Ressonância é importante

O exemplo que ele dá é a criação dos sets Innistrad e Ascenção das Trevas. Uma técnica foi usada para conseguir cartas que transmitissem um tema comum. O tema era de horror gótico. Muitas cartas foram criadas a partir de nomes de cartas. Uma carta pode ser criada sem um nome ou ao contrário, primeiro o nome e partir dele a carta. O segundo método foi usado. Muitos nomes de cartas foram criados a partir do tema. Funcionou.

Endless Ranks of the Dead - Ryan Lee

Magic não criou anjos, demônios, feitiçaria, zumbis. Isso tudo já existe em filmes, obras de arte, literatura. O que ele quer dizer é que você pode e deve se aproveitar do conhecimento pré existente para criar um universo. Todo jogador tem alguma bagagem cultural e isso significa que na criação de um novo set de cartas você não vai criar do zero, mas a partir de referências que já existem. Muitas vezes o designer quer ser criativo e inovador, mas o risco disso é criar algo que não tenha impacto nos jogadores por não ter nenhuma referência na qual o jogador possa se basear.

Há dois aspectos aqui. A ressonância entre o jogo e os jogadores e ressonância dentro do jogo. A primeira diz respeito aos jogadores se sentirem atraídos pelo jogo, caso contrário eles não irão jogá-lo. A segunda diz respeito à coerência e coesão. Cada parte do jogo precisa ressoar com as outras. Mark trata da primeira. Os jogadores precisam se sentir atraídos por algo no jogo. Caso contrário eles não irão jogar. Para que o jogo seja atraente ele deve ressoar com os jogadores devem encontrar referências no jogo que remetam à cultura, ao conhecimento e às suas emoções. Eu gostaria de fazer um adendo aqui. Frequentemente queremos apresentar algo novo, único, mas investimos tanto nisso que nos esquecemos de aproveitar as referências culturais já existentes e padrões estabelecidos. Por exemplo: voar é universal. As pessoas entendem o significado de voar e magic se aproveita disto para criar criaturas voadoras que são fáceis de entender. Todo jogador rapidamente entende as regras para criaturas voadoras sem muito esforço. Se tivéssemos criado uma nova habilidade sem referências óbvias, haveria uma maior chance dos jogadores se depararem com a pergunta "O que é isto?". Uma pergunta não desejada.

Façamos um exercício prático. Pense na Cinderela. Neste conto de fadas famoso temos alguns personagens e objetos que todos conhecem. Se fôssemos criar cartas na história de Cinderela quais nomes seriam prováveis? Sapato de cristal, Madrasta Malvada, Fada-Madrinha e Carruagem. Temos aí um provável artefato ou dois e duas criaturas. As habilidades destas cartas teriam relação com magia, beleza, inveja e ciúmes. Vê? A partir de um conto de fadas muito famoso já é possível ter muitas referências culturais. Mesmo que fôssemos criar um novo conto de fadas , provavelmente seríamos inspirados por contos preexistentes. Mark nota que uma carta ressoa em múltiplas camadas que vão desde o nome e arte, até o mundo em si onde o set se desenrola.

Veja por exemplo Max Payne. O tema de Max Payne é um policial que esta em guerra com traficantes num mundo urbano. Todas os levels de Max Payne são feitos para transmitir o tema urbano e do crime. Assim não há florestas, cavernas ou montanhas por exemplo. O jogo mantém uma coesão num tema urbano que não foi criado em Max Payne, mas já existe em filmes e outras obras. Uma boa parte do jogo se passa em Nova Iorque e automaticamente as pessoas que sabem qual cidade é já tem nas suas memórias prédios altos e taxis amarelos por exemplo. Vamos pensar nas coisas que Max Payne ressoa com. Primeiro, o personagem foi intencionalmente nomeado "Max Payne", que em inglês soa parecido com "Pain" (dor). Drogas, polícia e crimes. É bem claro que há muita dor no jogo e no histórico do personagem principal. A respeito da cidade, Nova Iorque é famosa e conhecida mundialmente. O que teria acontecido se o jogo tivesse como pano de fundo uma pequena cidade e um país menos conhecido? Provavelmente o impacto do jogo teria sido muito menor do que o impacto causado com a escolha de Nova Iorque.

