Jogabilidade de base x Jogabilidade do mapa. A distinção dada por Hourences é bastante clara. A jogabilidade de base diz respeito às regras do jogo e os limites de interação entre o jogador e o mundo. A jogabilidade do mapa diz respeito à colocação de desafios que são específicos para o mapa e o jogador tem que usar os poderes e habilidades disponíveis para passar de fase ou de área. As duas são interligadas e não devem ser separadas pelo bem do jogo.

Suponha que você tenha um super herói com o poder de voar. Se o nível for todo fechado e sem oportunidade para voar vai ser um erro. Uma exceção é quando temos um bom motivo na história do jogo para tal ocorrência. Temos também o problema oposto, o jogador sair voando e pulando todos os obstáculos porque a jogabilidade básica e a do mapa não estão interligadas corretamente. Para dar um exemplo bem simples e direto: há jogos com ferramentas de modificações como Unreal Tournament. Alguns jogos executam modificações que multiplicam a vida por 10, adicionam regeneração automática de vida e de munição. A experiência do jogador acaba sendo arruinada porque em tais condições o desafio é perdido. Eu joguei uma modificação chamada "Monster Hunt" (Caça aos monstros, em tradução livre) e a maioria dos servidores executa a modificação de munição e vida infinita. Todas os níveis feitos para Monster Hunt ficam fáceis demais assim. Como os criadores de níveis compensam? Os chefes tem a vida multiplicada e o dano também. Armadilhas que matam instantaneamente são usadas e muitos obstáculos dependem da vida infinita para serem superados. Vê como a jogabilidade de base e do mapa precisam ser interligadas?

Qualquer jogo com ênfase em resolução de quebra-cabeças é um bom exemplo de combinação das duas jogabilidades. No mundo 2D dos jogos de visão lateral temos grandes exemplos como Prince of Persia, Super Mario, Sonic, Trine e jogos de naves. Pense em Super Maior. Em todos os níveis há blocos quebráveis. Alguns níveis específicos apresentam mecânicas específicas como voar ou nadar. Pense em jogos de naves como R-Type e suas muitas armas. Uma delas é um laser que ricocheteia nas paredes e alguns níveis tem mais paredes especificamente para esta arma. Sonic é outro bom exemplo porque alguns níveis apresentam mecânicas específicas, como por exemplo voar com correntes de ar ou usar um escudo em forma de bolha de ar em partes subaquáticas.

No mundo 3D temos grandes exemplos em Bioshock, Jedi Knight, Tomb Raider e outros jogos. Lara Croft pode agarrar beiradas, nadar, pular alto, escalar paredes, balançar em cordas, rastejar e outras habilidades. Os níveis da série Tomb Raider enfatizam uma ou mais das habilidades de Lara e dependem destas habilidades para o jogador passar. A série Jedi Knight faz a mesma coisa. Cada nível apresenta desafios que o jogador precisa dos poderes jedi para passar. Há ainda reviravoltas inesperadas. Unreal Tournament e Urban Terror tem servidores dedicados à arte de pular. Há níveis feitos como uma pista de obstáculos e os jogadores competem entre si correndo e pulando para completar o nível o mais rápido possível. A física é artificial porque o jogo já não adere à realidade com exatidão justamente para priorizar a jogabilidade.

Mark Rosewater, sobre design para Magic the Gathering, diz que os designers frequentemente tem um grande ego e tentam agradar a si mesmos. É um erro! Quem deve ser agradada é a audiência, não você mesmo. As mecânicas e jogabilidade são feitos para serem jogados e vivenciados pela sua audiência. Um aspecto importante que ele discute é como o jogador sente o jogo e mecânicas ruins conduzem a uma jogabilidade ruim. No MTG há um certo número de mecânicas que foram abandonadas com o tempo porque elas estavam ferindo o jogo. Em design de níveis e de jogos o mesmo erro pode acontecer.

