Temas e conceitos
I – Bilinguismo
François Grosjean, An introduction to bilinguism, Life with two languages
O bilinguismo em África: génese; factores militares / colonização
3000 a 4000 línguas para cerca de 150 estados
Encontramos o bilinguismo em 3 tipos de países: os monolingual (Japão; Alemanha); os bilingual e os multilingual
Em África, é frequente ser bilingue ou trilingue. Ver países como o Gana, o Zaire ou Uganda... aí, as crianças aprendem simultaneamente várias línguas...
Que factores levaram países como o Gana ou a Zâmbia a escolherem uma língua estrangeira como língua oficial?
The need for a written medium
O medo de clivagens se se privilegiasse uma das línguas locais
Por exemplo no Senegal, apesar do wolof ser falado por cerca de 90% da população e de ser uma língua franca do oeste africano, a lingua oficial é o francês porque (Meyers Scotton, 1978) a língua colonial permite aceder aos níveis sociais mais elevados... No Senegal, o francês assegura a mobilidade social.
No Níger acontece o mesmo, apesar do hausa ser falado por toda a população. Esta situação acabará por criar ressentimento e antagonismo, e por isso o futuro linguístico de muitas nações está longe de estar esclarecido...
As élites, muitas vezes com a ajuda dos ex-colonizadores, em vez de apoiarem as línguas nativas criando um código de escrita, desenvolvendo um vocabulário técnico e científico, reprimem frequentemente o uso público da língua nativa. Deste modo as elites, através de uma língua estrangeira, mantem nas mãos os negócios públicos...
Países multilingues
Por um lado, temos os países em que as principais línguas nacionais são reconhecidas como oficiais. Por ex. a Suíça. (Kloss, 1968)
Certos países decidiram ser oficialmente multilingues, pois querem reconhecer a identidade linguística de grupos, o que faz deles nações, e por outro lado querem ajudar certas minorias a manter e a defenderem-se face a grupos mais poderosos... adpotando deste modo o princípio territorial em detrimento do princípio da personalidade...
Problemas colocados pelo multilinguismo – o estatuto da língua
Q: como determinar o verdadeiro estatuto de uma língua num país multilingue?
R: É determinar como é que cada língua é aprendida e usada pelo povo para quem ela não é uma língua nativa.
R: a 2ª maneira de determinar o estatuto das línguas nos países bi ou multilingues é descobrir qual das línguas pede mais empréstimos às outras. A que for mais influenciada é a menos prestigiada.
Política linguística e minorias linguísticas
Muitas vezes, o bilinguismo é a consequência do contacto entre 2 grupos linguísticos que não têm a mesma importância... um deles não é reconhecido e por isso vê-se obrigado a aprender a língua dominante de modo a interagir com o grupo linguístico maioritário...
Minorias linguísticas e hierarquização de valores
O verdadeiro desígnio das autoridades nem sempre é conceder direitos iguais à minoria. Muitas vezes, esta política não é mais do que um 1º passo para assimilação do grupo minoritário. Os missionários cristãos em África, no séc. XIX e XX, converteram muitos povos pregando em línguas locais em vez de lhes imporem a sua. A assimilação era feita pela religião e mais tarde pela língua.
O desprezo e a repressão das minorias linguísticas
A minoria linguística é muitas vezes considerada como uma ameaça à nação, sobretudo desde que o nacionalismo foi considerado equivalente ao monolinguismo. A nação monolingue sente que a diversidade linguística poderá criar a cisão e o regionalismo, criando a instabilidade... Teme que a minoria tenha mais lealdade à sua própria língua e cultura do que à nação. Teme que a língua, porque é uma característica muito importante da identidade do grupo, se torne em foco de descontentamento, e possa conduzir a exigência de independência ou à anexação do grupo minoritário por um país vizinho.
