Se todo mundo gosta do seu jogo mas ninguém o ama, vai fracassar

Dentro da Wizards a maioria das pessoas joga Magic mas não participa do desenvolvimento e criação das cartas. A empresa usou os próprios funcionários como recurso para melhorar o jogo. Isso foi feito com um enquete em que as pessoas dão uma nota para cartas raras e míticas. 1 é uma carta que a pessoa não gostaria de comprar um pacote e achar aquela carta. 10 uma carta que causaria muita alegria de encontrar num pacote. É uma maneira prática de avaliar como os jogadores irão reagir a uma carta e com uma nota, de 1 a 10, que permite ter uma boa ideia da qualidade daquela carta. A enquete é restrita a funcionários da empresa pois o desenvolvimento das cartas é secreto e não é possível fazer isso com qualquer pessoa de fora.

Com o tempo muita coisa foi diagnosticada com esse processo de dar notar às cartas. Imagine que uma carta recebeu em sua grande maioria avaliações positivas, notas acima de 5. Uma outra carta foi divisiva e metade deu notas altas e a outra metade deu notas baixas. Se você for escolher entre uma das duas para publicar num set, qual a escolhida? Se você for uma pessoa mais conservadora vai escolher a primeira por segurança. Caso contrário a escolha é a segunda. O que os criadores das cartas descobriram com o tempo é que a segunda carta é mais importante na maioria dos casos.

A lição aqui é que uma carta que gere reações mais fortes é mais importante do que uma que gere reações mais fracas. A carta que dividiu a opinião entre muito positiva e muito negativa causa mais impacto. A outra carta pode ser mais segura pois há poucos que não gostam dela, mas é por isso mesmo. Diluir o desgosto da carta é menos importante do que criar uma carta que tenha um gosto mais forte.

Ele usa uma metáfora com um encontro às cegas para explicar o conceito por trás da escolha das cartas. Você tem uma lista de características que você deseja encontrar no outro. Agora vem a questão. É melhor que o outro satisfaça todos os critérios que você busca, mas não deu uma química legal. Ou é melhor que o outro tenha uma química legal, apesar de não satisfazer tudo aquilo que você quer? A maioria das pessoas iria preferir o segundo caso. No fundo, a pessoa com poucos atributos negativos tem um impacto menor para você do que aquela que tenha alguns atributos muito fortes e positivos. O objetivo principal de um encontro não é minimizar o lado negativo, mas encontrar o lado positivo.

Como características de pessoas são mais subjetivas e pode ter ficado difícil de entender, vou citar um outro exemplo mais prático. Se você sai de uma empresa para outra, qual a motivação? Em geral há algo que você quer que tem numa empresa e não na outra. Pode ser que haja desvantagens na troca? Sim, mas para você as vantagens superam as desvantagens. É o caso clássico de escolher ganhar menos, mas trabalhando numa coisa que você goste ou que seja menos dispendioso.


Nota: Eu li a respeito de viés cognitivo e relações tóxicas. Devo mencionar que o que achamos negativo ou positivo pode muito bem ser uma opinião enviesada. Quando lidamos com relacionamentos temos que ter um cuidado maior porque podemos ter um viés muito forte que nos coloca em situações perigosas. Num extremo podemos dar muito peso a pensamentos ou características negativas, de tal forma que o medo nos impede de tentar um relacionamento. No outro extremo podemos estar totalmente cegos para bandeiras vermelhas que nos alertariam que aquela pessoa é ruim ou abusiva. Se uma pessoa atende perfeitamente à todos os nossos critérios, pode haver algum aspecto negativo mascarado ou oculto e temos que ter cuidado com pessoas que são boas demais para ser verdade. Agora, do ponto de vista da pessoa procurada, ela em particular pode usar da desculpa de que ninguém é perfeito para capturar, fisgar, e isso é muitíssimo perigoso.


Os jogadores não precisam amar tudo no seu jogo, mas alguma coisa pelo menos. Alguma coisa deve fazê-los se sentirem apaixonados pelo jogo. É mais importante se preocupar com os jogadores se apaixonarem por algo no jogo do que se preocupar com algo que os jogadores vão odiar. Não se apaixonar por nada no jogo é pior do que ter algo que desperte ódio nos jogadores. Quando algo gera fortes reações é inevitável que gere reações fortes tanto positivas quanto negativas. Alguns jogadores inclusive gostam de odiar aquilo que outros jogadores amam.

Aqui vai um adendo a tudo que Mark disse. Se por acaso o que os jogadores detestam num jogo é justamente uma parte inevitável do próprio jogo, como um level no meio do jogo ou alguma mecânica, as chances dos jogadores abandonarem o jogo são altas. Os jogadores podem amar ou odiar um ou mais levels no jogo. Mas, se por exemplo, é o primeiro level que desperta ódio, a chance do jogador ficar com uma péssima impressão do jogo simplesmente não faz sentido para o sucesso do jogo. Se um level no meio do jogo simplesmente quebrar com toda a cadência do jogo e causar muitas reações negativas em muitos jogadores, esta fazendo mais mal ao jogo do que deveria. A questão do magic é que uma carta em si nunca é obrigatória no baralho, o jogador pode simplesmente não jogar com ela se ele detesta aquela carta.