Um frenesim de conselhos (Muitas crianças nos psicólogos e nos pedopsiquiatras?)

Data de publicação: Dec 05, 2013 10:2:15 PM

Na prática clínica, lidamos, cada vez mais, com pais um pouco confusos, à procura de referências, para quem a velocidade com que consultam um especialista aponta, sobretudo, para um problema da sociedade. Não se trata de “maus pais”, nem de pais “demissionários” ou “laxistas”, como, por vezes, se tendem a classificá-los. Simplesmente, num mundo de excesso de informação, são inundados com conselhos por vezes contraditórios e conflituantes, que encontram nas revistas, nos fóruns de discussão, em conferências ou mesmo em manuais de educação.

Com a vontade de bem-fazer mas sem, por vezes, uma segurança interna ou referências adequadas, sentem-se sós na tarefa de educar e buscam algo que lhes dê o mínimo de segurança e lhes assegure que estão a agir corretamente.

Hoje, ouve-se muito nos gabinetes dos terapeutas frases como “Tentamos de tudo, uma coisa e seu oposto e nada resulta." A criança tem dificuldade em adormecer? Então, umas vezes deixámo-la chorar, outras levámo-la para a cama connosco, embalámo-la, falamos com ela procurando dar-lhe segurança, ralhamos… Tudo certo, tudo bons conselhos, que qualquer um poderia dar, mas cuja eficácia é diminuta, pois esquece-se que os conselhos, na maior parte das vezes, não resultam porque cada criança (e cada família) é única e terá, com certeza, as suas razões para não ser capaz de adormecer.

O excesso de conselhos, dum lado, e os muitos rótulos – disponíveis hoje em dia -, por outro, não ajudam os pais. Neste contexto, preocupa-nos a facilidade com que se classifica a singularidade da criança atribuindo toda a espécie de diagnósticos (hiperativo, sobredotado, deprimido, ansioso, delinquente em potência…). Inclusivamente não é raro encontrar-se situações que sobre o mesmo caso, a mesma criança e os mesmos sintomas, as opiniões dos técnicos envolvidos sejam diferentes. E quando se faz o diagnóstico espera-se uma terapêutica…

O que nos deveria deixar apreensivos é que se uns chegam depressa demais à consulta e se outros aí permanecem durante muito tempo, isso de deve à época que vivemos que tolera cada vez menos as pequenas preocupações, os pequenos problemas de comportamento, as angústias normais da vida. É como se as crianças tivessem de ser sempre felizes a 100, a 110%. Não tem que ser assim, não deve ser assim. E quando este é o objetivo, então os pais devem marcar uma sessão com o terapeuta “psi” na 4ª feira, entre a música e o inglês, durante todo o ano escolar. O mais certo é contribuir-se para instalar na criança a ideia de que é uma pessoa impotente perante a vida, que não pode crescer sem a ajuda de um especialista.

MAS ATENÇÃO! O apoio prestado por estes profissionais – fora dum contexto de clara perturbação e da presença de um grande sofrimento – será útil e necessário se a criança o pede, se ela tem efetivamente preocupações que a levam a ter necessidade de partilhar e falar.

Este texto faz parte do dossier "Muitas crianças nos psicólogos e nos pedopsiquiatras?"

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