Entenda quais emoções o seu jogo esta tentando evocar

O exemplo que ele cita é o set Innistrad. O tema central era o horror e como trazer o horror para o jogo? O horror esta atrelado ao medo, então o objetivo passa a ser fazer cartas que transpirem o medo. Uma das mecânicas era a transformação, cartas dupla face onde uma face era uma criatura pequena e a outra uma criatura poderosa e assustadora. Cartas dupla face em magic são cartas que usam ambas as faces, efetivamente dobrando a funcionalidade da carta. Uma das faces é a principal, a outra só entra em jogo segundo uma condição que precisa ser satisfeita. Por ex: a carta pode ser uma criatura 1/1 na face principal e 10/10 no outro lado. Como o outro lado não fica visível, cria-se uma tensão. O jogador pode saber qual carta é do outro lado, mas ainda assim, a tensão pode vir do momento em que a criatura se transforma.

Uma mecânica criada foi "mórbido". Cartas com essa habilidade tem um efeito que depende de uma criatura ter morrido naquele turno. Isso leva os jogadores a se preocuparem. Se uma criatura morrer no turno há o medo de que isso vá tornar alguma carta mais poderosa. Uma criatura pode morrer ao ser destruída ou no combate, então o ataque, defesa e efeitos que destruam criaturas passam a ter um valor emocional no jogo. A decisão de fazer ou não fazer depende das emoções e no set Innistrad o objetivo era fazer os jogadores sentirem medo. O set foi um sucesso por ter evocado o medo da mesma forma que um livro ou filme de terror.

Uma frase que Mark aprendeu num curso de roteiro para cinema e TV vem de uma professora que dizia "Uma cena não vale mais do que um filme, uma linha não vale mais do que uma cena". Uma cena pode ser excelente, mas se não tiver propósito no filme, ela tem que ser cortada. Uma frase, uma linha de texto, se não servir para criar o ambiente da cena, ela precisa ser cortada. Uma carta de magic precisa servir para criar um ambiente no set. Pode ser uma carta com muitas qualidades, mas se não servir ao tema do set, tem que sair. O pior que a carta pode fazer é evocar outra emoção que seja incompatível com o ambiente do set. Tudo isso se estende ao jogo em si, cada parte deve servir para atingir um objetivo comum e se não servir, então aquela parte deve sair.

Em level design o tema do jogo deve ser condizente com o level design. Os levels precisam evocar a emoção que o jogo quer passar. Não há uma forma só de fazer isso, mas conhecer e estudar as emoções é um conhecimento necessário para conseguir esse objetivo. F.E.A.R. por exemplo é um jogo de horror sobrenatural e naturalmente o jogo se passa de noite em locais escuros e mal iluminados. Max Payne é um jogo que lida com o sentimento de perda da família e de vingança e isso é refletido no level design. Um ambiente urbano, frio, neve e os levels não são limpos na maior parte do tempo. Tomb Raider é um jogo que preza por exploração e muitos lugares são cavernas, templos e paisagens naturais.

Créditos imagem: Shirrako

Em Uncharted 3, o final do jogo se passa num deserto. Os desenvolvedores testaram a ideia e muitos jogadores gostaram do ambiente criado. A intenção era de fazer o jogador sentir o mesmo que o personagem principal. Um deserto transmite solidão, cansaço, alucinações, busca por qualquer coisa que ajude a sair dali, sobrevivência. Tudo isso foi conseguido e não apenas o level design foi pensado. A atuação do ator, as falas, os objetos encontrados, a programação dos eventos, o roteiro.

Referência: Best of 2011 (Behind the Scenes): lost in the desert, 'Uncharted 3'

Créditos imagem: Video Gaming Library

Em Tomb Raider 2013 o jogo não tem nenhuma parte em que Lara precisa nadar. Isso foi uma escolha de roteiro. Mas por trás da decisão pode haver alguma dificuldade técnica pois para fazer levels aquáticos a física é mais complicada. Em Tomb Raider muitos levels incluem escaladas e lugares altos. Isso esta relacionado com a caracterização do personagem. Um personagem que pula de lugares altos se arrisca mais, é mais destemido.

Uma última questão antes de terminar esta página: O que fazer se eu não entendo uma ou mais emoções? Primeiro, existem condições que prejudicam a habilidade de entender ou sentir emoções. Algumas estão relacionadas com danos cerebrais ou déficits e não vou entrar nesta discussão. Segundo, reconhecer uma emoção não é exatamente a mesma coisa que senti-la. Eu menciono isto porque também existem pessoas com déficits no reconhecimento de uma ou mais emoções. Levanto esta questão porque as emoções são difíceis de entender e ainda mais difíceis de lidar.

Mark cita como eles (os criadores de Magic) foram bem sucedidos em transmitir as emoções no set Innistrad. Temos uma carta na mesa que é uma criatura pequena na face frontal, enquanto o verso é uma criatura muito mais forte e assustadora. Com dois jogadores temos este cenário: o defensor pode estar com medo porque ele ou ela sabe que a criatura se transforma, com o outro lado da carta sendo uma grande ameaça para ele ou ela. O atacante pode estar excitado porque ele ou ela sabe que aquela criatura é o caminho da vitória. Porém, o defensor pode não estar com medo? Você poderia perguntar, por quê não? Pode ser que o defensor tenha uma mágica em mãos que pode matar aquela criatura. Mas e se o atacante souber da mágica e tiver uma contramágica para responder? Vê? As emoções não são pré-determinadas e elas mudam de um estado para outro durante a partida. Eu acredito que Mark é muito bom em entender tudo que acabei de dizer.

É muito fácil errar com as emoções e fazer falsas premissas porque frequentemente temos o viés. Vou usar Mark como exemplo. Na 13° lição da sua apresentação na GDC (Conferência de Desenvolvedores de Jogos em tradução do inglês) ele cita que a mecânica "Gotcha" parecia divertida quando foi feita, mas não era para os jogadores. Já aconteceu comigo e mais de uma vez de fazer um level com um desafio que parecia fácil, mas era difícil para os jogadores ou vice-versa. Posso achar que um level é assutador quando não é para vários jogadores. Pense no medo de voar, aerofobia. Mesmo que você tivesse um grupo de dez pessoas com este mesmo medo, cada uma teria num grau diferente e medo por diferentes razões. Um grande erro é presumir que todos sentem a mesma coisa em relação à algo apenas porque você acha que entende sobre aquilo. Esta seria a minha lição pessoal para complementar a lição de Mark.

A essência da lição de Mark é que devemos não apenas entender a(s) emoção(ões) que queremos transmitir, mas também saber como o público alvo se sente. É uma via de mão dupla com um nome: empatia.


Referência: