Contar histórias

O level design deve sempre estar atrelado à história do jogo. Deve haver uma consonância entre a história, o tema, o ambiente e o jogo. Na série de TV CSI todos os episódios lidam com a investigação criminal. Cada crime deixa pistas e as pistas são encontradas e descritas pelos peritos para contar uma história de um crime. Num jogo isso também precisa ser feito. Se o jogo trata de uma guerra civil o ambiente deve transmitir a guerra. Se uma cidade é uma cidade rica e com baixa criminalidade o ambiente deve ser limpo e transmitir a ideia de segurança. Um erro grosseiro que um jogo pode cometer é colocar uma morte num cenário e dizer que houve um tiroteio. Mas o ambiente simplesmente não tem nenhuma marca de tiro em lugar nenhum.

É importante frisar que nem todos os jogadores terão a mesma interpretação do ambiente. Muitos dos episódios de CSI começam com uma interpretação sobre quem fez o que ou o que aconteceu, mas isso muda conforme mais pistas e informações são coletadas e a história do que aconteceu muda no final do episódio. Num jogo isso pode até ser proposital, como num caso de um vilão que intencionalmente esta manipulando o jogador. O problema é se o desenvolvedor pretendia uma certa interpretação e uma grande parte dos jogadores tem uma interpretação totalmente diferente. Isso também vale para desafios e obstáculos.

Há uma questão que é tecnológica. Se o ambiente hora esta limpo e hora esta sujo, a tecnologia é o que permite mudar as texturas, iluminação, disposição de objetos, de acordo com o que se quer passar. Mas ao mesmo tempo a tecnologia não é necessariamente um impeditivo à narrativa. Se por exemplo um lugar é alagado pela chuva. Em termos de tecnologia a simulação realista da água inundando um lugar é algo muito complexo de se fazer até mesmo no cinema com supercomputadores. Mas nada impede que o ambiente seja feito em dois estados, um seco e outro alagado. No cinema uma solução criativa para montar cenas de destruição é criar miniaturas. É esta a criatividade que é necessária para contar uma história através do cenário num jogo. No caso do CSI o crime já aconteceu, o que sobrou foram as evidências. Num jogo um alagamento pode não ser viável de ser simulado em tempo real, mas o cenário em si pode deixar isso claro com evidências de um alagamento.

Há muitas maneiras diferentes de casar o tema com o ambiente e a história. Qualquer que seja o modo escolhido precisa haver coesão e coerência. Colocar vários corpos queimados numa sala totalmente limpa e sem nenhuma marca de queimado fica estranho. Um personagem humilde e pobre morando numa mansão enorme e luxuosa não faz sentido. A própria arquitetura do lugar precisa ser coerente em si mesma. Uma ponte pode ter qualquer estilo arquitetônico que seja, mas em termos de engenharia a ponte deve transmitir uma ideia de que é uma estrutura estável e resistente. Fica também destoante uma ponte que seja muito bela, mas num cenário de destruição e que não tem nenhuma explicação para a ponte ser limpa e luxuosa no meio de um cenário de destruição.

Precisa também haver um trabalho de pesquisa bem feito, senão incoerências acontecem. Se um personagem segue uma religião, as roupas e ambiente do personagem precisam remeter à religião correta. Às vezes a arquitetura de um ambiente remete a uma religião que não condiz com o personagem por erro de pesquisa. Um exemplo é a suástica do nazismo. O símbolo é igual ao usado no Jainismo e budismo, mas invertido. Se no jogo há uma cidade com temática chinesa o jogo precisa ter cuidado com não por qualquer coisa ali, como por exemplo arquitetura característica da Tailândia ou das Filipinas como se fosse chinesa. Tailândia e Filipinas ficam ali no sudoeste asiático, mas são bem diferentes da China.


Linear x não-linear

O level design pode ser linear ou não linear. Por extensão, o jogo todo pode ser linear ou não linear. Um level design linear é mais intuitivo e simples de fazer, pois a sequência de eventos é mais natural. Um jogo linear também é mais simples de ser feito pela mesma razão. A história progredir numa linha temporal reta é muito mais simples de ser contada do que quando há muitas voltas, linhas temporais paralelas ou viagem no tempo.

