Lições de Teoria da Literatura

As Ciências Humanas

     De acordo com Michel Foucault[1], as ciências humanas designam “ce corps de connaissances qui prend pour objet l’homme en ce qu’il a d’empirique”. As ciências humanas surgiram no dia em que “l’homme s’est constitué dans la culture ocidentale à la fois comme ce qu’il faut penser et ce qu’il y a à savoir.” Entendendo, o domínio do conhecimento moderno como um espaço volumoso e aberto em três dimensões, Foucault situa na 1ª: as ciências matemáticas e físicas; na 2ª: as ciências da linguagem, da vida, produção e distribuição das riquezas; na 3ª: a reflexão filosófica que se desenvolve como pensamento do Mesmo; com a dimensão da linguística, da biologia e da economia, esta (3ª dimensão) desenha um plano comum: onde surgem diversas filosofias de vida, do homem alienado, das formas simbólicas ( quando se transfere para a filosofia os conceitos e os problemas surgidos nos diversos domínios empíricos) ... isto é, a dimensão filosófica define com a das disciplinas matemáticas um plano comum: o da formalização do pensamento. As ciências humanas não estão incluídas neste triedro, embora surjam nos interstícios destes saberes, o que as coloca em relação com todas as outras formas de saber, e as torna, apesar de instáveis e precárias, perigosas. Foucault refere-se aqui às fronteiras entre os saberes, ao perigo de invasão dos respectivos  territórios.

      A forma das ciências humanas

     As ciências humanas dirigem-se ao homem na medida em que ele vive, fala, ou produz:

“C’est comme être vivant qu’il croît, qu’il a des fonctions et des besoins, qu’il voit s’ouvrir un espace dont il noue lui-même les coordonnées mobiles; d’une façon générale, son existence corporelle l’entrecroise de part en part avec le vivant; produisant des objects et des outils, échangeant ce dont il a besoin, organisant tout un réseau de circulation au long duquel court ce qu’il peut consommer et où lui-même se trouve défini comme un relais (elo de uma cadeia?), il apparaît en son existence immédiatement enchevêtré aux autres; enfin parce qu’il a un langage, il peut se constituer tout un univers symbolique, à l’intérieur duquel il a rapport à son passé, aux choses, à autrui, à partir duquel il peut également bâtir quelque chose comme un savoir ( singulièrement ce savoir qu’il a de lui-même et dont les sciences humaines dessinent une des formes possibles). On peut donc fixer le site des sciences de l’homme dans le voisinage, aux frontières immédiates et sur toute la longueur des sciences où il est question de la vie, du travail et du langage. (362, 363)

     O homem para as ciências humanas é “o ser vivo que, do interior da vida a que pertence totalmente e pela qual é atravessado na totalidade do ser, constitui representações graças às quais ele vive, e a partir das quais ele detém essa estranha capacidade de poder configurar a vida.

     O homem - ser de linguagem - é objeto das ciências humanas “desde que se procure definir o modo como o grupo ou os grupos  (se) representam as palavras, utilizam a sua forma e sentido, compõem os discursos reais, mostram e escondem em si o que pensam, dizem mais ou menos o que querem, talvez contra vontade, de qualquer modo, deixam desses pensamentos uma massa de traços verbais que é preciso decifrar e restituir o melhor possível a sua vivacidade representativa. O objeto das ciências humanas não é a linguagem (...) é este ser que, do interior da linguagem por que está rodeado, se representa, falando, o sentido das palavras ou das proposições que enuncia, e se dá finalmente a representação da própria linguagem.” (364)

    (1º nível) As ciências humanas tratam a vida, o trabalho e a linguagem do homem (...) naquela camada de condutas, comportamentos, atitudes, gestos já feitos, frases já pronunciadas ou escritas, no interior da qual eles foram dados por antecipação uma primeira vez àqueles que agem, se comportam, trabalham e falam. (2º nível) É sempre possível tratar “no estilo” das ciências humanas o facto de que haja para certos indivíduos ou certas sociedades alguma coisa como um saber especulativo da vida, da produção e da linguagem - no limite uma biologia, uma economia e uma filologia. (365, 366)

               

    

            I - Os conceitos de Literatura e Literariedade

 

     O lexema  literatura: na língua portuguesa surge documentado num texto datado de 1510 - Actas dos Conselhos da Universidade de 1505 a 1537.

