Arquitetura e design

  • Coesão e coerência: As escolhas arquitetônicas e de design num jogo não podem ser aleatórias. Precisa haver uma coesão e coerência com um tema escolhido. A história, as mecânicas, o ambiente, devem transmitir ao jogador uma mensagem que seja inteligível e não o deixe com a tarefa de adivinhar o que o desenvolvedor queria. As coisas não precisam ser rígidas e inflexíveis como carros terem sempre quatro rodas ou o corpo humano sempre ter dois braços e duas pernas. Há espaço para criatividade. O problema é quando objetos ou estruturas no jogo simplesmente não tem forma e função definidas. O jogador simplesmente não vai saber o que fazer porque a referência que todos tem é o senso comum. Se o jogador tem uma tesoura, é natural pensar que algo precisa ser cortado ou que a tesoura é uma arma. Agora se a tesoura será usada para apoiar um objeto ou será usada como uma chave para abrir alguma porta, a menos que haja uma justificativa plausível, o jogador não saberá o que fazer. Existe um limite entre criatividade e a falta de bom senso.

Todo tipo de texto precisa ser coeso e coerente, em qualquer idioma que seja. O mesmo se aplica a leveldesign e ao design dos jogos em geral. Se um poder que o jogador tem resolve um desafio e numa outra situação com um desafio do mesmo tipo o mesmo poder não serve para nada, houve uma quebra de coerência. Se um level do jogo muda de tipo de ambiente sem nenhuma explicação plausível, houve uma quebra de coesão.

Todo jogo precisa seguir um padrão em suas próprias escolhas. Não segui-las confunde o jogador. Se locais com muita luz são seguros como em Alan Wake. Então todos os locais iluminados do jogo devem ser seguros, a menos que haja uma boa desculpa para não seguir o padrão. Se árvores sinalizam algo no jogo, devem sempre sinalizar a mesma coisa. Se caixas de primeiro socorros são brancas, então não faz muito sentido uma armadilha ser uma caixa também branca. Se uma luz vermelha sinaliza perigo, usar uma luz vermelha, mesmo que de outro tipo, para chamar a atenção para outra coisa que não seja perigo confunde o jogador.

Em termos de level design o jogo precisa ser coeso no tema. Isso quer dizer que os levels não devem ser aleatórios. Se há uma história e uma progressão, os levels devem refletir isto no tema. Numa cidade em que há bairros e cada bairro representa alguma cultura diferente, deve haver uma coesão de personagens, arquitetura e história para cada bairro. Se o personagem vai conseguindo veículos ou poderes, cada level deve refletir o uso daquele veículo ou poder e todos os levels no conjunto devem contar uma história coesa. Se um jogo tem vários levels dentro de um edifício, cada level pode representar uma área com um tema diferente: serviço, geradores de energia, estacionamento, academia, etc. Já misturar áreas alagadas, incêndios, áreas em construção ou reforma e um centro de treinamento da polícia tudo dentro de um mesmo edifício fica muito desconexo. Perde-se a coesão.


  • Desafios e obstáculos: Os desafios e obstáculos do jogo, do ponto de vista arquitetônico, também precisam ser coerentes e coesos. Soluções extremamente complicadas ou de alto custo para um problema simples são ilógicas. Não faz muito sentido o jogador poder destruir uma ponte que é necessária para atravessar um lugar e, uma vez destruída, não há outro caminho. Se um prédio tem paredes sólidas de pedra e uma janela de vidro. Fica incoerente o jogador entrar derrubando uma parede enquanto o vidro é indestrutível.

Em termos de história e tema é bom que os obstáculos e desafios tenham sentido e façam parte da história. Assim, resgatar presos numa prisão, o level deve ser uma prisão e com desafios e obstáculos que façam sentido. Torres com armamentos, locais para se proteger, corredores para seguir, janelas que permitam ver o lado de fora, etc. Se o jogador precisa escapar de um prédio em chamas, devem haver rotas previstas no meio do fogo e locais já previstos de explosões, desabamentos, buracos nas paredes e toda uma sequência que seja solúvel e ao mesmo tempo desafiadora.


  • Exploração: Um outro ponto importante é a exploração do ambiente. Isso ajuda a imergir o jogador na história e no lugar. Uma questão importante é que o tamanho não dita se o ambiente tem muita ou pouca exploração. Um lugar muito aberto e com poucas coisas não tem muita exploração. Já um lugar pequeno mas com muitos objetos ou com muitas partes interativas pode ser mais explorável do que um lugar grande.

Em geral a exploração do cenário não é prioridade nos objetivos do jogador para completar o jogo. A menos que um objetivo no jogo diga para procurar um caminho ou objeto que esta escondido em algum lugar.


  • Colisão: Um problema que todo jogo tem é a colisão da geometria. No mundo real se o seu corpo bate num degrau de 1 cm você tropeça, perde o equilíbrio ou não acontece nada. Isso só acontece porque o seu corpo se adapta à pequenas variações de contato automaticamente. Num jogo essa simulação física é muito complexa de fazer na animação do personagem. É por isso que muitas vezes há paredes invisíveis ou a geometria tem um aspecto que foge da realidade. Por ex: o personagem pegar um objeto nas mãos e os dedos fecharem exatamente na geometria é um processo muito complexo, custa muito processamento fazer isso com exatidão. É por isso que levels multijogador são feitos com paredes retas e lisas, sem grandes relevos ou degraus nas paredes. Uma geometria cheia de "dentes", "zig zag" ou protuberâncias vira um problema para a colisão dos jogadores. A menos que hajam paredes invisíveis por cima.

