Agustina Bessa-Luís

           

 

 

            Narração de uma vivência, privilegiando a descrição de um sentimento

 

 

 

 

            Dentes de Rato não se importava nada com a pouca atenção da irmã. Com excepção das quartas-feiras, porque nesse dia da semana havia feira da lenha no terreiro em frente ao hospital e elas tinham de passar por lá. Os carros de lenha para os fogões vinham dos arredores e eram puxados por bois amarelos. Tinham chifres tão grandes e estavam tão chegados no campo da feira, que se ouvia sempre um ruído de paus. Lourença tinha muito medo dos bois. Os olhos deles eram parados e não se sabia se eram mansos ou bravos. Às vezes, se não estavam bem presos aos troncos das árvores, que eram plátanos muito antigos, davam corridas e ficavam imóveis como estátuas mais adiante. Lourença, quando acordava de manhã, e pensava que era quarta-feira, sentia-se infeliz e não tomava com prazer a sua chávena de chocolate. Mas nuca dizia nada. Ninguém ia perceber um medo como aquele, e podiam dar-lhe explicações que não mudavam coisa nenhuma. O que ela queria era que Marta a segurasse com força pela mão; mas nem isso servia, porque os bois não conheciam Marta nem se importavam com que ela fosse bonita e ajuizada. Os bois eram outra coisa; a boca deles fumegava devagar enquanto mascavam palha, e pareciam fumar de maneira pensativa. Mademoiselle Sara, que tomava conta dos recreios e das aulas de estudo, dizia que eles eram um exemplo de obediência. Mas Mademoiselle Sara dizia muitas parvoíces.

                        Agustina Bessa-Luís, Dentes de Rato, 1987