Entrar em campo de botas
Temos vontade de acelerar o filme para ver logo o Bugre terminar de uma vez por todas sua passagem pela terceira divisão do Brasil. Gostaríamos de ter as mãos na massa para ajudar a empurrar o Guarani. Essa angústia do querer-fazer-e-não-poder-fazer explica a sensação da torcida de que o clube está um marasmo. Não está.
É um tédio esta entressafra até o começo da Série C, dia 6 de julho de 2008. Suponho que a rolagem do tempo seja menos angustiante para o pessoal que está trabalhando dentro do clube, pois há muito por se fazer. Estar do lado de fora é difícil. Friamente, porém, o ritmo do Bugre é bom.
Dois meses antes do início do torneio temos um novo comando de futebol a pleno vapor – Luciano Dias, o técnico, João Roberto Souza (Beto), o gerente, e João Roberto Secco, o diretor – e definido também pelo critério da aversão ao estardalhaço. Foi boa a providência de estabelecer para o diretor de futebol um papel mais silencioso, sem ti-ti-ti com a imprensa. Trouxemos um técnico sereno, jovem e com experiência naquilo que mais nos interessa: subir um degrau no caminho de volta. Veio também um gerente que, como se pode deduzir do nome do cargo, é o cara para fazer funcionar a logística do time. De início, ele foi confundido pela mídia e pela torcida como o encarregado de trazer craques bons e baratos. Não. Beto é o gerente da máquina interna. Só. O ideal é que ele fale pouco também, tal como o diretor. Ao técnico – este sim – cabe abrir mais a boca, pois é dele, em última instância, a palavra sobre cada uma das contratações, renovações e promoções dentro do elenco profissional. E sobre isso a torcida tem de ser muito bem informada, pois é dela a responsabilidade de inflar os ânimos da equipe.
A despeito da boataria típica da entressafra, até agora o Bugre tem sido capaz de segurar os melhores valores do elenco e já trouxe alguns novos com boas recomendações. Não será nenhum desastre, contudo, se o Guarani fizer negócio com os passes de Danilo Silva e/ou Xandão. Talvez essa seja a via para a entrada de algum capital de giro, indispensável na lubrificação geral da engenhoca. É bom sinal o fato de esses cobras não terem sido rifados na bacia das almas. Significa que a situação está sob controle – ainda que continue difícil – e prova que o clube não está sob um “arremedo de administração”. Pela mesma óptica deve-se enxergar a batida devagar-e-sempre do caso da venda do patrimônio em torno do Brinco de Ouro. Não se faz bons negócios às pressas...
O mesmo vale para a formação do novo time. Temos de recorrer às lições da disputa da A1 do Paulista de 2008 para não repetir os erros que quase liquidaram o Guarani na competição, com conseqüências horrorosas para o futuro. Naquela ocasião, o comando bugrino escorreu-se em lágimas para justificar a não contratação de Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Deco e Cristiano Ronaldo. No período entre o final de 2007 e o começo de 2008, o técnico de então, Roberval Davino, e o diretor de futebol, José Carlos Hernandes, colocaram-se demasiado na defensiva sobre a qualidade dos jogadores. “É o que dá para ter”, diziam diante dos resultados que, antes de serem fracos, eram insuficientes para retirar a torcida do estado de pânico crônico imposto pelos anos de rebaixamentos sucessivos. Assim, o próprio comando cuspia em cima dos atletas para desviar o bombardeio da turba. Isso destruiu o time!
Obviamente, uma equipe pré-carimbada como de quinta categoria não vai render em campo. Não foi por acaso que o técnico contratado na metade do torneio para remediar a situação – Jair Picerni – teve como missão fundamental reconstituir o aspecto psicológico dos atletas. Antes de fazê-los jogar bom futebol, o que só viria a acontecer nas últimas rodadas, tratou-se de convencê-los de que eles não eram a porcaria que os antigos comandantes diziam ser. O Bugre não pode fazer isso de novo. Aliás, não pode fazer isso nunca mais!
Por mais magro que seja o orçamento do clube, não se pode tratar os profissionais como restolho da nação. A torcida também deve prestar muita atenção a isso! De nada adianta arrotar o passado de glórias do Guarani para se exigir um time com pedigree. A realidade é que vamos disputar a terceira divisão do futebol brasileiro e para que esta seja a última vez temos de entrar em campo de botas nos pés, sem mocassim de cromo alemão na cabeça.
O futuro do Guarani – Álvaro Caropreso