António Nobre

                                    I 

Vou sobre o Oceano (o luar de doce enleva!)

Por este mar de Glória, em plena paz.

Terras da Pátria somem-se na treva, 

Águas de Portugal ficam, atrás.

Onde vou eu? Meu fado onde me leva?

António, onde vais tu, doido rapaz?

Não sei. Mas o Vapor, quando se eleva,

Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz.

Ó Lusitânia que te vais à vela!

Adeus! que eu parto (rezarei por ela)

Na minha Nau Catarineta, adeus!

Paquete, meu Paquete, anda ligeiro,

Sobe depressa à gávea, Marinheiro,

E grita, França! pelo amor de Deus!

Oceano Atlântico, 1890.

                                II

              Lusitânia no Bairro Latino

              ........................................... Só

             Ai do Lusíada, coitado,

             Que vem de tão longe, coberto de pó,

             Que não ama nem é amado,

             Lúgubre Outono, no mês de Abril!

             Que triste foi o seu fado!

             Antes fosse pra soldado,

             Antes fosse pró Brasil...

             Menino e moço, tive uma Torre de leite, 

             Torre sem par!

             Oliveiras que davam azeite,

             Searas que davam linho de fiar,

             Moinhos de velas, como latinas, 

             Que São Lourenço fazia andar...

             Formosas cabras, ainda pequeninas,

             E loiras vacas de maternas ancas

             Que me davam o leite de manhã,

             Lindo rebanho de ovelhas brancas;

             Meus bibes eram da sua lã.

            António era o Pastor desse rebanho:

           Com elas ia para os Montes, a pastar.

           E tinha pouco mais ou menos seu tamanho,

           E o pasto delas era o meu jantar...

           E a serra a toalha, o covilhete e a sala.

           Passava a noite, passava o dia 

           Naquela doce companhia.

           Eram minhas Irmãs e todas puras

           E só lhes minguava a fala

           Para serem perfeitas criaturas...

          E quando na Igreja das Alvas Saudades

          (Que era da minha Torre a freguesia)

Batiam as Trindades,

Com os seus olhos cristianíssimos olhavam-me,

Eu persignava-me, rezava “Ave-Maria...”

E as doces ovelhinhas imitavam-me.

Menino e moço, tive uma Torre de leite.

Torre sem par!

Oliveiras que davam azeite...

Um dia, os castelos caíram do Ar!

As oliveiras secaram,

Morreram as vacas, perdi as ovelhas,

Saíram-me os Ladrões, só me deixaram

As velas do moinho... mas rotas e velhas!

Que triste fado!

Antes fosse aleijadinho,

Antes doido, antes cego...

Ai do Lusíada, coitado!

Veio da terra, mailo seu moinho:

Lá, faziam-no andar as águas do Mondego,

Hoje, fazem-no andar as águas do Sena...

É negra a sua farinha!

Orai por ele! tende pena!

Pobre Moleiro da Saudade...

                            Ó minha

Terra encantada, cheia de Sol,

Ó campanários, ó Luas Cheias,

Lavadeira que lavas o lençol,

Ermidas, sinos das aldeias,

Ó ceifeira que segas cantando,

Ó moleiro das estradas,

Carros de bois, chiando...

Flores dos campos, beiços de fadas,

Poentes de Julho, poentes minerais,

Ó choupos, ó luar, ó regas de Verão!

(...) 1891-1892

III

OS SINOS

Os sinos tocam a noivado,

No Ar lavado!

Os sinos tocam, no Ar lavado, 

A noivado!

Que linda menina que assoma na rua!

Que linda, a andar!

Em êxtase, o Povo comenta «que é a Lua, 

Que vem a andar…»

Também, algum dia, o Povo na rua,

Quando eu casar,

Ao ver minha Noiva, dirá «que é a Lua 

Que vai casar…»

António Nobre, Paris, 1891