    O lexema literatura pode significar:

               

               II - Da oratura à literatura

               

             De acordo com Eleazar Meletinsky:[12]

 

           A literatura começou por ser uma arte oral. Porém, depois do nascimento da literatura, a oralidade manteve uma forte influência, sendo a base da criação folclórica. E, por outro lado, mantém uma relação de proximidade com o teatro. Por seu turno, o texto poético oral partilha alguns traços com o discurso quotidiano. E tal como no discurso quotidiano, as fronteiras de uma obra oral são muito flutuantes.

           A literatura escrita terá tido a sua origem no folclore (tese defendida pelos românticos): M. Parry (1928) e A. Lord (1960) supõem que a epopeia escrita ( em 1º lugar, os poemas homéricos) é herdeira da técnica oral da representação folclórica, embora não considerem que a origem da literatura escrita esteja apenas no folclore.

             Actualmente, Paul Zumthor demonstra de forma convincente o papel da oralidade ao longo de toda a Idade Média, inclusive para a literatura escrita.

           Zumthor utiliza a expressão oralidade mista para designar em particular a forma de criatividade representada pelas canções de gesta, as canções líricas e as canções populares,e para caracterizar, em menor grau, a literatura cortês, cujas raizes mergulham em parte no folclore e cuja invenção é escrita e pessoal mas cuja representação concreta se mantém oral. Já na Idade Média - após o séc. XII - o par oral / escrito  se identificava com o par vulgar / culto. Por outro lado, há que não esquecer o elemento oral nos sermões e exemplos que ilustram esses sermões.

 

             A literatura escrita terá surgido com as inscrições (letreiros), cuja função não podia ser plenamente preenchida pela oralidade: inscrições biográficas de altos dignatários; textos ligados ao ofício dos mortos, no Egipto; as inscrições dos reis sumérios; inscrições chinesas sobre os ossos de advinhação.

          A escrita surge aureolada de uma glória mágica: os livros canónicos e religiosos mais antigos - Bíblia, Corão, Rigveda, canône confuciano - foram sacralizados, independentemente da origem dos elementos que os compõem.

 

        

             O poeta, o autor, o escritor

 

             Uma longa história separa o canto mágico primitivo ...da obra literária.

                A evolução do cantor ao poeta corresponde a essa distância.

                Repara-se no seguinte esquema:

 

 

                III - A literariedade

 

                De acordo com Jonathan Culler:[13]

                A compreensão deste conceito pressupõe que se coloque a questão:

                - O que é a literatura?

                Porém, esta questão pode ser entendida de variadíssimas maneiras:

                a) De que espécie de objeto ou de atividade se trata?

                b) Para que serve?

                c) Estudá-la, porquê?

                d) Qual é o seu lugar no conjunto das atividades humanas?

                e) O que é que a distingue dos outros discursos ou dos outros textos, e das outras representações?

                f) O que é que a distingue dos outros produtos do espírito humano ou das outras práticas?

                g) Será a literatura um fenómeno histórico e, de modo nenhum “eterno” / natural?

 

                Perguntar qual é / são a/as qualidades distintivas da literatura é pôr a questão da literariedade: qual é/ são o /os critérios que faz / fazem de alguma coisa literatura?

                A resposta dada, até ao momento, é pouco consistente.

 

                As definições de literariedade revelam-se importantes não como critérios para identificar o que é específico da literatura mas como instrumentos de orientação teórica e metodológica capazes de mostrar os aspectos fundamentais da literatura, e que finalmente orientam os estudos literários.

 

                Os debates mais produtivos giram em torno de dois critérios diferentes:

 

                1. A literariedade é definida em termos de uma relação com uma suposta realidade - como discurso ficcional ou imitação dos actos do quotidiano.

 

                2. A literariedade é definida por certas propriedades da linguagem.

 

        Para avançar com este debate, é preciso compreender o contexto em que a questão “literatura” foi colocada: o que aconteceu apenas há 2 séculos.