Modos e situações: a) proibir a língua minoritária na escola com o consequente insucesso escolar... b) ser objecto de depreciação pública ao falar a língua da minoria...c) transferência forçada de populações; d)deslocar para o território das minorias muitos falantes da língua dominante e) ilegalização da língua da minoria f) a criança aprende a língua dominante em vez da língua materna; g) dialectalização – tornar a língua da minoria numa variedade da língua
A génese do bilinguismo
a) as migrações (por razões económicas, políticas e religiosas) b) as invasões militares + colonização: a língua do invasor como língua franca, sobretudo nas áreas urbanas c) a indústria e o comércio d) os casamentos mistos e) o nacionalismo e a política federal...
Davies escreveu: «a people without a language of its own is only half a nation. A nation should guard its language more than its territories – it’s a surer barrier, a more important frontier than forteress and river.»
As modernas nações africanas são bons exemplos do federalismo, onde o bilinguismo é norma – Tanzânia, Quénia, Senegal...
Em muitos países ser educado significa ser bilingue (Mackey, 1967) – Índia, Paquistão; África...
África – bilinguismo prolongado
As crianças aprendem primeiro a língua local e só mais tarde se tornam fluentes na língua franca, o que assegura a perpetuação do bilinguismo degeração em geração...
Bibliografia
Eptein, I (1915) – La pensée et la polyglossie, Lausanne, Payot
Frith, M. (1978) – Interlanguage theory: implications for the classroom.. Mcgill Journal of education 13: 115-165
Gallagher, C. (1968) - North African Problems and Prospects: language and identity. In Language problems in developing nations, eds. J. Fishman, C. Ferguson, and J. Das Grupta. New York: Willey
Kloss, H. (1967) – Bilingualism and nationalism. Journal of Social Issues 23: 39-47
Kloss, H. (1968) – Notes concerning a language-nation typology. In Language Problems
Lambert, W. (1980) – The two faces of bilingual education. Focus 3: 1-4
Mackey, W. (1967) – Bilinguism as a Word problem. Montreal: Harvest house
II- Maria de Lurdes Pintasilgo (- 2004)
Bibliografia: As minhas respostas. Publ. D. Quixote (1985)
engagement dégagé: estou totalmente empenhada, mas ao mesmo tempo tenho um recuo em relação ao objecto do meu empenhamento.
o poder: é uma realidade difusa em todo o corpo social, e em que todos nós participamos. O meu entendimento do poder é o poder para fazer alguma coisa. Utilizando as expressões inglesas, não é o poder «over people», mas o « power to do something” para fazer alguma coisa...é um poder orientado. «Cada poder tem de ser limitado por outros poderes» (Montesquieu)
a noção de pessoa humana: a pessoa humana, hoje, não tem só os limites do seu corpo, tem também os limites do seu habitat (não só a sua casa, o trabalho, as relações sociais) – a extensão do conceito de pessoa...
a utopia: é uma ilusão absolutamente total... / horizonte de valores e de ideias
o futuro é hoje: l’avenir est au présent.
o mito de Einstein: que tudo em todo o universo tem uma só explicação global e que todas as coisas podem ser transpostas de um lado para o outro.
a defesa da oralidade: essa possibilidade de contar, isto é, de reactualizar, de reviver não só pela memória, mas de tornar presente pela forma como se conta – é indispensável para a própria estruturação da sociedade...
o conceito de mudança.
a esfera da referência: é aquela em que o sujeito está profundamente enraizado em cada instante, ou em cada sector da sua história.
participação: uma crítica ao monopólio de estado; um apelo à iniciativa civil; uma crítica à ausência de articulação das forças sociais no sistema político representativo.
Tocqueville: elogio da tradição norte-americana do autogoverno local...
desenvolvimento: este surge como a capacidade que tem a sociedade, em qualquer momento da sua história, de fazer face com os seus próprios recursos humanos à sua própria evolução histórica... o desenvolvimento deveria ser o grande factor de mobilização de todas as forças sociais, culturais e políticas... o modelo de desenvolvimento é uma questão que o hemisfério norte desenvolveu para o hemisfério sul, e que o hemisfério sul desenvolveu muito pouco...
o conceito de estado-nação: em África, de acordo com Ki-Zerbo, o estado-nação resultou de divisões meramente arbitrárias do poder colonial, cortando ao meio famílias culturais inteiras.
