A frase no texto

     Suporte principal: A Frase no texto. Algumas propostas de trabalho para a aula de língua materna, (p.227-234) Joaquim Fonseca, Linguística e Texto...

    a) O texto não é (...) tomado como objeto de uma reflexão ou de uma exploração que explicite apropriadamente a sua estruturação e o seu funcionamento na interação comunicativa.

    b) As atividades de reflexão e de exploração dos produtos verbais (...) se não se circunscrevem já estritamente à imanência da frase como construção gramatical, raramente atingem o nível transfrástico e do texto.

    c) É tempo de, na didáctica da língua materna, se assumir o texto como unidade “originária” da interacção verbal...

    d) Na reflexão de índole linguística sobre o texto, uma tarefa se impõe de imediato: captar o que perfaz - e como se perfaz - a sua unidade semântica global e a sua relevância contextual. Realizando-se o texto numa sequência de frases, trata-se basicamente de indagar sobre o que garante a continuidade de sentido que ao mesmo tempo as percorre e as incorpora num complexo significativo unitário que funciona adequadamente numa dada situação de comunicação.

    Os grandes conceitos aglutinadores da reflexão parecem ser os de coerência / coesão global e de coerência / coesão local...

 

        [1]  - COESÃO LEXICAL. Este processo de coesão opera por contiguidade semântica, isto é, as expressões linguísticas que entram numa relação de coesão lexical caracterizam-se pela co-presença de traços semânticos. Destacamos os seguintes processos de coesão lexical, definidos pelo tipo de contiguidade semântica entre expressões linguísticas:

 COESÃO LEXICAL ________ REITERAÇÃO ____________ SUBSTITUIÇÃO: SINONÍMIA / ANTONÍMIA / HIPERONÍMIA / HIPONÍMIA

    A reiteração consiste na repetição de expressões linguísticas; a contiguidade semântica caracteriza-se, neste caso, pela identidade dos traços semânticos.

                A substituição pode efectuar-se por:

 

       [1] COERÊNCIA TEXTUAL

 

      A conectividade conceptual é um factor de textualidade que resulta da interacção entre os elementos cognitivos apresentados pelas ocorrências textuais e o nosso conhecimento do mundo. Assim, uma condição cognitiva sobre a coerência de um texto é a suposição da normalidade do(s) mundo(s) criado(s) por esse texto: um texto é coerente se os elementos / esquemas cognitivos activados pelas expressões linguísticas forem conformes àquilo que sabemos ser a estrutura dos estados, processos e eventos; as relações lógicas entre estados de coisas; as propriedades características dos objectos de um mundo “normal”.

 

   e) É necessário conduzir os alunos, por um lado, a captar as indicações que cada frase contextualizada fornece sobre o quadro enunciativo em que foi produzida -[enunciado] - e sobre o próprio desenvolvimento discursivo, e, por outro lado, a reconhecer e a explorar as articulações entre os produtos verbais e o referido universo de conhecimentos, crenças e valores envolvidos na configuração dos discursos e na produção do sentido.

 

     ® Algumas pistas de trabalho no que respeita às relações entre frases por que se realiza o texto:

 

·      Trata-se de encarar a frase como segmento particular de um todo em cuja configuração participa e do qual resultam incidências específicas no seu próprio desenho.

·      Trata-se de descobrir na gramática da frase dimensões da gramática do texto.

·      O que significa explorar as dimensões da formação do transfrástico:

1.    Os relatores - instrumentos de junção ou de combinação

2.    co-referência[1]

3.    cross-referência

4.    Arranjos internos na organização da frase

 

                Temos assim:

                1. A transformação de frases complexas numa sequência de frases sintacticamente independentes

                2. A transformação de frases sintacticamente independentes em frases complexas

 

Nada mais puro que a origem de um bom vinho.

Nada mais simples que a embalagem Tetra Pak.

Tetra Pak, a embalagem sem ar, mantém bom o que é bom. Nada mais, nada menos.

