não conversam entre si nós temos problemas, muitos deles.

Esta carta é destruída assim que algum jogador faz uma mágica. Quando isso acontece, o oponente de quem fez a mágica compra três cartas. Qual a estratégia que esta carta tem? Coloque-a no jogo e espere, como o próprio nome diz, o oponente fazer uma mágica qualquer para que você compre três cartas. Qual o problema disso? O oponente só faz a mágica se quiser. Você por outro lado não faria nenhuma mágica sob o risco de dar vantagem de graça para o oponente. O que esta carta cria é uma situação onde nenhum dos dois jogadores, ou mais se tiver, vai querer jogar nada e um fica esperando o outro. Mas como o jogo vai continuar se ninguém fizer uma mágica? Pois é. A estratégia da carta é você forçar o oponente a jogar uma mágica primeiro.

Em level design como isso aconteceria? Se o jogo dá armas que permitem longo alcance, o level deve refletir isso. Se há armas de curto alcance, há opção num level que não permite atingir alvos à distância. Se o jogador ganha pontos destruindo certos alvos no jogo, um level design feito para não destruir esses mesmos alvos se torna um problema. O jogador quer ganhar pontos e destruir alvos, por quê obrigá-lo a não fazer isso? Uma das piores coisas que um jogo pode fazer e isso vale para o level design, é uma situação onde o jogo dá ao jogador ferramentas para serem usadas, mas o level ou o jogo tem um contexto que proíbe a utilização dessas ferramentas. Por ex: se o jogador pode pular e é incentivado a tal, por quê colocar armadilhas que punam o jogador por pular? Ou por quê criar um level onde pular se torna chato e punitivo? Se o jogador precisa tomar uma atitude num level para passar e isso inclui esperar, digamos 1 minuto ou 2 minutos até que a passagem se abra, isso irrita o jogador.

Você pode ter perguntado: Como eu sei o que é divertido? Eu sei que a resposta pode parecer óbvia, portanto vamos mudá-la um pouco "Como eu sei o que os outros acham ou pensam que é divertido ou engraçado?". Mark escreveu um grande artigo sobre empatia e esta é a chave aqui. As pessoas se divertem cada uma do seu jeito. Algumas pessoas se divertem cozinhando, enquanto outras acham cozinhar uma perda de tempo. O que é divertido para você pode não o ser para outra pessoa. Quanto melhor você for em entender, compartilhar e sentir as emoções dos outros, melhor você é em criar jogos que sejam divertidos tanto para você, quanto para o seu público alvo. Aqui não vou discutir isto em profundidade porque a psicologia da empatia não é o assunto principal e precisaria de uma página separada porque é um assunto muito amplo. Porém, eu devo dizer que se divertir é uma experiência e não podemos nos forçar a nos divertir se simplesmente não sentimos a diversão. Muito menos forçar alguém a se divertir da mesma forma que nós, a menos que eles(as) compartilhem dos mesmos desejos ou preferências que nós.