III – João Carlos Espada, Público, 30 Nov.1992
O conceito de cidadania aponta para o conjunto das garantias legais que protegem a liberdade dos indivíduos e, por esse motivo, limitam o poder interventivo dos governos. Por outro lado, o conceito de cidadania europeia requer instrumentos supranacionais que aos olhos de um liberal suscitam sempre a inquietação do superestado europeu.
Flores d’Arcais (?) defendeu a vertente supranacional da cidadania e reclamou-se da tradição radical-liberal.
A cidadania diz respeito a garantias que a lei concede aos indivíduos, ao governo das leis, não à legislação dos governos.
A cidadania europeia deveria assentar no Conselho da Europa e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
O europeísmo é hoje interpretado como favorável a um governo europeu supracional. Mas europeísmo não é necessariamente supranacionalismo.
Na tradição liberal anglo-americana, «internacionalismo» quer dizer sobretudo império da lei e comércio livre. Por «império da lei» entendia-se que a dignidade é igual para todos os indivíduos, e o seu igual direito à liberdade, decorria de uma lei natural anterior à criação dos governos – lei a que os governos deviam obedecer e fazer vingar. Os indivíduos, por sua vez, estavam habilitados a reclamar a prioridade dos seus direitos naturais, independentemente dos caprichos dos seus governos particulares. Quanto ao comércio livre, ele era entendido como meio privilegiado de fomentar a colaboração pacífica entre as nações, de não acabar com elas. Pretendia-se acabar com as barreiras entre as nações, para que as diferenças entre elas fossem usadas para fomentar a troca livre e, portanto, revertessem em benefício comum dos indivíduos.
J.C. E.: a cidadania europeia é um nobre ideal que não merece ser manchado com construtivismos de sabor jacobino... e deve inspirar-se em bons princípios: o império da lei; o comércio livre; a colaboração espontânea entre sociedades civis...
IV – Adaptação e Assimilação (contexto: imigração)
Adaptação: a um nível psicosocial a adaptação a uma situação, ao meio interhumano, supõe sistemas de referência.
Definição de adaptação (Felix Neto): o conjunto das modificações que se operam nas atitudes, comportamentos, sistemas de representação saídos da sociedade de origem do imigrante, e por meio das quais o imigrante se esforça, na sociedade de acolhimento, por reconstruir a sua existência pessoal e social de modo satisfatório.
V – Des représentions collectives aux représentations sociales, vol. I, Moscovici, S. (1989)
Noção de representação colectiva: Durkheim, inventor do conceito, reconhece-lhe o direito de explicar os fenómenos mais variados na sociedade. As representações individuais têm como substrato a consciência de cada um e as representações colectivas, a sociedade na sua totalidade.
Para Durkheim, a representação designa prioritariamente uma vasta classe de formas mentais (ciências, religiões, mitos, espaço, tempo) de opiniões e de saberes sem distinção. Durkheim associa colectividade a permanência; individualidade a percepção e a imagem a flutuante...
Abandonnant l’opposition importante, mais arbitraire, de líndividuel et du collectif, Lévy-Bruhl projette une vive lumière sur le rapport d’une société à ses représentations.
Lévy-Bruhl insiste sur une autre opposition des mecanismes logiques et psychologiques d’un type à l’autre: les primitifs et les civilisés. Il fonde la pensée civilisée sur des siècles d’exercices rigoureux de l’intelligence et de la réflexion. La pensée primitive est tournée ver le surnaturel. Lévy-Bruhl apresenta os primitivos como se eles habitassem um outro estado da natureza. O princípio da participação substitui, no pensamento primitivo, o princípio da não-contradição.
De qualquer modo, Lévy-Bruhl contribui para chamar a atenção para a questão da incompatibilidade da representação em culturas diferentes (sombra-alma; sombra-ausência de luz). Para Lévy-Bruhl, o conceito de representação colectiva mostra a diversidade profunda segundo os quadros sociais, mais radical do que a que seguia os domínios (religião, mito, ciência...); por outro lado, põe a questão e inaugura o exame dos mecanismos psíquicos e lógicos de que resulta uma ordem mental.
