destinotraçado

Destino traçado

Rede Globo, treinamento, mistérios da medicina, sabotagem, apoio voluntário e venda do patrimônio.

Farei um pacote de assuntos hoje. Não é a melhor maneira de se abordar as coisas, mas é o que dá para se fazer na semana que será o marco de uma virada histórica na vida do Guarani Futebol Clube.

REDE GLOBO – Detesto ver jogos do Bugre pela Rede Globo, principalmente quando o adversário é um dos tais times “grandes”. Desligo o som para me livrar dos comentários, mas mesmo assim fico irritado. Foi o que aconteceu na jogo com o São Paulo. Quem viu a partida por essa emissora pode dizer se estou certo ou errado: Vocês sabem quantas vezes a Globo fez um take da torcida do Guarani? Nenhuma! Como é de praxe, o adversário de qualquer um dos “grandes” não passa de um sparring sem identidade. Arrisquei ligar o som duas ou três vezes. O único background era só da torcida do São Paulo. Não havia som externo da torcida bugrina. Mas isso não é novidade. O problema continua sendo o próprio Guarani, que perdeu mais uma.

SEM TREINAMENTO – O Bugre é um perdedor porque não tem treinamento. O time de Jair Picerni é pior do que o de Roberval Davino, o homem do 3-6-1. Picerni chegou com a consciência de que a equipe estava bastante desestruturada psicologicamente – por obra e graça de Davino – e trabalhou pesado para erguer o moral da tropa. Conseguiu alguma coisa, mas isso teve um preço no treinamento técnico e tático da equipe. Picerni não soube tirar o máximo de cada jogador para com eles criar um conjunto minimamente afinado. É possível, inclusive, que ele tenha considerado que o time precisava apenas de um pouco mais de ânimo e que isso bastaria para “encaixar” as peças, como está na moda dizer. Não deu certo.

Foram dezesseis rodadas em que não se viu uma jogada ensaiada, seja com bola parada ou em movimento. Nada. O traço comum do time tem sido a bola sem rumo. O que se viu no jogo com o São Paulo estava escrito: A defesa segurou o quanto pode até que, de tanto a bola não ir para frente, o adversário acabou dentro do nosso gol. Vi o jogo como quem esperava pela fatalidade. Chegaremos aos 30 minutos do segundo tempo? Marcaremos um gol bobo ou tomaremos um gol bobo?

Após o jogo com o São Paulo, parece que o próprio Picerni jogou a toalha. Ele disse em entrevista que o time não tem mais o que render – “chegou no limite” –, que o problema do ataque só se resolve com repetições. Exato! Repetições significam treinamento pesado. É o que nos faltou e falta.

Houve ainda o agravante de que o elenco bugrino, limitado em número, perdeu jogadores em circunstâncias ainda a serem explicadas.

MISTÉRIOS DA MEDICINA – Longe de mim querer dar palpites sobre o trabalho de médicos, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde, mas é preciso explicar o que se passa no Guarani. Em 2007, foi contratado com bastante dificuldade um meia armador – nem me lembro mais de seu nome – ao qual se destinara o papel relevante de dar mais qualidade ao ataque. O rapaz chegou fora de forma, levou um tempão para se preparar, contundiu-se e praticamente não jogou. Custou caro pelos padrões do Guarani só para ficar parado. O fato repetiu-se em 2008 com Fábio Pinto, um bom jogador, contratado mais ou menos com as mesmas dificuldades e atribuições. Ele veio fora de forma, teve uma distensão muscular durante treino, recuperou-se, mas continuou parado, ao que parece por causa de um problema ortopédico no pé.

Tenho a impressão de que o Bugre não sabe avaliar física e clinicamente os atletas que contrata, mas o que realmente me deixa em pânico é a diarréia recorrente das últimas semanas. Um episódio apenas bastaria para fazer soar todos os alarmes, mas foram vários, nem todos noticiados como se pode depreender das entrevistas de alguns atletas. Nunca vi nada igual na história do futebol profissional. Isso requer investigação séria, pois não se deve afastar sequer a hipótese de sabotagem.

SABOTAGEM – É o que fez o tal “empresário” que, em pleno tiroteio dos jogos mais decisivos do Bugre, com a Ponte e o São Paulo, inventou o factóide de que seus atletas eram boicotados no elenco. Esse factóide repercutiu dentro e fora do elenco em um momento que não pode ser visto como coincidência. Foi criado na hora certa para causar máximo dano ao Bugre, assim como a diarréia misteriosa. Esses episódios revelam como o Guarani está frágil, sem o controle de sua vida interna e susceptível a interferências. Essa a razão pela qual vejo com ressalvas a recente inciativa de se abrir espaço na administração do clube e do futebol para setores da torcida.

APOIO VOLUNTÁRIO – Certamente haverá entre os simpatizantes do Bugre muita gente capacitada a assumir diversas funções que normalmente caberiam a profissionais escolhidos a dedo. Isso pode ser útil, mas requer uma direção rígida, capaz de manter aglutinadas as forças em direção a objetivos bem estabelecidos. De outro modo, um comando flácido pode permitir uma reação em cadeia rumo ao caos. Não é hora de se jogar com dados no Guarani. O vasto patrimônio do clube está em vias de ser vendido para permitir o reerguimento. Não haverá uma segunda chance.

VENDA DO PATRIMÔNIO – Após desfazer-se do atual patrimônio, ou o Guarani renasce ou morre de uma vez por todas. Assim, às vésperas das reuniões do Conselho e da Assembléia que decidirão sobre o assunto, é preciso fazer muitas perguntas além das óbvias. Eis algumas delas:

1 – Qual o valor total do patrimônio no estado em que se encontra?

2 – Quanto pode render esse patrimônio ao ser invertido sob a forma de empreendimentos imobiliários? Em outras palavras, qual a diferença entre o valor atual e o valor esperado do empreendimento a ser executado pelos compradores?

3 – O valor a ser pago ao Guarani no fechamento do negócio é compatível com essa diferença? É pouco? É razoável?

4 – Que rendas serão geradas pelo empreendimento quando pronto e qual será a participação do Guarani? Alguma? Nenhuma?

5 – Que proporção do valor da venda será destinada ao pagamento de dívidas?

6 – Que proporção do valor da venda será destinada ao fortalecimento do trabalho de base?

7 – O trabalho de base terá o duplo papel de formar atletas e também gerar receitas?

8 – Que proporção do valor da venda será destinada à construção da nova “arena”?

9 – Que rendas o Guarani terá com a nova “arena”? Elas serão suficientes para garantir pelo menos em boa parte a vida de um clube de futebol com as pretensões do Bugre?

10 – Há intermediários no negócio? Que proporção do valor da venda lhes cabe em comissão?

11 – Quais os mecanismos de controle para que os associados do Guarani possam acompanhar passo a passo a execução do negócio?

Algumas das questões acima levam em conta que o dinheiro atrai abutres tanto quanto a carniça. Um negócio desse vulto é sempre uma ótima oportunidade para o assédio de espertalhões. Muita gente extremamente hábil em grandes falcatruas tentará manter o bico perto das oportunidades.

A atual direção do Guarani certamente entrará para a história. Ela será responsável pelo reerguimento de um clube de grande tradição ou pelo seu sepultamento. Qual o destino traçado? (24/03/2008)

O futuro do Guarani – Álvaro Caropreso