Cesário Verde

Manhãs Brumosas

Aquela, cujo amor me causa alguma pena,

Põe o chapéu ao lado, abre o cabelo à banda,

E com a forte voz cantada com que ordena,

Lembra-me, de manhã, quando nas praias anda,

Por entre o campo e o mar, bucólica, morena,

Uma pastora audaz da religiosa Irlanda.

Que línguas fala? A ouvir-lhe as inflexões inglesas,

- Na névoa azul, a caça, as pescas, os rebanhos! -

Sigo-lhe os altos pés por estas asperezas,

E o meu desejo nada em época de banhos,

E, ave de arribação, ele enche de surpresas

Seus olhos de perdiz, redondos e castanhos.

As irlandesas têm soberbos desmazelos!

Ela descobre assim, com lentidões ufanas,

Alta, escorrida, abstracta, os grossos tornozelos;

E como aquelas são marítimas, serranas,

Sugere-me o naufrágio, as músicas, os gelos

E as redes, a manteiga, os queijos, as choupanas.

Parece um rural boy! Sem brincos nas orelhas,

Traz um vestido claro a comprimir-lhes os flancos,

Botões a tiracolo e aplicações vermelhas;

E à roda, num país de prados e barrancos,

Se as minhas mágoas vão, mansíssimas ovelhas,

Correm os seus desdéns, como vitelos brancos.

E aquela, cujo amor me causa alguma pena, 

Põe o chapéu ao lado, abre o cabelo à banda,

E com a forte voz cantada com que ordena,

Lembra-me, de manhã, quando nas praias anda,

Por entre o campo e o mar, católica, morena,

Uma pastora audaz da religiosa irlanda.

Foz do Tejo, 1877

Cesário Verde