Num level linear os obstáculos e desafios são colocados numa sequência fixa e que o jogador sempre passa numa mesma ordem. Assim, os pontos A, B e C da fase não podem ser pulados e o jogador obrigatoriamente passa pela ordem A-B-C. Fica mais fácil fazer um level assim porque quando o jogador chega em B, obrigatoriamente já passou por A. Quando chega em C, obrigatoriamente passou por A e B. Assim há condições impostas e o level fica mais fácil de ser planejado. O obstáculo A ser mais fácil do que B, que por sua vez é mais fácil do que C é uma ordem mais natural e intuitiva.

Não necessariamente o level precisa ter as áreas todas na ordem A-B-C. As áreas podem ser revisitadas quando áreas que estavam bloqueadas ou inacessíveis se tornam acessíveis após passar por um obstáculos mais na frente. Ou então um objeto inativo passa a ficar ativo numa área já visitada. Isso favorece a exploração. O level continua sendo linear numa sequência obrigatória de objetivos que sempre são cumpridos numa mesma ordem, mas permite voltar em lugares já visitados para encontrar alguma coisa nova.

O caso não linear é mais complicado. O level pode ter uma porta que precisa de três chaves, A, B e C. Mas não importa a ordem. O jogador pode ir atrás de A, B ou C em qualquer ordem. A dificuldade de encontrar A, B ou C pode ser tanto igual para todos como diferente para cada um. Não há uma regra quanto a isso. Não há nenhum impedimento para que o jogador complete um ou outro objetivo primeiro. Os objetivos são independentes e um não afeta o outro. Até poderia haver um entrelaçamento, mas fica muito complicado. Suponha que sejam dois objetivos e ao fazer um, algo acontece que modifica alguma coisa no outro. Se são apenas dois, então o jogador pode jogar duas vezes, uma para cada ordem e obter o mesmo resultado mas com caminhos distintos. Agora com mais de dois começa a gerar muitas bifurcações e complicações com um objetivo afetando os outros.

Um modo de combinar linear e não linear é com uma estrutura primária que seja linear. Suponha um jogo com 5 partes. Cada parte por sua vez tem 3 capítulos, num total de 15 levels. As 5 partes são completadas sempre numa ordem sequencial. Mas os capítulos não tem uma ordem preferencial, são completados em qualquer ordem. Em termos de história, a história é sequencial e contada em 5 partes. Mas há subdivisões que podem ter a ordem trocada, dentro de cada parte. Como qualquer história precisa ter começo, meio e fim fica muito difícil a ordem dos levels num jogo não ser linear. Alguns podem não ser, mas precisa haver pontos fixos com uma ordem cronológica fixa.


Referências culturais

Esta é provavelmente a técnica mais adotada no cinema e na TV. Muitas referências culturais. Há uma questão de preconceito e referências interculturais não intencionais e que podem gerar polêmica, mas não é este o ponto aqui. Mark Rosewater, da Wizards of the Coast, empresa que faz o jogo Magic The Gathering, diz que uma das mais poderosas armas que eles tem são as referências culturais. Quando os jogadores identificam tais referências é muito mais provável que eles tenham um maior envolvimento emocional com o jogo. Dê uma olhada em filmes como Vingadores, Liga da Justiça, Superman e outros super heróis. Os escritores e roteiristas não criam histórias do nada. Eles precisam criar histórias e escrever cenas que façam referência aos quadrinhos, porque há o risco de descaracterizar os personagens, os ambientes ou o clima e o resultado pode ser desastroso. Pode acabar resultando numa fúria de fans e críticas pesadas por exemplo. Quantos filmes ou séries fracassaram por causa disso?

