Permita que o jogador torne o jogo pessoal

Mark se recorda de uma conversa que teve com Christopher Rush, um dos ilustradores mais famosos das cartas. Entre as ilustrações feitas a Black Lotus, a carta mais famosa e cara do jogo. Naquela conversa Chris sugeriu fazer terrenos básicos sem texto, a arte da carta ocuparia todo o espaço. O argumento é de que os terrenos básicos são uma carta que todos os jogadores sabem o que faz, por que não usar todo o espaço da carta para a arte e deixar o texto fora? O argumento contra era de que os terrenos básicos não deveriam ter tanto destaque na mesa, afinal a maior parte do jogo se volta para as outras cartas.

Um tempo depois Mark estava criando um set de comédia (Unglued), não usual e que teria cartas não válidas para campeonatos. Um set que poderia não seguir as regras usuais do jogo e fazer algo novo. Mark resolveu persuadir a empresa a usar terrenos básicos com arte ocupando todo o espaço da carta. Como o set não obedecia às regras do jogo não houveram objeções. O sucesso dos terrenos com arte ocupando a carta inteira e sem texto provou ser uma ideia viável e que foi repetida outras vezes.


Um comentário mais pessoal: às vezes os desenvolvedores não se permitem uma ideia por convicções que depois se provam falsas. No caso, ninguém queria apoiar a ideia dos terrenos com arte ocupando toda a carta, exceto Mark. Poderia ter dado errado? Poderia. Mas se não tivessem feito as cartas, nunca iriam saber na prática.


Na faculdade, Mark aprendeu um fato interessante a respeito de publicidade. Se você estiver num lugar cheio de produtos que você nunca comprou, como você escolhe um? O cérebro tende a buscar aquilo que lhe é mais familiar e essa familiaridade esta muito ligada à marca. Se a marca é conhecida a tendência é você já esperar uma certa qualidade, mesmo que o produto seja desconhecido. A lição que ele quer passar é que pesa muito para um jogo o fato de um jogador sentir que faz parte do jogo. Como assim? Magic já permite escolha de cores, estratégias, tipos diferentes de cartas evocam emoções diferentes, há diversas formas de ganhar, etc. Magic já é uma marca forte e a novidade dos terrenos com arte ocupando toda a carta é mais um meio de fotalecer este vínculo da marca com o jogo e o jogador.

Créditos imagem: path of exile fandom

Path of Exile é um jogo extremamente complexo, mas isso tem um objetivo e ele consegue atingir este objetivo. O jogo dá ao jogador uma possibilidade de construir um personagem com trilhões de combinações possíveis. Nisto o jogo consegue ser bom. É um RPG com tantas possibilidades de criação que não há jogo que chegue perto. O que a base de jogadores deste jogo mais gosta é justamente de poder criar um personagem com total liberdade.

Sem julgar quanto as pessoas gastam no jogo e sem entrar no mérito da classe social. Path of exile é um jogo que vende roupas e acessórios de luxo assim como outros jogos hoje. Em alguns jogos isto é chamado de "Pague para vencer", porque o que você compra no jogo dá uma vantagem muito grande ou é necessário para aproveitar partes do jogo. Em PoE alguns jogos gastam centenas, senão milhares, de $ para comprar cosméticos que não dão nenhuma vantagem no jogo. Por quê um jogador faria isto? Porque eles se sentem atraídos pelo jogo e querem uma experiência personalizada que não é possível ter sem comprar os tais itens no jogo. Eu não tenho experiência profissional, mas é assim que eu vejo o ponto de vista de Mark aplicado no PoE.

O ponto principal da lição de Mark é que os jogadores querem jogar da forma que desejarem. Se os jogadores odeiam uma carta, eles podem escolher não jogar com aquela carta. Se odeiam um formato, podem não jogá-lo ou criar um formato próprio. Como Mark bem entende, a audiência é muito poderosa porque eles podem fazer muito barulho. Se eles pararem de jogar o seu jogo, pode fechar o caixão dos criadores daquele jogo. Vamos pensar em Bioshock. O que fez com que Bioshock se diferenciace de outros jogos de Tiro em Primeiro Pessoa? Uma história muito aprofundada e personalização. Os jogadores tinham à sua disposição diferentes poderes, incrementos e armas e podiam escolher o seu próprio caminho de progresso. Tudo isto é mais diretamente ligado à mecânicas e filosofias de design, mas se formos para o nível do level design, o que podemos aprender?

Pense em jogos de corrida. Sempre há uma pista fixa e imutável. Alguns jogos como Ned for Speed trouxeram a ideia de atalhos. A pista ainda é fixa, mas agora os jogadores podem pegar atalhos para ganhar mais corridas. Indo além e temos jogos que permitem a construção de pistas personalizadas. Em 1993 Doom trouxe secretos e os jogadores podiam provocar brigas entre os monstros para economizar munição. F.E.A.R. trazia caminhos alternativos em cada level e os jogadores podiam atacar de diferentes posições. F.E.A.R. foi um passo além e trazia uma I.A. capaz de se aproveitar dos caminhos alternativos para surpreender e emboscar o jogador. Eu não tenho experiência profissional, mas veja os jogos de Jedi Knight. O level design sempre se preocupou com permitir que o jogador completasse cada level de muitas formas, algumas mais difíceis do que outras. Aí esta a chave: os jogadores querem ter uma experiência personalizada. O fato de existirem muitos canais dedicados à speed runs ou jogadores que se impõe desafios como completar um RPG sem subir de nível ou um jogo sem tomar dano valida o argumento de Mark.

