Pepetela

Vilonda contempla a onganda, agora grande,  composta pela sua cubata, as cubatas das duas mulheres, a cubata da irmã abandonada pelo marido, o curral central para os vitelos e, do outro lado, o grande curral. Os cornos de todas as reses abatidas nas cerimónias estão pendurados em forquilhas ao lado do curral dos vitelos e estão muito brancos e bonitos. Já abateu muitos bois, isso mostra a sua riqueza e o respeito pelos costumes. À frente da sua cubata está o elao, a pedra dos sacrifícios, ao lado da qual fica a sua fogueira, a do fogo sagrado. À frente de cada uma das cubatas das mulheres há uma fogueira que serve de cozinha. Nessas fogueiras à noite conversam, cantam, e Vilonda conta as estórias do povo aos mais jovens, as estórias das origens dos clãs, a estória dos oma-kisi, os monstros, e põe provérbios e adi-vinhas. Ngonga e a família vêm todas as noites se juntar a eles e assim ficam melhor. Agora o milho está quase a produzir e poderão fazer mais cerveja. Ultimamente têm estado a poupar o milho, pois terão de festejar o casamento de Tyonda e podia se dar o caso de animais ou pássaros comerem boa parte do milho. Mas as colheitas se adivinhavam boas e este ano as mulheres trabalharam muito e semearam mais que o habitual. Com uma mulher mundombe aprenderam que se pusessem na lavra, antes da se-menteira, as bostas dos bois, as plantas cresceriam mais. E é verdade. Vilonda nunca viu milho daquele tamanho e com tão grandes maçarocas. Não sabe nada de agricultura, isso é costume muito recente, e se espanta com o mistério. Também não deve ser todas as bostas que são boas. Devem ser as bostas dos bois sagrados, sobretudo da namulilo, cujo leite só as velhas  e as meninas muito novinhas podem beber. Mas como as bostas dos bois sagrados ficam misturadas com as dos outros, talvez passem a magia para as outras bostas também. Terá de perguntar isso ao kimbanda que regularmente os vem visitar. Saberá? O kimbanda sabe tratar  doenças de pessoas, sabe descobrir os espíritos malfazejos e quais os sacrifícios a fazer, mas também não sabe nada de agricultura. Onde aprendeu ele? Bem, se é kimbanda é porque é sábio, não custa nada perguntar.  

Yaka, O Coração, 1983