Como uma nota extra eu devo dizer que a ressonância esta intimamente ligada à estereótipos. A base de jogadores de magic é majoritariamente masculina. Como eles poderiam atrair mais mulheres para o jogo? Eles precisariam fazer com que magic ressoasse mais com o público feminino. Como? Eu chutaria que através de mais personagens femininos, arte mais feminina e promovendo as mulheres de alguma forma. Indo mais além poderíamos pensar em estereótipos negativos, preconceito e xenofobia. Mas é um assunto muito amplo e complexo e não tenho muita sabedoria para fazê-lo aqui. Eu citaria um exemplo do Max Payne 3. O jogo tem como pano de fundo a cidade de São Paulo, Brasil. Eu, como nativo do país, vejo uma pequena confusão entre o Rio de Janeiro (outra cidade brasileira) com São Paulo no que diz respeito às gírias e referências culturais no jogo. Quando um jogo, mesmo que sem intenção, apresenta uma visão enviesada ou distorcida de uma cultura ou país. O impacto é comparável ao impacto causado pela mídia com reportagens tendenciosas ou distorcidas. Temos que ter cuidado para não ofender ou gerar respostas negativas do nosso público alvo.

Isso tem relação inclusive com pesquisas de mercado e tendências. Ele quer dizer que é muito importante saber qual é o gosto do seu público alvo e qual o tipo de cultura que ele consome. Um jogo pode muito bem fracassar por tentar trazer algo novo que simplesmente não agrade a ninguém ou a público reduzido demais.

Pegue carona

Esta lição é uma continuação da anterior. Em poucas palavras, pegue carona no conhecimento pré existente de um tema. O exemplo que ele cita é o jogo "Plantas vs. Zumbis". O criador, George Fan, explica que a escolha de plantas e zumbis foi por uma questão de intuição. As torres num jogo deste gênero não mudam de lugar, daí elas serem plantas já que plantas não podem sair andando por aí. A escolha de zumbis foi porque os inimigos precisavam ser lentos e atacar em hordas, o que é a ideia de zumbi que todo filme ou seriado tem. No fundo, a escolha por plantas e zumbis tem um valor pedagógico por trazer elementos que são de conhecimento geral.

Como isso aconteceu em Magic? O exemplo que ele usa é a carta "Cavalo de Acros". É uma criatura artefato que entra no jogo sob o controle do oponente. A cada turno do oponente ela cria soldados mas contra ele mesmo. Ou seja, contra o oponente que esta controlando o cavalo e a favor de quem fez a mágica do cavalo. O tema do set Theros é a mitologia grega e a maioria das pessoas deve conhecer o mito do cavalo de tróia. A carta esta muito bem feita. O tema, o tipo, a habilidade, tudo condiz com o mito. Num dado momento no processo de criação e desenvolvimento do set alguém quis mudar a carta de um cavalo para um leão. O que aconteceu nos testes? Os jogadores perderam a referência do mito e não entendiam porque a carta era um leão e nem porque ela criava um exército de soldados. Isso prova que as referências culturais não podem ser ignoradas.

O exemplo a seguir é polêmico. No universo de Guerra nas Estrelas há os famosos AT-ST. São tanques de guerra com pernas. Isso é um motivo de críticas por parte de muita gente pelo fato do universo criado ser um universo de alta tecnologia. Ora, num mundo onde a tecnologia permite naves espaciais do tamanho de planetas e voar de um planeta a outro em poucas horas. Por quê criar uma arma que anda com pernas? Não era mais fácil o tanque voar ou ter rodas? Mesmo tanques de guerra reais tem rodas.

Por um instante pense no inverso, algo que remeta ao filme ou universo de Guerra nas Estrelas. Se um jogo trouxer uma máquina que tenha canhões e pernas, a memória das pessoas irá recorrer ao AT-ST como referencial. Por mais bizarro que possa parecer o universo de Guerra nas Estrelas criou referências culturais a partir de máquinas que, do ponto de vista da engenharia, são aberrações.

Esta cena em Alan Wake por exemplo. É uma referência a um dos filmes de terror mais famosos do mundo: O Iluminado, de 1980, Stanley Kubric.


Referências para ambas as lições: