A comadre morte

Um pobre trabalhador, carregado de filhos, já tinha vergonha de convidar para padrinhos as pessoas suas conhecidas e de importância. Nasceu-lhe mais um filho, e lançou-se à ventura para convidar para compadre a primeira pessoa que encontrasse. Encontrou uma criatura magra, pálida, amargurada; o pobre homem, pára em frente do desconhecido:

- Muito desejava tê-lo por compadre, para poder baptizar o mais depressa uma criança.

- Não me custa a aceitar o convite; ora você não sabe quem eu sou. 

- Não sei; mas por isso mesmo.

- Eu sou a Morte. Tanto melhor.

E caminharam juntos, e nesse mesmo dia se fez o baptizado. A comadre Morte, depois da cerimónia, disse para o homem pobre:

- Já que vives tão apoquentado por falta de recursos vou-te ofertar um dom, que te aproveitará muito e até poderás viver com fartura.

- Ó minha querida comadre!

- É o que te digo. Faze-te cirurgião, e quando visitares os doentes e me vires à cabeceira da cama é sinal de que não escapam; nem Deus nem os santos os salvam. Se me vires aos pés do leito, receita o que quiseres, e parecerá a muitos que são curas milagrosas.

Assim foi correndo a vida, que o homem como cirurgião acreditado ganhava muito dinheiro.

Uma vez é chamado para um doente que era riquíssimo; mas, por infeli¬cidade ao visitá-lo, encontrou a comadre Morte à cabeceira. Disse que nada podia fazer, e quis-se ir embora. Agarraram-no, ofereceram-lhe muitas peças de ouro, uma boa saca. O cirurgião teve então uma ideia, para não perder o aquele dinheiro. Mandou virar a cabeceira do doente para os pés. Salvou-o, mas a comadre Morte foi-se embora e jurou vingar-se daquela deslealdade.

No dia seguinte a Morte foi esperar o compadre à saída de casa:

- É agora a tua vez:

- Ó comadre Morte, não me mates antes de eu acabar um padre-nosso.

- Pois sim; concedo-te isso.

O compadre nunca acabava de rezar o padre-nosso; a Morte foi-se em¬bora, cansada de esperar. Daí a dias quando ia ao chamado de um doente encontrou a comadre Morte caída e estatelada na estrada, imóvel, insensível.

- Olha a minha comadre, como ela já está pronta! Sempre lhe quero pagar o bem que me fez. Vou-lhe rezar um padre-nosso pela sua alma. Rezou sinceramente, e logo que o acabou, a Morte ergueu-se:

- Sempre acabaste o padre-nosso, que te concedi. Anda daí comigo. E assim acabaram todas as espertezas.


TEÓFILO BRAGA, Contos Tradicionais do Povo Português