Através da representação colectiva, Durkheim revela o elemento simbólico da vida social... Um símbolo representa outra coisa que «soi-même». É uma ideia que os homens partilham a propósito de um objecto, independentemente do objecto em si... Durkheim transforma o simbolismo num meio pelo qual a sociedade se torna consciente de si mesma, demarcação entre as componentes individuais e as componentes colectivas do laço entre os homens. Entre elas, figuram as regras e a linguagem cujos efeitos são certos sobre a natureza e a qualidade dos processos de pensamento. (...) deste ponto de vista, as emoções e os afectos são estimulados pelos símbolos inscritos nas tradições: os emblemas – bandeiras, fórmulas...
Com Lévy-Bruhl entra-se numa 2ª fase do estudo da noção de representação colectiva. O acento desloca-se do adjectivo para o substantivo.
Lévy-Bruhl influencia Piaget, como o sábio francês a propósito do primitivo, o psicólogo suisso parte do postulado de que a «criança não é parva» nem se encontra alguns degraus abaixo da criança mais idosa. Ela pensa é as coisas de forma diferente.
Piaget: «L’enfant est réaliste, car il présuppose que la pensée est liée à son objet, que les noms sont liés aux choses nommées et que les rêves sont extérieurs.
Para Piaget, a natureza das interacções aparece como um factor determinante dos modelos de pensamento e de percepção, das discussões e das justificações...
Há uma sociedade baseada nos constrangimentos e há uma sociedade baseada na cooperação: no interior desta sociedade, há várias, entre elas, a sociedade espontânea das crianças
Lévy-Bruhl: mentalidade quente (mística e participante); mentalidade fria (sensível à contradição –resultante de operações formais e de relações de cooperação)
Um dos pressupostos, em causa, comuns a Durkheim e a Lévy-Bruhl: a homogeneidade das representações transmitidas ao longo das gerações no seio de uma colectividade...
Freud – Estudos sobre paralesia histérica (1924) / Estudos sobre as teorias sexuais da criança (1908) – põe em evidência a força das representações: as explicações são provenientes do saber popular no 1º caso e no 2º dos contos e das lendas. (...) as teorias sexuais da criança têm um carácter social, cuja origem provem de um diálogo relançado pelo desejo do espectador e a manha dos actores. (...) os estudos freudianos trazem à luz do dia o trabalho de interiorização que muda o resultado colectivo em dado individual e marca o carácter da pessoa... mostram-nos por que processos as representações passam da vida de todos para a vida de cada um, do nível consciente para o nível inconsciente.
Representações...
On conclut que l’écart entre les éléments collectifs et les éléments individuels paraît moins grand regardé de près que défini de loin… Piaget a éclairé la composition psychique des représentations, en égard aux relations sociales. Freud nous les a montrées, sous un autre angle, issues d’un processus de transformation de savoirs et a explicité la manière don’t elles sont intériorisées.
Para a ciência das representações sociais / a psicologia social
Durkheim (1963) entende que «ce qu’il faudrait, c’est chercher, par comparaison des thèmes mythiques, des légendes et des traditions populaires, des langues, de quelle façon les représentations sociales s’appellent et s’excluent, fusionnent les uns dans les autres ou se distinguent.»
Moscovici propõe para a psicologia social: «au lieu de continuer à inventorier les opinions et les attitudes, qu’on étudie les représentations dont la richesse est évidnte (...) la notion “représentation” est transférée à la société moderne (...) les représentations collectives cèdent la place aux représentations sociales.
Não são os substratos, mas as interacções que contam, como afirma Codol (1982): «ce qui permet de qualifier de sociales les représentations, ce sont moins leus supports individuels ou groupaux que le fait qu’elles soient élaborées au cours de processus d’échanges et d’interactions.
