dopadospelahistória

Dopados pela história

Trato hoje de dois assuntos. Primeiro, da minha frustração por não ter visto pela TV Guarani a vitória bugrina diante do Duque de Caxias neste sábado, 11 de outubro de 2008, no estádio Raulino Oliveira, em Volta Redonda, RJ, por 2 X 4. Segundo, conto um segredo a respeito do Grêmio Esportivo Brasil, de Pelotas, próximo adversário do Bugre no Brinco de Ouro.

Não pude ver o jogo de sábado pela TV Guarani pelo simples fato de que não soube em tempo que haveria transmissão direta. Consultei o site oficial do clube várias vezes na véspera e ao longo da manhã do sábado. Só no dia seguinte percebi que uma nota fora colocada no site às 14h20m, ou seja, apenas 40 minutos antes do início da partida. Não sei o que tem levado a direção do clube a ficar em silêncio sobre as atividades da TV Guarani.

Entenderia se isso fosse uma tentativa de conter a audiência, pois tem sido difícil ver os jogos pela internet, dado o número limitado de links disponíveis e a despeito de me valer de uma conexão ultra-rápida. Entenderia também se isso fosse uma maneira de conter o fluxo de informação tática do time colocada à disposição dos adversários, que de outro modo não teriam como obter dados com a mesma precisão permitida pelas imagens da TV.

Mas não entendo porque os sócios-torcedores não foram comunicados com um mínimo de antecedência. É frustrante! Não cabe a desculpa de que fazer isso depende de altas tecnologias ou de recursos inalcançáveis. Há na internet um punhado de programinhas gratuitos para o envio de mala direta por e-mail. Certamente os cerca de 3 mil sócios torcedores estão devidamente cadastrados e pelo menos uma parte do total possui e-mail.

O fato é que fiquei bastante chateado por ter de pendurar minha aflição de bugrino no exílio apenas na imaginação permitida pela narração da única emissora de rádio de Campinas realmente audível pela internet, posto que outras duas emissoras locais sequer dão sinal de vida pelos seus streamers, enquanto uma quarta trata de narrar jogos de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Mesmo assim, ouvi o jogo picotado. No segundo tempo, por exemplo, quando consegui um minuto de continuidade já estava 2 a zero para o Bugre. É claro, vibrei de alegria, mas também fiquei frustrado, pois nada se iguala ao um grito de gol, ou melhor, dois... ou quatro, pois não ouvi nenhum dos gols bugrinos. Ou melhor, não ouvi nem mesmo os gols do Duque de Caxias. Mas tudo bem. O que passou, passou.

O segredo – Animado com a vitória, decidi ouvir o jogo do Brasil, de Pelotas, com o Atlético, de Goiânia.

Tenho a impressão de que Brasil e Atlético serão os dois ossos mais duros deste octogonal. O time gaúcho já nos deu muito trabalho na fase anterior e o Atlético veio de um grupo que talvez tenha sido o mais equilibrado da terceira fase, encerrado com três de seus quatro membros rigorosamente empatados.

Fiz o link com uma rádio de Pelotas e ouvi boa parte do primeiro tempo e a íntegra do segundo. O Brasil venceu por 1 a zero, gol marcado aos 19 minutos da segunda etapa, quando jogava com apenas dez homens. O meia armador Moscatelli – o craque do time – foi expulso bobamente no final do primeiro tempo, por reclamação, quando já tinha um cartão amarelo. Considerados os devidos descontos para o entusiasmo da narração local, com apenas dez atletas o Brasil mandou no jogo com mais autoridade do que a do primeiro tempo, quando a partida foi equilibrada.

Na etapa final, o time gaúcho colocou três bolas na trave do Atlético e uma dentro do gol, aos 19 minutos, pelo atacante Sharlei, apontado ao final como o melhor em campo. Segundo os comentaristas, Sharlei foi um verdadeiro leão e sua disposição de luta contagiou o time mais do que a própria torcida, de certo modo contida pelo jogo frio e calculista do Atlético. Aliás, os comentaristas locais disseram que Sharlei vem sendo hostilizado pela torcida há bom tempo. Disseram isso de um modo que me fez lembrar as críticas que ouvimos em relação ao lateral bugrino Roque, cuja condição de titular tem sido sustentada pelo técnico em oposição à uma parte da torcida. Mas os comentaristas da rádio local estavam realmente muito entusiasmados com a garra de Sharlei e de todo o time. De onde o Brasil de Pelotas tirou tanta força, disposição e ânimo para jogar daquele jeito? A resposta apareceu depois do jogo, em entrevista do presidente do clube, Helder Lopes.

Lopes explicou que, desde a fase de preparação para o campeonato, a comissão técnica e os dirigentes injetam no sangue dos atletas doses cavalares de história do clube, por coincidência fundado em 1911, o mesmo ano do Guarani de Campinas. Uma coleção de vídeos foi produzida para contar as glórias, as agruras e as superações do clube pelotense ao longo desses 97 anos e as palestras motivacionais são, em sua maioria, baseadas nessa história. Tudo, enfim, se fez e se faz para que os atletas incorporem na alma as tradições do clube, principalmente o fato que deu origem ao apelido Xavante, uma das últimas nações indígenas a entregar os pontos para o colonizador europeu. O site do Brasil conta como nasceu o apelido, após um jogo antológico em 1946, contra o maior rival do clube, o Pelotas. Vale a pena reproduzir aqui um trecho dessa história para que possamos compreender de onde vêm a energia que fez o Brasil vencer o Atlético a despeito da inferioridade numérica em campo:

“(...) Jogavam Brasil e Pelotas o segundo Bra-Pel pelo campeonato da cidade em 1946. Vencendo, o E. C. Pelotas sagrar-se-ia tricampeão da cidade, título esse que o clube almejava e perseguia ardentemente desde a data de sua fundação, em 1908. E o jogo já ia quase ao seu final, no primeiro tempo, com o placar de 3x1 favorável ao E. C. Pelotas (...). E aí veio o imprevisto. O juiz mandou para fora de campo o zagueiro Chico Fulero, ficando o Brasil reduzido a dez homens para continuar a luta, e o jogo foi interrompido, é claro! Teté, o treinador rubronegro, quis retirar seu time de campo, mas a torcida do G. E. Brasil ficou ali firme no seu posto. Ninguém desejava a retirada do time, e, então, mesmo reduzido a dez homens o G. E. Brasil continua a partida. Veio logo o final do primeiro tempo e a virada sensacional, histórica e homérica, surgiu no período final, quando os dez rubronegros em campo se multiplicaram e, como feras acuadas, deram uma reviravolta de 180 graus e acabaram vencendo o jogo por 5x3, numa das mais brilhantes e comemoradas vitórias do G. E. Brasil de todos os tempos. (...) Ao apito do árbitro, encerrando o encontro, a multidão (derrubou o alambrado) e invadiu o gramado para saudar seus ídolos (...). No dia seguinte ao jogo um conhecido e saudoso desportista pelotense do passado, ligado ao clube áureo-cerúleo (o adversário), aproveitando-se do título de um filme que passava num dos cinemas da cidade, desabafou dizendo: 'eles foram uns bárbaros ao final do jogo. Foi a INVASÃO DOS XAVANTES'.”

Esse episódio foi exaustivamente injetado nas veias dos jogadores que hoje envergam o uniforme do Brasil. Eles têm sido, enfim, treinados para jogar com dez ou menos em qualquer campo, com qualquer adversário, dopados pela história. (12/10/2008)

O futuro do Guarani – Álvaro Caropreso