Com o passar dos anos MTG mudou de foco e algumas cartas pararam de serem feitas para que outras fossem favorecidas. Por exemplo: eles decidiram que os jogadores devem interagir entre si e cartas que simplesmente bloqueiam todas as mágicas não deveriam ser comuns. Eles querem que os jogadores tenham respostas às ameaças e as respostas por sua vez não podem se tornar ameaças ainda piores. É um equilíbrio difícil de conseguir e o MTG constantemente sofre críticas dos jogadores a respeito disto mesmo. Sobre a jogabilidade dos mapas eu diria que lidamos com o mesmo problema. Os jogadores querem interagir com o mundo, mas ao mesmo tempo esta interação pode se tornar indesejável ou entediante com o tempo. Um exemplo rápido são elevadores ou plataformas móveis. Se a velocidade for alta demais ou baixa demais, isto irá prejudicar o jogador e ele ou ela não terá alternativas porque o jogo foi programado daquela forma.


Planta baixa abstrata x Planta baixa realista. Hourences faz uma distinção entre as duas que é basicamente a mesma ideia que Mark Rosewater tem quando discute design Top down x Bottom up. A prioridade dada por você é nas mecânicas e na jogabilidade ou na estética e temática? Eu diria que não há um equilíbrio perfeito entre os dois e frequentemente os jogos adotam ambas as estratégias nos seus níveis. Como o nome já diz, realista se baseia no mundo em que vivemos. Hospitais, cidades, metrô, prédio de escritórios, entre outros ambientes conhecidos. Abstrato diz respeito a mundos alienígenas, mundos de fantasia ou qualquer coisa que seria construída no mundo em que vivemos.

O ponto é que os conceitos mais fáceis de entender são os extremos, abstrato puro ou realismo puro. Por exemplo um sistema de metrô para Counter Strike. A construção é bastante clara em termos de ambientação e clima. Agora se você pensar nos filmes do Senhor dos Anéis, uma planta mais abstrata permite mais liberdade em termos de concessões porque o realismo não é necessariamente o objetivo principal. As plantas híbridas de realismo e abstração são as mais difíceis de fazer, como é caso de F.E.A.R. 2 que mistura ambientes realistas com a temática de terror.

Realista não necessariamente significa ser viável ou uma cópia fiel de um cenário real. Com isto quero dizer que há concessões feitas por causa da jogabilidade. Por exemplo: na vida real um banheiro tem apenas uma porta para entrar e sair. Porém, num jogo, podemos ter duas portas e até mesmo uma terceira entrada com um duto de ventilação por exemplo. Depende da jogabilidade. Inversamente, uma planta abstrata não significa que temos liberdade para fazer qualquer coisa e de qualquer jeito. Podemos ter ilhas ou castelos flutuantes se quisermos, mas precisamos de um boa desculpa para tal. Quer seja uma explicação na história do jogo ou alguma justificativa em termos de jogabilidade. O ponto é que mesmo que a planta seja abstrata nós ainda assim estaremos inconscientemente comparando com o senso comum e o mundo à nossa volta, o que significa que se algo estiver estranho, os jogadores vão perceber. Por exemplo: se o nível for no interior de uma espaçonave ele deve se parecer com o interior de uma espaçonave por mais óbvio que possa parecer.

Se eu fosse comparar com arquitetos e engenheiros de construções reais eu diria que há semelhanças com design de níveis. Por exemplo: um engenheiro se preocupa com a capacidade e o espaço quando projeta um sistema de metrô. Preocupações que são muito parecidas com as preocupações num jogo. Porém, uma diferença importante é que um jogo esta atrelado a uma jogabilidade e tentar construir num jogo uma cópia exata de um sistema de metrô com medidas reais não vai funcionar. Máquinas de vendas dentro das estações são geralmente posicionadas perto de escadas, entradas ou saídas, nunca no final da plataforma. Em cenários de jogos nem sempre é assim se há uma motivação para colocar a máquina no final da plataforma por exemplo.

Eu pessoalmente acho que construir mundos em jogos é semelhante ao trabalho de um engenheiro ou arquiteto. No mundo real uma planta de um hospital tem que prever saídas de emergência, o fluxo de pessoas, riscos de contaminação, medidas contra incêndio, etc. Num jogo temos que nos preocupar com quem vai jogar ali e qual jogabilidade é esperada. I concordo plenamente com Hourences quando este fala de que um bom planejamento resulta em boas previsões de possíveis problemas futuros.