On raisonne dès lors sur des mécanismes psychiques et de communication produisant un phénomène spécifique au cours de ces milliers d’actes racontés, empruntés, effectués par tant d’individus…
O carácter moderno destes estudos transforma a psicologia social numa antropologia da cultura moderna. Do mesmo modo que a antropologia parece ser uma psicologia social das culturas ditas primitivas.
Bibliografia
René Kaës – Psyhanalyse et représentation sociale...
VI – Une perspective interculturelle en psychologie et en pédagogie
(Pierre Dasen, 1983)
Enculturação
Cada um nasceu e cresceu numa cultura particular que se pensa universal (atitudes e valores). Vantagens: harmonia com o meio social.
Limitação: incapaz de aceitar um vasto leque de comportamentos (outras culturas).
A perspectiva intercultural combate a generalização através do método comparativo, situa as ciências humanas no contexto da diversidade e da relatividade culturais. No essencial e no conjunto, as pesquisas interculturais mostram que os mecanismos essenciais da psiquê humana são universais, mas que se exprimem de maneira muito diferente de acordo com o contexto cultural. Por exemplo, Freud e Piaget não se aperceberam da sua enculturação na sociedade industrial e judaico-cristã. Ex.: a explicação do complexo de Édipo reflecte a relação triádica do sistema social em que Freud vivia: o pai é ao mesmo tempo quem detem o poder sobre o filho, e o amante da mãe. Nas sociedades matrilineares, estas duas funções estão separadas: é o tio materno que é o responsável pela educação, quem detem o poder...é contra ele que se dirigem os fantasmas agressivos e não contra o pai. Há um mecanismo idêntico, mas que toma formas diferentes de acordo com a estrutura social. Ver LUÉJI. O conceito de espaço é extremamente valorizado e desenvolvido nas populações nómadas que vivem da caça e da colheita, em detrimento de conceitos quantitativos, quando com as populações sedentárias que praticam a agricultura de subsistência acontece precisamente o contrário.
Por vezes, as consequências são desastrosas: a exportação do modelo de psiquiatria ocidental. As doenças mentais, existentes em toda a parte, inserem-se em sistemas explicativos totalmente diferentes de acordo com as culturas, às quais correspondem terapias tradicionais totalmente apropriadas (por vezes semelhantes a certas descobertas ocidentais recentes – terapia de grupo ou de família...
Em pedagogia, há que reflectir nos efeitos da exportação do modelo ocidental de escola durante a era colonial...
VII – Interculturalismo
Rey-Von-Almem, M. (1984) – Pièges et défis de l’interculturalisme
Definição
Quem diz intercultural diz necessariamente, dando todo o seu sentido ao prefixo «inter»: interacção, troca, abertura, reciprocidade, solidariedade objectiva? E dirá dando sentido pleno à palavra «cultura»: reconhecimento de valores, dos modos de vida, das representações simbólicas a que se referem os seres humanos nas suas relações com outrem e na sua apreensão do mundo, reconhecimento da sua importância, do seu funcionamento, da sua diversidade, reconhecimento das interacções que intervem simultaneamente entre os múltiplos registos de uma mesma cultura e entre as diferentes culturas?
O Âmbito
O interculturalismo postula (e trabalha para) uma abertura institucional, social, geográfica e temporal. Inscreve-se na história, isto é, ao mesmo tempo no presente e no futuro, tomando em consideração o passado. O seu campo de referência e de acção situa-se tanto no espaço internacional como local.
Como foi na Escola que foi posto a nu de modo mais evidente a desigualdade de oportunidades, foi lá que se desenvolveu a pedagogia intercultural cujo objectivo é atingir os objectivos escolares de democratização, igualdade de oportunidades e de desenvolvimento cultural. Porém, como afirma Porches, o interculturalismo diz respeito a toda a sociedade, e a todas as sociedades nas suas relações com a diversidade... Pela sua própria natureza, o intercultural é interacção de componentes múltiplas.
Argumentos contra o intercultural
Toda a acção respeitante aos migrantes porque estes pertencem à mesma «sociedade ocidental» que as sociedades de acolhimento (ver Suiça). Culturalmente, os migrantes são associados aos nacionais e as únicas a tomar são: assistência social e pedagogia compensatória.