Simples como todas as grandes invenções depois de longamente experimentadas.

Assim, mais do que uma embalagem, Tetra Pak é o sistema mais simples de levar até si qualidade de vida.

Afinal, é por razões bem simples que a embalagem Tetra Pak já faz parte do quotidiano alimentar de dez milhões de portugueses.

Sábado, 10 de Fevereiro de 1990

 

Este tipo de exercícios permitirá captar as condições de uso das várias classes ou sub-classes desses instrumentos de conexão.

 

                ® O estudo das relações inter-frases deverá dar ocasião a um tratamento particular do léxico

 

                3. Comente a construção do 1º parágrafo[2] do texto As Praias de Goa, nomeadamente a articulação lógica entre o primeiro e os restantes períodos.

 

                4. Atente no emprego da passiva no 2º parágrafo:

 

·      transforme o 1º período em frases simples, reescrevendo-o;

·      reflicta sobre as implicações, em termos de sentido, do recurso quer ao uso da activa quer da passiva.

·      Goa: As praias de Gama

 

      Talvez tenha sido Vasco da Gama, o descobridor português, o primeiro a vê-las com olhos de cá. Buscava nelas, por certo, mais o desembarcadouro, a conquista, o negócio que a Europa almejava nas Índias. Ter-lhe-ão passado ao largo a beleza dos sítios, os coqueiros alinhados, a areia fina que cinco séculos depois mobilizariam charters, turismo de massas em busca do exotismo possível. Goa fez-se um dos estados da Índia actual trilhando uma linha da História que a submeteu a vários poderes, lhe moldou o nome (em sânscrito Gove, Govapuri e Gomant, entre outras designações) durante séculos, caldeou as gentes.

    Retomado pela Índia em 1961, o território de Goa passaria pelo fogo lento da recolonização, o torna-viagem dos hindus afastados de uma sua parcela, templos dizimados pela expansão da fé cristã, língua estranha imposta. E cedo retomaria novos caminhos, diluindo o passado próximo nos enredos do passado, reassumindo uma cultura nova. Fez-se estado, em 1987, o hindi sobrepôs-se como língua oficial, o processo de crescimento do país encontrou aqui uma ponta de lança - e o turismo estava no pacote. Incontornável, como o mar azul, as areias finas, o sossego de paragens remotas. E um mundo soberbo à descoberta, com parques de vida selvagem, rios estranhos, monções para quem aprecie o jogo com as forças da natureza.

     Hoje está feita a esse novo estilo. A herança lusa é iniludível, há nomes que marcam tantos monumentos.

     A Velha Goa perdura, claro. É um conjunto arquitectónico sob a alçada do Archaelogical Survey of India (como a generalidade do património histórico), um acervo de brilho adormecido pela rotina dos circuitos turísticos - o culto foi levado com as populações que há dois séculos abandonaram o local na sequência de um surto epidémico. (...)

    Elsa Andrade,in Raízes - Laços e Língua, nº1

 

 

                5. A exploração de laços de tipo funcional

 

                6. Captar nexos entre as frases do texto sob o ponto de vista accional

 

                7. Explicitar as ligações implicitamente estabelecidas

 

·      CASA NA CHUVA

 

    A chuva, outra vez a chuva sobre  as oliveiras.

    Não sei porque voltou esta tarde

    se minha mãe já se foi embora

    já não vem à varanda para a ver cair

    já não levanta os olhos da costura

    para perguntar: ouves?

    Oiço, mãe, é outra vez a chuva,

    a chuva sobre o teu rosto.

    Eugénio de Andrade, Escrita da Terra

 

 

 

               

 

 

                O ENUNCIADO

 

                A matéria linguística é apenas uma parte do enunciado. Existe uma outra parte, não verbal que corresponde ao contexto da enunciação.

                O contexto de enunciação é composto:

                a) pelo horizonte comum: coordenadas espácio-temporais; objecto ou tema do enunciado (referente);

                b) a avaliação, isto é a relação dos locutores com o que se passa.

