calaessaboca,pai!

Cala essa boca, pai!

Torcer pelo Guarani é sofrer no paraíso. Deixei de lado um almoço de família para pegar um Cometão em São Paulo e partir em direção ao Brinco de Ouro neste domingo, 17 de fevereiro de 2008, dia de jogo com o Sertãozinho, pelo Campeonato Paulista. Tinha tudo para ser um domingo feliz.

O Bugre trocou de técnico e jogaria, ao que tudo indicava, conforme o gosto da torcida: no ataque contra um adversário direto na classificação para a série C do Brasileiro e que vinha com um desempenho mais ou menos no mesmo padrão bugrino no torneio. Jogo pau a pau, mas com torcida a favor. É vitória certa. Outros adversários do Guarani nessa carreira poderiam também ficar para trás. Minha cunhada estranhou o fato de alguém ser capaz de pegar um ônibus em São Paulo, em pleno domingo de sol, para ir a até Campinas por causa de jogo de futebol. O marido dela, por exemplo, sãopaulino, depois de encher a pança no almoço atirou-se no sofá para dormir à espera da transmissão pela TV do jogo do seu time com o Marília. Aquele, sim, era um homem sensato. E lá fui eu.

Desci na velha rodoviária de Campinas e peguei um táxi cujo chofer, um dia em passado remoto, segundo ele mesmo, fora pontepretano. Disse-me que não liga mais para futebol. Largou mão do seu time na época em que a Ponte viveu um período semelhante a este do Bugre, com sucessivas quedas no Paulista e no Brasileiro. Ele nunca mais foi o mesmo depois disso. “Não tomo mais sol na cabeça por causa desse time ou de qualquer outro e não ligo se um dia a Ponte Preta deixar de existir. Já sofri demais com isso”. Outro sábio. Mas suas palavras me deixam ressabiado: quantos bugrinos seguem hoje esse mesmo tipo de êxodo? O chofer desejou-me boa sorte quando saltei diante dos portões do Brindo meia hora antes do jogo. Sorte era tudo o eu que achava que o Guarani teria naquele domingo.

“Hoje é dia de vento a favor”, pensei. E estava bem satisfeito. O jogo também era um pretexto para encontrar meu filho mais novo, Caio, sãopaulino que gosta de ir ao Brinco comigo de vez em quando. Meu outro filho, Camilo, deve ser bugrino desde o útero, quando ouviu ainda ao abrigo do ventre da mãe meu grito de vitória em 1978. Ele não iria ao jogo com o Sertãozinho. Preferiu ficar com a namorada. É justo, mas o taxista espetara uma agulha atrás da minha orelha: “Será que Camilo está a se afastar do Bugre tal como aquele ex-pontepretano?” Afinal, o desânimo pode tomar conta de qualquer um, meditava eu postado na porta da loja do Bugre, ponto do encontro marcado com Caio.

De repente, surge do outro lado da rua o filho inesperado. Camilo acena para mim, alegre. “Uai! E a namorada?”, pergunto. Ele diz que seria muita sacanagem não vir ao jogo justamente no dia em que eu tive a coragem de sair de São Paulo para estar lá. Beleza! Além do prêmio da companhia, sua presença trouxe-me algum alívio em relação ao dilema do taxista. Ufa! Mas, agora, cadê o Caio? Liguei para seu celular. “Vem ou não vem?”. Ele acabara de pegar o ônibus em Barão Geraldo e só chegaria com o jogo começado. Fomos, então, eu e Camilo, para o Tobogã, em nosso lugar cativo, entre as escadarias do lado direito.

Começa a partida e, em seguida, a chuva. Decidimos correr para debaixo do Tobogã, mas isso me preocupa. Caio não saberá encontrar-nos quando chegar. Nessas horas que se vê a utilidade do telefone celular. Digo-lhe da mudança de posição no estádio, mas a muvuca para sair do Tobogã e entrar na arquibancada inferior é de dar medo. Toda a massa bugrina se afunila numa passagem de menos de um metro de largura – repito, menos de um metro – entre as cercas das catracas e o muro de concreto. Essa imagem sempre foi um dos meus pesadelos em relação ao Tobogã, uma maravilha como posto de observação do jogo, mas um horror como armadilha sem áreas de escape para fazer fluir com rapidez a multidão quando estoura a boiada. Não compreendo o que faz o Corpo de Bombeiros dar por seguro o sistema de evasão da torcida à saída do Tobogã. Eis aqui um aspecto em que o Guarani F. C. teve muita sorte até agora. Nunca houve acidente sério, ...tal como durante décadas no estádio do Bahia, em Salvador. Será hoje o nosso dia? Mas deu tudo certo.

Lá vai o Bugre em campo. O time está desarrumado, mas com vontade de jogar. E tanto bate até que fura o gol do adversário lá pelo vigésimo minuto do segundo tempo. Ufa! O que se segue é o de praxe. O Sertãozinho sai para o jogo; o Bugre ganha espaço, mas leva sustos monumentais, que felizmente são aliviados pelas mãos e pés de Gisiel, o goleiro que hoje também parece estar com sorte. Essa é a palavra. Hoje é dia de um pouco de sorte. São três pontos certos a mais na tabela, até a casa dos quarenta minutos, quando apaga-se a luz no Brinco e no bairro ao redor.

A torcida comemora o apagão como se fosse o fim do jogo. Muito bonito! Milhares de pontos luminosos se agitam em todo o estádio. Ao som das cantorias de vitória, os telefones celulares da torcida despejam no Brinco toda a luz que vai, um dia, por fim às trevas do Guarani. Camilo chacoalha seu aparelho no ar. O meu telefone já estava sem bateria de tanto falar com Caio antes e no início do jogo, mas esse sãopaulino compensa minha falta de energia com uma microlanterna que abre um clarão azulado com um ponto de laser vermelho ao centro. Nós três pulamos. Sem pensar no que vai sair da boca, eu digo para Camilo: “Só faltava o Guarani tomar o gol de empate quando a luz voltar”. Ele responde zangado: “Cala essa boca, pai!”

O jogo foi um a um...

(18/02/2008)

O futuro do Guarani – Álvaro Caropreso