A este ponto de vista respondem certos imigrantes com um comportamento de defesa, de salvaguarda dos valores de origem representados em particular pela língua. Este movimento deu origem à reivindicação justificativa do bilinguismo para os imigrantes...mas que poderá isolar os imigrantes (2ª geração) sem valorização social das suas competências linguísticas – ver propostas de ensino separado (em escolas ou em classes) para as crianças do mesmo origem. O problema coloca-se quando se reivindica o ensino da língua materna para os imigrantes (e só para eles) como primeira língua estrangeira... mesmo se esta língua não é posteriormente considerada em termos de formação profissional.
Muitas vezes, instaurou-se uma estrutura sem diálogo. A instituição escolar do país de acolhimento, dando prioridade à assimilação pelos imigrantes da cultura local, considera irrealista o facto de manter duas culturas. Sem se lhes opor, mas também sem as encorajar, ela deixa aos pais e aos representantes dos países de origem a responsabilidade de tal projecto. Cursos de língua e cultura são então ministrados fora do quadro escolar. Inconvenientes: estigmatizados pela escola; sobrecarga intelectual; inadequação pedagógica; fosso entre a cultura de origem e a dos imigrantes; divididos entre duas culturas; anomia (desorganização – interferência linguística).
Frequentemente a recusa do intercultural corresponde a uma forma de salvaguarda dos privilégios – proteccionismo ou de integrismo (atitudes encontráveis em ambas as culturas). Teme-se o desequilíbrio que a valorização das competências dos imigrantes provocará nas relações sociais...
C’est la portée de la culture qui est mise en cause. O intercultural não é mais do que um alibi, porque o fenómeno migratório é de ordem política e económica e portanto será nesse terreno que se encontram as soluções. Neste caso, o intercultural (atitude reducionista) torna-se sinónimo de estrangeiro ou de exótico.
Por vezes, limita-se o intercultural ao conhecimento intelectual do outro e a análise comparativa ou contrastiva substitui-se à interacção em vez de a clarificar.
Se o interculturalismo está ligado ao respeito das diferenças entre sociedades, grupos, indivíduos no interior de um grupo, surge com muita frequência, de acordo com a experiência de cada uma particularização (portanto, exclusões): um privilegia as relações internacionais; outro, os problemas das minorias étnicas; um terceiro, o regionalismo.
Se o interculturalismo puser em evidência os factores culturais ligados à inserção social dos imigrantes e ao sucesso escolar, esquecerá facilmente a função da língua. Surge frequentemente uma oposição entre intercultural e linguístico: descuida-se o ensino da língua local aos imigrantes recentes em proveito da sua inserção social, desinteressam-se do ensino da língua de origem para os imigrantes a favor de um ensino intercultural para os autóctones.
Pode-se falar das rivalidades entre modos de vida, referências e expressões culturais nos países de origem e na imigração...
O intercultural identificado a uma metodologia, a uma disciplina, actividade ou estrutura é confinado na pedagogia da descoberta, no ensino das línguas, no folclore, o 3º tempo pedagógico, as festas, as actividades paraescolares... o intercultural cristaliza-se, imobiliza-se...
A abordagem intercultural torna-se dominadora – formulada por uns, é imposta aos outros. O poder e a competência são unilateralmente definidos: a metodologia substitui o diálogo... uma nova forma de arrogância...
Quais são as saídas?
Na Suiça não faz sentido falar de intercultural, porque este país defende uma política de integração dos estrangeiros – os cursos não são integrados nos horários; a formação dos professores não aborda o problema do diálogo com os estrangeiros...
Propostas
O intercultural deve ser situado na diversidade do quotidiano.
Formular o intercultural é clarificar o seu trajecto: criar uma comissão multicultural entre autoridades escolares, associações de professores e representantes dos cursos de língua e culturas de origem no primário; desenvolvimento de bibliotecas interculturais; encontros de professores; criação de um grupo de trabalho tendo como objectivo definir o modo de incremento de uma pedagogia intercultural na escola; propor instrumentos pedagógicos adequados...
