Desenhe os componentes para a sua audiência alvo

Quando o magic foi criado a maioria das cartas tinha como prioridade a parte técnica e numérica. O jogo foi criado por um matemático e isso se refletiu no formato e nas regras. Magic é um jogo totalmente baseado em regras lógicas. O dano, a vida, o poder, o custo de mana, é tudo baseado em números inteiros. A quantidade de cartas no baralho, na mão, no jogo, sempre são números inteiros. Por trás há muita probabilidade e combinatória que dão a variância ao jogo. Mark se declara uma pessoa movida pelas emoções e queria fazer cartas sob a perspectiva do psicológico do jogador, não da perspectiva de números. Para tal ele recorreu a um método que foi criar arquétipos de jogadores. Perfis psicológicos de jogadores. Cada um representaria um tipo de jogador.

Mark dividiu os jogadores em três grupos. Timmy são os jogadores mais movidos pela emoção, eles querem cartas que reflitam a emoção no jogo. Cartas que tenham grande impacto e sirvam para a interação entre os jogadores. Johny são os jogadores que querem se expressar no jogo e querem liberdade de criação. O jogo permite isso, afinal são milhares de cartas e estratégias. Spike são os jogadores que querem provar alguma coisa. São jogadores que querem o desafio e magic é um jogo de desafio por natureza. É importante frisar que esses arquétipos são apenas para fins de simplificação, há combinações e subtipos em cada um.

Mark cita esta carta como exemplo de um design que não foi bem sucedido. Primeiro a carta tem um efeito aleatório que não esta sob controle do jogador, então não é uma carta para os jogadores do tipo Johny. Timmy é atraído pela carta por causa do fator aleatório que causa respostas emotivas no jogo. Não dá para saber o resultado. Spike também é atraído pela carta por causa do fator estratégico, a criatura pode entrar de duas maneiras diferentes e cada uma tem o seu valor estratégico. Mas a carta também desagrada a ambos exatamente por tentar agradar a ambos. Timmy gosta da emoção da expectativa, mas como nenhuma das duas formas que o criatura assume no jogo é muito poderosa, acaba que não é uma carta muito emocionante. Spike gosta do valor estratégico de ter duas opções numa carta só, mas como isso depende de jogar uma moeda e não há controle sobre a moeda, acaba perdendo valor para Spike.

A lição aqui é bem conhecida já. Quem tenta agradar a todo mundo acaba não agradando ninguém. Toda a indústria de qualquer produto sabe disso. Um carro pode ter como característica principal o espaço, a altura, o motor, o conforto, etc. Uma delas tem que ser dominante. Não dá para ter tudo. O que a indústria faz? Um carro voltado para um público alvo e outro carro para outro público alvo. O exemplo de Mark é justamente este, uma carta só que tentou agradar a jogadores muito diferentes ao mesmo tempo. Mas magic não é um jogo de muitas cartas? É isso. Faça cartas para diferentes públicos alvo, mas no conjunto todo agradam a muita gente ao mesmo tempo. Uma carta só é nível micro. Um grande conjunto de cartas é nível macro. O jogo por si só já é um recorte do grupo de todos os jogadores de todos os jogos, mas é importante saber a subdivisão dentro do público alvo do seu jogo.

Um jogo precisa atender às expectativas de um público alvo e o público alvo precisa ser bem descrito. Não dá para ter um jogo atingindo vários públicos alvos diferentes e muito diferentes ao mesmo tempo. Em level design o conceito é o mesmo. Um jogo é feito de muitos levels e todos eles são diferentes. Cada level tem uma identidade própria e todos os levels no conjunto um público alvo em particular. Por exemplo: um jogo apresenta vários desafios. Cada level apresenta um desafio diferente dos demais. Por muitos desafios diferentes num mesmo level quebra a coesão no nível micro. No nível macro, se todos os levels não tem coesão entre si o jogo fica desequilibrado e sem um público alvo certo.

Créditos imagem: LightningBoltForever

Isso aconteceu em Jedi Knight 2. Quando o jogador esta em Cairn Docks o primeiro desafio é enfrentar os Shadow Tropper. Um inimigo muito mais poderoso do que todos os outros até então. Logo depois o jogador passa por uma parte do level que é o exato oposto. O jogador é obrigado a ser furtivo e evitar ser descoberto pelos inimigos. Um level só que acaba misturando um combate difícil logo no começo com uma parte em que o jogador não pode enfrentar inimigos abertamente para não ser preso. Era melhor que fossem levels separados. Se um jogo faz isso com muitos levels aí o jogo inteiro acaba ficando ruim.

Por si só não é errado misturar coisas diferentes num mesmo level. Um jogo poderia muito bem ter partes de ação e quebra-cabeças num mesmo level e Jedi Knight 2 faz isso por todo o jogo. O importante é como isso é feito. No caso de Cairn Docks ficou muito abrupto, o jogador simplesmente sai de um combate duro para uma parte em que ele deve evitar os combates. Há um level no jogo em que o jogador controla um canhão e pode atirar em naves no espaço, mas é apenas um minigame opcional que não vale pontos nem é uma missão. O jogo poderia ter um level só disso? Não, ficaria muito estranho ter um level só disso no meio do restante do jogo.

Eu vejo conexões entre esta lição e outras lições de Mark, como "Não confunda interessante com divertido" e "Não faça design para provar que você pode". É muito fácil confundir interessante com divertido e ao mesmo tempo tentar provar que você pode criar algo novo. Cometer ambos os erros simultaneamente com certeza resultará em design que falha em atender aos desejos ou às expectativas do público. Suponha que um jogo tenha 4 ou 5 modos diferentes e eu decida fazer um level para um destes modos de jogo. Digamos que eu goste de três deles e pegue elementos de cada um para fazer um level. Certamente estarei tentando provar que eu posso fazer, que vai dar certo e estarei vendo a minha ideia de misturar diferentes elementos num mapa só como original. Mark deu aquela carta vermelha acima como um grande exemplo e eu dei um exemplo de level. Eu poderia pensar em arte de ambiente também. Por exemplo misturar a Grécia Antiga com ficção científica sem coesão entre as duas partes. Eu diria que Duke Nukem 3D foi bem sucedido em combinar aliens e garotas. Já Prey 2006 tentou combinar nativos americanos com aliens sem sucesso.