 

                A diferença entre enunciado e proposição, unidade de língua, consiste em que o primeiro é necessariamente produzido num contexto particular, que é sempre social, emquanto que a segunda não tem necessidade de contexto.

                O enunciado é dirigido a alguém.

                O próprio locutor é um já um ser social.

                Todo o enunciado pode ser considerado como fazendo parte de um diálogo.

 

                I

 

dinheiro / moedas /notas /capital

garotos / miúdos / putos

limpa-vias / limpa-calhas

toupeira / talpídeo / cava-terra / rato-cego

claridade / luz / raio / dia / noite / escuridão / negrume / lâmpada

casório / casamento / divórcio

esquina  / rua / passeio / bairro

macaco / maquinismo / primata / fato de ganga / finório / idiota

tesouro / erário / riqueza

freguesia / clientela / paróquia / subdivisão de um concelho

estrídulo / estridente / agudo / áspero /doce

exangue / esvaído / forte / pálido

pilastra / pilar (de quatro faces)

respiradouro  / resfolegadouro

pátina / oxidação / verdete

arroz / gramínea / rizicultura / orizicultura / orizícola / bagos / doce / grão / maná

palácio / casebre

 

                II

 

 

·      A três de Janeiro de 1564, o Papa Pio IV enviou um Breve ao rei D. Sebastião para lhe recomendar dois teólogos portugueses que, durante os trabalhos do Concílio de Trento, prestaram um valioso contributo  para a obra reformadora da Igreja. Um era D. Jorge d’Ataíde, nomeado depois bispo de Viseu, e o outro o Dr. Diogo Paiva de Andrade. Paiva de Andrade notabilizou-se ao defender, em pleno Concílio, a legitimidade do matrimónio dos padres, conforme refere monsenhor José de Castro em “Portugal no Concílio de Trento”: No dia 22 de Maio de 1563, os teólogos terminaram o estudo dos artigos sobre o Matrimónio. Diogo de Paiva de Andrade já tinha falado sobre outros artigos. Contudo, por causa da sua erudição e engenho aprouve aos senhores Legados que, de novo, falasse sobre o casamento dos clérigos, e o seu discurso satisfez maravilhosamente a todos.”

      Sábado, 28 de Setembro de 1990

 

·      13 de Agosto de 1989

 

      Sinceramente ignoro o que a minha mãe via na criatura mas quando estava a morrer foi a ela que chamou, não a mim, a ela que pediu ajuda para encontrar o ar que faltava segurando-lhe a mão, e agora imagine-se a minha figura, o padre às voltas no quarto com as rezas e as benzeduras e em lugar da filha dava com uma bailunda de sandálias de plástico armada em parente à cabeceira da cama, eu empurrada para um canto como ferro-velho junto ao pateta do meu marido, um verbo de encher a que ninguém de bom senso dava atenção, imagine-se a vergonha do quadro, a ingrata da minha mãe trocando a dedicação da família pela criada, trocando-me diante de toda a gente por uma mulherzinha de senzala

     (e se me troca por uma mulherzinha de senzala o que sou eu afinal?)

     Lobo Antunes, O Esplendor de Portugal, p. 227.

      

·      As armas e os barões assinalados

Cessem do sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes que fizem;

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre Lusitano

A quem Neptuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo o que a Musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se alevanta.

Luís de Camões, Os Lusíadas, Proposição

Que, da Ocidental praia lusitana,

Por mares nunca de antes navegados,

Passaram ainda além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;

 

E também as memórias gloriosas

Daqueles reis que foram dilatando

a Fé, o Império, e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando;

E aqueles que por obras valerosas

Se vão da lei da morte libertando:

- Cantando espalharei por toda a parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.