VIII - A comparação intercultural
(Brill, B. e Lehalle,H., 1988)
Todo o desenvolvimento psicológico se processa num meio social particular, o que significa que para explicar a génese dos processos o quadro das sociedades ocidentais é insuficiente... o que impõe a comparação intercultural de modo a identificar as influências específicas do meio social e cultural que depende por sua vez dos condicionalismos impostos pelas trocas do homem com o seu meio.
Ver Mead (1978)
O comportamento e o respectivo desenvolvimento resultam da acção conjunta e interactiva dos genes e do meio. Noção de interacção.
A psicologia procura dar conta dos comportamentos nos seus aspectos sociais e individuais. Nestas condições, a antropologia social – tal como é definida por Muriget (?) e Firth (1970) -, parece trazer a dimensão comparativa necessária ao estudo dos comportamentos sociais... porque a antropologia social (e cultural), partindo dos conhecimentos adquiridos através da etnografia – trabalho no terreno (observações, descrições, classificações levando à redacção de uma monografia sobre o grupo social observado) e da etnologia que, tomando como base os dados etnográficos, tenta realizar sínteses de 1º grau: síntese geográfica (comparação de grupos sociais vizinhos), histórica, sistemática... os dados fundamentais da psicologia são constituídos de actividades, comportamentos ou juízos actuais e observáveis... as produções não constituem em si objecto de análise.
As análises psicológicas são mais sistemáticas, mais objectivadas... o etnólogo faz uma abordagem holística (global) correndo o risco da subjectividade... mas também, do ponto de vista das correntes internas da psicologia, o aspecto comparativo é essencial..
Comparações interculturais do desenvolvimento psicológico...
O termo intercultural pressupõe a delicada definição do conceito de cultura
O termo cultura visa sistematicamente designar o que faz a originalidade das sociedades humanas e o que faz a especificidade de cada uma delas considerando que os grupos humanos podem partilhar elementos culturais análogos...
Na prática, as culturas são apreendidas simultaneamente em dois níveis: um nível material (os comportamentos e os produtos da actividade humana) e um nível simbólico ou «subjectivo» (representações colectivas, significações associadas aos comportamentos ou aos objectos,etc.).
IX – A imigração: 2ª geração
(Félix Neto)
A imigração é uma situação de mudanças múltiplas que vai obrigar o sujeito a «atravessar várias crises de identidade com arranjos sucesivos da personalidade.»
Para Malewska-Peyre (?) são sinais de crise de identidade:
- A incoerência da auto-imagem;
- A auto-desvalorização.
Quanto mais baixo é o nível escolar e a escolaridade perturbada, mais negativa é auto-imagem.
O jovem debate-se com situações-problema, que se reforçam mutuamente:
- Situação de competição (entrada no mundo do trabalho);
- Situação de fracasso, desconfiança, solidão afectiva... o que poderá levar à delinquência e a comportamentos desviantes.
Para explicar as causas da delinquência dos jovens estrangeiros, é necessário considerar uma pluralidade de factores sociológicos e psico-sociais:
· o estatuto socio-económico desfavorecido;
· as condições precárias do alojamento;
· o insucesso escolar;
· as dificuldades de inserção no mundo do trabalho;
· a regulamentação da estadia no país de acolhimento;
· as dificuldades de adaptação social em conexão com a história da família e com a matriz cultural do país de origem.
Durkheim propôs o conceito de anomia que faz intervir a noção de aculturação brusca e de mudança acelerada dos valores sociais: em tais situações, o indivíduo torna-se menos capaz de estabelecer uma hierarquia de prioridade entre os papéis diferentes que deve desempenhar; os critérios para se conformar às obrigações de determinado papel social tornam-se mais incertos...
