Poesia da Guiné-Bissau
REGRESSO
MamãeVelha, venha ouvir comigo
o bater da chuva lá no seu portão.
É um bater de amigo
que vibra dentro do meu coração.
A chuva amiga, Mamãe Velha, a chuva,
que há tanto tempo não batia assim...
Ouvi dizer que a Cidade-Velha,
- a ilha toda -
Em poucos dias já virou jardim...
Dizem que o campo se coloriu de verde,
da cor mais bela, porque é cor da esp'rança.
Que a terra, agora, é mesmo Cabo verde.
- É a tempestade que virou bonança...
Venha comigo, Mamãe Velha, venha,
recobre a força e chegue-se ao portão.
A chuva amiga já falou mantenha
e bate dentro do meu coração!
Amílcar Cabral
...NÃO, POESIA...
...Não, Poesia:
Não te escondas nas grutas de meu ser,
não fujas à Vida.
Quebra as grades invisíveis da minha prisão,
abre de par em par as portas do meu ser
- sai...
Sai para a luta (a vida é luta)
os homens lá fora chamam por ti,
e tu, Poesia és também um homem.
Ama as Poesias de todo o Mundo,
- ama os Homens
Solta teus poemas para todas as raças,
para todas as coisas.
Confunde-te comigo...
Vai, Poesia:
Toma os meus braços para abraçares o Mundo,
dá-me os teus braços para que abrace a Vida.
A minha Poesia sou eu.
Amílcar Cabral
ROSA NEGRA
Rosa.
Chamamam-te Rosa, minha preta formosa,
e na tua negrura
teus dentes se mostram sorrindo.
Teu corpo baloiça, caminhas dançando,
minha preta formosa, lasciva e ridente
vais cheia de vida, vais cheia de esperanças
em teu corpo correndo a seiva da vida
tuas carnes gritando
e teus lábios sorrindo...
Mas temo a tua sorte na vida que vives,
na vida que temos...
amanhã terás filhos, minha preta formosa,
e varizes nas pernas e dores no corpo,
minha preta formosa já não serás Rosa,
serás uma negra sem vida e sofrente,
serás uma negra
e eu temo a tua sorte!
Minha preta formosa não temo a tua sorte,
que a vida que vives não tarda findar...
minha preta formosa, amanhã terás filhos
mas também amanhã...
... amanhã terás vida!
Amílcar Cabral
Sobre Vasco Cabral. Nasceu em Farim, a 23 de Agosto de 1926. Formou-se no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, da Universidade Técnica de Lisboa.
1944-1945: Começo da actividade política, ligando-se simultaneamente às organizações africanas legais e clandestinas existentes então em Portugal...
1948: Trabalha pessoal e estreitamente ligado a Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos e Mário de Andrade, todos estudantes em Portugal.