 


[1]  - “ Uma das condições a que um texto deve obedecer para constituir uma unidade semântica é a de assinalar, através da utilização de formas linguísticas apropriadas, que os objectos designados por uma dada expressão são introduzidos pela primeira vez no texto, já foram mencionados no discurso anterior, se situam no espaço físico perceptível pelo LOC e / ou pelo ALOC, existem como objectos únicos na memória do LOC e / ou do ALOC, ... Chamamos a esta condição COESÃO REFERENCIAL... Existe referência sempre que, numa situação concreta de comunicação, um dado objecto é levado ao conhecimento do ALOC, pela primeira vez nessa situação, através de uma dada instrução linguística formulada pelo LOC. A forma dessa instrução varia em função do conhecimento que o LOC tem - e pressupõe que o ALOC tenha - do referido objecto.

    Quando um ou mais fragmentos textuais (b, c, d,...) são interpretados como idênticos, do ponto de vista referencial, a um dado fragmento textual a, presente no discurso anterior ou subsequente, diz-se que são co-referentes: O João¢ feriu-se¢ com o abre-latas; O Luís disse à Maria¢ que esperava por ela¢ no café.

    Mª Helena Mira Mateus et alii - Gramática da Língua Portuguesa, p. 143 a 145.

[2]  - Oração - Período - Parágrafo

     Período é a frase organizada em oração ou orações.

     São termos essenciais da oração o sujeito e o predicado.

A MODALIDADE dá conta das marcas de subjectividade do locutor no enunciado, e pode apresentar três grandes variantes:

 

Modalidade apreciativa: o locutor pretende exprimir uma opinião sobre um enunciado anteriormente produzido (implícito)

[Cheguei a horas.]

- Finalmente, chegaste a horas.

Modalidade deôntica: o locutor pretende agir sobre o seu interlocutor, através do enunciado que, em determinado momento, produz.

- Senta-te. (imposição)

- Não sais, não. (proibição)

- Podes sair. (autorização)

Modalidade epistémica: exprime a certeza, a probabilidade, a possibilidade… do locutor quanto à verdade do conteúdo do seu enunciado.

O Centro Cultural de Belém foi construído no séc. XX.

O Centro Cultural de Belém não foi construído no séc. XXI.

O Centro Cultural de Belém não deve ter sido construído no séc. XIX.

Não é possível que o Centro Cultural de Belém tenha sido construído no séc. XIX.

A modalidade pode ainda manifestar-se em advérbios disjuntos, em adjectivos com valor avaliativo ou afectivo, em verbos como querer, parecer, crer, admitir; em advérbios ou locuções adverbiais como talvez, Para ser sincero

 Em análise:

Matilde (com autoridade para o Principal Sousa)

Cale-se! Agora sou eu que lho ordeno! De tanto abrir a boca, taparam-se-lhe os ouvidos e de tantas vezes repetir a mesma coisa, esqueceu-se de que as palavras têm sentido e obrigam a quem as profere! A todos chega a hora de prestar contas.

(Pausa)

Ainda se lembra das palavras do seu Amo?

“Ninguém pode servir a dois senhores; porque há-de odiar a um e amar o outro, ou há-de afeiçoar-se a um e desprezar o outro.”

O vosso credor Gomes Freire d’Andrade deseja saber a quem servis!

(Pausa)

“Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça porque deles é o reino de Deus.”

O vosso credor Gomes Freire d’Andrade está numa masmorra por amor da justiça e quer saber o que fizestes, senhor, para reconhecer o seu direito a esse amor!

(Pausa)

“Porque eu vos digo que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no reino de Deus.”

Senhor: ainda os presos não tinham sido condenados e já nas igrejas se rezava o Te Deum!

O vosso credor Gomes Freire d’Andrade exige que a vossa justiça exceda a dos escribas e a dos fariseus!

“Ouviste o que foi dito aos antigos: não matarás e quem matar será condenado em juízo.”

O vosso credor Gomes Freire d’Andrade vai ser morto por ordem da regência de que fazeis parte – ou será que a vossa direita não sabe o que faz a esquerda?

(Avança para ele)

Estou aqui a pedir-vos contas!

Luís Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar!

 

Credor – aquele que tem direito à consideração de outrem; merecedor; pessoa a quem se deve dinheiro