X - Quadro enunciativo
“ Falar, é certamente trocar informação; mas é também efectuar um acto regido por regras precisas, que pretende transformar a situação do receptor, e modificar o seu sistema de crença e / ou a sua atitude comportamental; correlativamente compreender um enunciado, é identificar, além do seu conteúdo informacional, o seu alcance pragmático, isto é o seu valor e a sua força ilocutória.”[1]
Estas regras distribuem-se por dois planos diferentes e complementares da situação de comunicação e elas são, conforme o plano, de natureza e de funções diferentes. O 1º é o do quadro enunciativo que delimita o espaço / tempo objectivo da situação, o 2º o do campo enunciativo que delimita o espaço / tempo realmente vivido pelos actores da situação de comunicação.
O quadro enunciativo esclarece o contexto social e espácio-temporal da situação de comunicação, as características proxémicas do espaço de comunicação, as condições materiais, económicas, socio-políticas que determinam a produção da troca verbal.
A relação de lugar / a posição enunciativa...
Quadro enunciativo e as leis do discurso
ü A lei da informatividade: não enunciamos algo de que o alocutário já tenha conhecimento, porque temos a intenção de proporcionar informação.
ü A regra da pertinência (argumentativa ou situacional): o enunciado deve ser fundamentado nas condições e na intenção da troca comunicacional.
ü A lei da exaustividade: esta lei obriga o locutor a dar sobre o tema que aborda as informações mais fortes que possua e que sejam susceptíveis de interessar ao alocutário.
ü A lei da sinceridade: ela enuncia simplesmente que falar é mostrar-se sincero, convicto, independentemente da verdade do enunciado.
Comunicar é instaurar uma relação de força.
Campos enunciativos
O campo enunciativo é a relação de força que une os interlocutores no interior de um espaço / tempo de interlocução.
No ensino, podemos encontrar cinco grandes jogos de enunciação, cinco jogos de poder:
Jogos de negação
Jogos de ruptura
Jogos de autorização
Jogos de perícia
Jogos de escuta
Designamos por campo enunciativo de negação a situação de comunicação em que pelo menos um dos interlocutores põe directamente em causa a relação de lugares saída do quadro enunciativo.
XI – Cultura – especificação
(B. Bill, e Lehalle, H. 1988)
O termo cultura visa simultaneamente designar o que faz a originalidade das sociedades humanas e o que faz a especificidade de cada uma delas..., considerando que os grupos humanos podem partilhar elementos culturais análogos.
Na prática, as culturas são apreendidas simultaneamente em dois níveis: um nível material (os comportamentos e os produtos da actividade humana) e um nível simbólico ou “subjectivo” (representações colectivas, significações associadas aos comportamentos ou aos objectos, etc.).
O termo “herança cultural” mostra bem que os elementos culturais são transmitidos de geração em geração. Esta transmissão, com eventuais modificações, deve ser considerada de um ponto de vista adaptativo, devido aos laços possíveis entre a cultura e as adaptações às condições de vida.
A nível individual, os determinantes culturais dos comportamentos são mais ou menos explicitamente reconhecidos. Entretanto, os elementos ou práticas culturais são sempre positivamente valorizados, pelo menos nas culturas relativamente homogéneas. Esta valorização faz-se acompanhar eventualmente de estereótipos negativos, em relação a outras culturas ou simplesmente em relação a grupos sociais vizinhos.
Mas como distinguir as culturas umas das outras? Actualmente é difícil considerar as culturas como entidades isoladas, analisáveis unicamente na sua especificidade.
Se o objectivo é a comparação intercultural do desenvolvimento psicológico há focalização nos aspectos ambientais e no facto de que as culturas estão ligadas às características particulares do meio físico e social – o que explica a importância das descrições e análises etnográficas (...) veja-se o caso das crianças emigrantes, em que um meio social determinado pode resultar da interacção entre diversas culturas existindo por outro lado de modo + /- homogéneo...
Na terminologia que utilisaremos, o aspecto puramente comparativo será dito intercultural, a identificação de variáveis locais (em particular interindividuais) receberá o qualificativo de intracultural e o termo transcultural[2] corresponderá à procura de processos mais gerais que tal ou tal realização cultural particular.
[1] -C.Kerbrat Orrechioni, L’énonciation de la subjectivité du langage, Paris, Seuil, A.Colin
[2] - ver o termo inglês “cross-cultural”.