Os detalhes são o que fazem o jogador se apaixonar pelo seu jogo

Esta carta não tinha nenhum objetivo maior no jogo, nem era uma carta poderosa. O impacto que ela teve no jogo foi por causa da criatura que ela mostra, chamado de "Fblthp" (impronunciável). Esta criatura gerou uma onda de memes tão grande, com tantos jogadores pegando a criatura e fazendo montagens, que a própria empresa vendeu produtos com ela. Isso provou que em magic, muitas vezes os jogadores se apaixonam por algo que aparentemente não tinha muita importância. Hoje é bem sabido que muitos jogadores colecionam cartas e se apegam a um artista ou a um personagem das cartas.

A lição que Mark quer trazer é que coisas grandiosas ou muito comuns atraem muita atenção. Como o jogador busca uma individualidade dentro do jogo, a atenção se volta para pequenos detalhes, a exemplo desta criatura acima. Isso vale para o jogo como um todo. Há os jogadores que adoram cartas que mostrem raios. Há jogadores que adoram cartas de anjos. Há jogadores que adoram um certo personagem. Há jogadores que adoram um estilo de carta. Há uma infinidade de detalhes, grandes ou pequenos, que vão atrair a massa de jogadores numa ou outra direção. Muitas vezes os pequenos tem um impacto menosprezado ou até mesmo não previsto.

Isso se aplica a level design? Sim. Muitas vezes os jogadores se apaixonam por um detalhe do jogo. Pode ser um level em particular dentre todos os levels de um jogo. Pode ser um personagem dentre todos do jogo. Pode ser um colar que um personagem usa. Pode ser uma certa sala, um pequeno pedaço de um level. Pode ser um cartaz dentro de um level. Há jogadores que se deleitam com um cenário montanhoso de um level. Mas também há jogadores que se deleitam com uma simples cena de um corpo numa cadeira numa sala dentro de um prédio por exemplo. Aquela cena pode despertar um interesse num jogador por algum detalhe que causou um grande impacto. Os sons, as texturas, a posição de uma luz, algo que pode não ter sido nem mesmo intencional ou previsto por parte de quem fez aquele level.

Créditos imagem: IGN

Bioshock neste sentido é um bom exemplo. O level design deste jogo se preocupa com os pequenos detalhes. São tantos pequenos detalhes que há jogadores que adoram o jogo por causa de muitos pequenos detalhes que eles podem encontrar. Há a atmosfera como um todo, mas os jogadores que se apaixonaram pelo jogo se importam com detalhes que podem ser tão pequenos quanto uma chave numa mesa. A cidade submersa de Rapture tem uma grande quantidade de fans pelo mundo e cada um desses fans se apega a um ou outro aspecto particular. O que Mark disse sobre os pequenos detalhes importarem tem grande valor para muitos desses fans de Rapture.

Permita que os jogadores tenham um senso de posse

Magic tem uma característica que são os formatos. Os formatos eliminam cartas e restringem as opções de cartas. Os formatos oficiais são aqueles válidos em campeonatos. Mas os jogadores podem fazer um formato se quiserem, com as próprias regras. O formato "commander" por exemplo, foi criado por juízes do jogo que queriam se divertir depois de horas julgando campeonatos oficiais. É um formato com regras próprias, como limitar todos os baralhos a 100 cartas, sem mais ou menos cartas. A empresa viu o formato crescer e ganhar adeptos até que resolver oficializá-lo, lançando cartas e baralhos prontos para o formato.

A lição que Mark quer passar é a de que os jogadores se sentem mais motivados e envolvidos naquilo que eles tem parte na criação. É natural, qualquer pessoa tem uma conexão mais forte com aquilo que ela própria faz. Isso vale para trabalho, objetos, arte, filhos, etc. É possível ir a fundo na psicologia e discutir por que uma pessoa se sente apegada à própria criação mas isso é outro assunto. Magic faz isso de muitas formas, mas a mais básica delas é que o jogador tem total liberdade de escolher um formato e fazer uma estratégia com as cartas daquele formato. Todo jogador de magic detém a posse das próprias cartas e isso realmente torna o jogo mais pessoal.

Um dos motivos do sucesso do Minecraft é que o jogo permite ao jogador ter poder sobre o ambiente. Os jogadores tem total liberdade de criação dentro do jogo. Há muitos grupos de jogadores que constroem tudo aquilo que se possa imaginar no jogo. Desde lugares reais, levels de outros jogos até continentes inteiros baseados em mapas reais de satélites. Jogos como unreal tournament, quake e doom trouxeram ao mercado ferramentas de criação de mods e levels que dão ao jogador a possibilidade de criar algo personalizado. Existem comunidades por trás disso e inclusive se torna uma porta de entrada para empregos. Há algumas questões de direitos autorais e a complexidade das ferramentas em si, mas isso é assunto para outra discussão.

Este site mesmo é uma prova do argumento de Mark. É sobre level design e ele só começou porque alguns jogos vieram com ferramentas de criação de levels.