Inclusive este é o problema dos remakes de jogos. Algumas vezes você tenta consertar o que não precisa e acaba com um produto pior do que o original. Como eu não tenho experiência com isso não posso fazer mais comentários a respeito. Eu não sei dizer quando uma referência deve ou não ser feita e nem qual fazer. Se você olhar para o Duke 3D, ele tem muitas referências culturais a filmes e outros jogos espalhadas por todos os levels. Pessoalmente eu diria que muitas vezes as pessoas querem ser originais. Elas querem algo único e de grande destaque, o que significa não fazer referências culturais. Se aproveitando das 20 lições de game design dadas por Mark Rosewater, eu diria que é uma questão de ego o desejo por originalidade. Talvez uma visão diferente a respeito disto seja pensar que a originalidade não esta sempre em criar algo completamente novo, mas em ver algo pré existente sob uma nova perspectiva. Há muito material para usar como referências e inspiração, mas a interpretação que cada um dá é particular para cada um.

Eu devo dizer que há uma diferença entre plágio e homenagem. O primeiro pode muito bem ser um crime, mas o segundo não. Todos temos inspirações a partir de coisas que significam algo importante para nós. Se vamos copiar aquilo ou adaptar ideias é uma área cinza porque estaremos adentrando o reino dos direitos autorais.


Eventos pré-programados

É qualquer evento programado para acontecer quando algumas condições são satisfeitas. Se não acontecer, temos um bug. A maioria dos jogos tem alguns eventos pré-programados e eles são feitos para incrementar a experiência do jogador ou apenas para garantir que algo aconteça exatamente da maneira esperada. No doom original haviam lutas contra chefes que não podiam ser evitadas ou puladas. Em jogos modernos há sequências cinematográficas ou diálogos que sempre acontecem na mesma ordem, independentemente de outros fatores. As histórias dos jogos dependem bastante desses eventos.

O level design é diretamente afetado por eventos pré-programados, pois o level precisa ser concebido para se adequar ao evento. Suponha que um monstro vai atacar o jogador numa cena. Por onde o monstro vai entrar? Pelo teto? Quebrando uma parede? Pelo chão? Será teleportado de outro lugar? Um personagem vai abrir uma porta? O monstro estava dormindo e vai acordar na presença do jogador? Qualquer que seja a forma de entrada do monstro o level precisa ser feito pensando nela.

Os problemas mais difíceis acontecem quando se tem que lidar com IA e/ou física interagindo dinamicamente com o level. Aí temos um certo grau de imprevisibilidade que é difícil de resolver. Um exemplo simples: suponha que você precisa atirar uma granada. Se o vento for muito forte e a física arrasta a granada com o vento, fica difícil de acertar o alvo. O mesmo se aplica a IA porque ela pode tomar ações que não produzem o resultado esperado.

Outro problema que não pode ser ignorado e que pode enlouquecer ou frustrar os jogadores diz respeito ao evento em si. Os jogadores não querem ser direcionados forçadamente quando aquela opção claramente não era a melhor ou havia outra alternativa. Precisamos ter cuidado com a experiência do jogador. O ponto de vista do jogador não pode ser ignorado.

Agora chegamos numa questão: quando um evento pré-programado deve acontecer? Como eu não tenho experiência com direção o que eu posso comentar é do ponto de vista do jogador. Os dois momentos mais comuns são o início e o fim de um level. Para qualquer momento no meio do level precisamos ter cuidado, porque um excesso de eventos faz o jogador mais assistir do que jogar. Isso não é bom. Há uma questão de atmosfera, imersão e tomada de decisão. Se o jogador tem muito poder sobre o mundo e, subitamente, o diretor toma controle do jogador e das suas ações. Não é uma boa forma de intervir no jogo. Uma outra razão para os eventos tomarem o jogo é o ritmo. Pode ser um momento de incluir uma piada por exemplo. Ou deixar o jogador respirar antes de algo que necessite de grande concentração e/ou energia. Uma terceira razão são limitações de hardware. Há um limite de velocidade de carregamento na memória e muitas vezes o jogo precisa ser desacelerado para dar tempo do computador carregar o conteúdo na memória. Eventos nesta hora servem para esconder as telas de carregamento.