As paredes invisíveis podem criar um outro problema que é a colisão dos tiros. Em jogos onde a mira das armas é muito exata, acertar tiros em paredes invisíveis não pode acontecer. Nestes casos a geometria deve corresponder com exatidão à colisão para evitar tiros que acertam uma parede invisível. É por isso que paredes invisíveis só podem ser usadas em alguns lugares como paredes onde o jogador não vai estar do outro lado e nem num ângulo muito oblíquo. Se há um pilar cilíndrico no meio de uma sala e a colisão é um cilindro com menos faces, vai dar problema na colisão dos tiros. Se o jogo usa geometria de alta e baixa resolução para fins de performance, não se pode esquecer da colisão.


  • Escala e proporção: a escala do cenário e dos objetos num jogo nunca é idêntica ao mundo real. Há uma distorção em relação ao aspecto real das coisas. Isso acontece por questão de câmera. O campo de visão num jogo depende da área da tela (resolução maior permite um campo de visão maior) e o ângulo de abertura da visão do jogador num jogo não corresponde exatamente ao campo visual de uma pessoa comum. Fora isso há a questão da perspectiva ser em primeira pessoa, realidade virtual ou terceira pessoa. Em terceira pessoa a câmera fica acima do jogador e isso exige um espaço maior no cenário. Em primeira pessoa a câmera pode estar na altura da cabeça do jogador ou um pouco mais baixo e isso muda a percepção de altura do cenário.

Uma maneira prática de tirar medidas num jogo é usar o tamanho do jogador como base. Por ex: os degraus de uma escada terem uma altura que corresponda a dois pés do personagem. Uma cadeira não vai ter pernas maiores do que as pernas do personagem. No mundo real uma porta não é muito mais larga e nem muito mais alta do que o tamanho de uma pessoa comum. Mas num jogo as portas costumam ter uma largura e altura maior do que o normal. Isso acontece por causa da câmera do jogo. Como num jogo a câmera tem um campo de visão que é menor, uma abertura menor, do que o campo de visão de uma pessoa, percepção no jogo é de que as coisas estão mais próximas do jogador. Isso "força" as coisas a serem um pouco maiores do que seriam no mundo real.

Além das questões de realismo há as mecânicas e a jogabilidade. O jogador pode pular mais alto do que seria possível para uma pessoa comum e correr muito mais rápido também. Isso também deve ser levado em consideração. O cenário pode ser muito maior / menor por questões artísticas, como para transmitir a sensação de inferioridade / superioridade ou solidão / claustrofobia. O jogador pode enfrentar inimigos que tenham metade da sua altura ou que sejam 10x mais altos. O tamanho do cenário precisa acomodar os personagens e as habilidades que eles tem.

Outra questão que entra é a percepção visual quando se fala em luz e textura. Se você iluminar um lugar com muita luz ele parecerá maior do que realmente é. Experimente pegar uma sala qualquer e troque todas as cores por tons escuros e reduza a iluminação. Mesmo sem trocar nenhum objeto de lugar a percepção que se tem muda. A mesma coisa acontece com as texturas. Se você esticar as texturas para algo como 4x o tamanho normal, o lugar dará a sensação de que o jogador é um anão em relação ao ambiente. Mesmo que o tamanho físico seja o mesmo. Ao contrário, se as texturas forem mudadas para 1/4 do tamanho original, o jogador irá parecer um gigante.

Um último ponto é uma limitação tecnológica. Representar num jogo um cenário numa escala 1 : 1 exige muito espaço de armazenamento e muita memória, então é preciso reduzir a escala. Isso também esta relacionado com a velocidade do jogador. Num jogo as escalas de tempo também são reduzidas e 1 minuto no jogo não é 1 minuto real. Quando um jogador anda entre duas cidades num jogo por exemplo, o trajeto pode levar 5 minutos. Mas na vida real seriam 10 horas. Jogos que lidam com cenários do tamanho de cidades inteiras, países inteiros ou até mesmo em escalas astronômicas de planetas e galáxias. Com distâncias muito muito grandes começa a aparecer um problema de precisão. Como representar números grandes no computador? Erros de precisão começam a ser problemáticos na localização do jogador no espaço. Esse é um problema que em geral não vai afetar quem lida com a parte artística do jogo. Vai afetar principalmente a programação.


  • Eventos programados: não é diretamente relacionado com level design. É mais uma questão de jogabilidade e game design. O que muitos jogos fazem é ter eventos programados que não podem ser pulados ou evitados. Por exemplo um chefe da fase. Sem derrotar o chefe o jogo não continua. Há um problema com os eventos programados que é relacionado com level design de certa forma. Suponha que o jogo tenha um cenário destrutível. Se o jogador não pode destruir o cenário para ganhar vantagem e o jogo permite a destruição em outras partes, vai ficar desconexo. Pior ainda se os inimigos podem destruir o cenário para ganhar vantagem sobre o jogador! Se os inimigos podem roubar carros para escapar ou atacar o jogador e o jogador não, vai ficar desconexo. Se o jogador fica encurralado num canto quando claramente havia outra opção, mas o jogo não permitiu e forçou o jogador para lá, vai ser frustrante. O level design deve fazer sentido para o evento programado. Não pode ser desconexo um do outro. Forçar o jogador a uma ação que contradiz os sentimentos, pensamentos do jogador ou mesmo o próprio level design leva a experiências ruins.