      Em Lessing - Brief die neueste literatur bettrefend , publicado a partir de 1759 -, o termo literatura adquire um sentido precocemente moderno. No entanto, foi o livro de Mme de Staël - De la littérature considérée dans ses rapports avec les institutions sociales, 1800 - que funda o sentido moderno do termo. E será, sobretudo, com o surgimento da crítica literária e o estudo profissional da literatura que a questão da sua especificidade e, portanto, da literariedade se põe.

       Esta questão pôs-se porque se queria, ao determinar o quid da literatura, promover métodos de análise capazes de fazer progredir a compreensão do objecto e afastar os métodos impróprios que não tomavam em consideração a natureza do objecto.

        Foram os formalistas russos, que no princípio do séc. XX, puseram a tónica na literariedade    ( literaturnost ) e que formularam algumas das linhas de debate deste problema. Roman Jakobson colocava o problema do seguinte modo:

       L’objet de la science de la littérature n’est pas la littérature mais la “littérarité”, c’est-à-dire ce qui fait d’une oeuvre donnée une oeuvre littéraire (...) Si les études littéraires veulent devenir une science, elles doivent reconnaître le procédé comme leur “personnage” unique. Ensuite, la question fondamentale est celle de l’application, de la justification du procédé. (1921)

     De forma a reflectir sobre o objecto da literatura, passo a seguir Todorov, La notion de littérature et autres essais, Points, 188

      A literatura como entidade funcional que terá uma identidade estrutural

        Chamemos funcional à abordagem que identifica a literatura como elemento de um sistema mais vasto, pelo que esta unidade faz no interior desse sistema.

    Chamemos estrutural à abordagem em que procuramos ver se todas as instâncias que assumem uma mesma função participam das mesmas propriedades.

                Ex.: a publicidade - função precisa, mas identidade, quando definida em termos estruturais, fluida.

    Conclusão: estrutura e função não se implicam mutuamente de modo rigoroso. Porém, a estrutura  é feita de funções, e as funções criam uma estrutura. A existência de uma entidade funcional “literatura” não implica de modo algum a existência de uma entidade estrutural. De facto, as definições funcionais (pelo que ela faz e não pelo que ela é) da literatura são numerosas.

        Todorov coloca a hipótese de que a literatura não seja mais do que uma entidade funcional. (12) Todavia, procura a sua identidade estrutural.

 

 

 

                CRÍTICA da definição referencial da literatura:

     Estudiosos que criticam a definição referencial da literatura, enquanto  identidade autónoma: John Searle; E. D. Hirsch, Jr.; John M. Ellis; A. Greimas; T. Todorov; Earl Miner[15] - ver V. M. Aguiar e Silva (p. 16-19)

                No caso de a literatura não poder ser fundamentada em específicas propriedades textuais, ter-se-á que procurar no sujeito leitor - na recepção - o fundamento da literatura.

                Para esta abordagem da recepção, ver: H. R. Jauss (1978); W. Iser (1974); U. Eco (1979); e Suleimn / Grossman (1980).

      Situação presente da ciência literária:

 

À l’heure actuelle, l’éclatement de l’objet littéraire est tel que sa sectorisation a pulvérisé tous les ethnocentrismes de la légitimité. Il n’ y a plus une littérature, qu’elle ressortisse au cercle large ou au cercle restreint; il y a désormais des objets particuliers qui ont chacun leur manière de s’inscrire dans le littéraire, de produire du littéraire ou de penser le littéraire.

(...) Éclatement de l’objet, mais aussi des méthodes! (...) La plupart des méthodes en vigueur peuvent s’appliquer à n’importe quel objet discursif et ne touchent en rien à la spécificité du texte litéraire.

(...) Si texte et discours sont à prendre dans un même paradigme langagier, force est de constater qu’à la problématique de la “littérarité” et à celle de “l’intertextualité” si caractéristiques du texte littéraire pris dans sa clôture, il faut désormais ajouter, sinon substituer, une problématique de l’interdiscursivité qui se déploierait dans tous les domaines du social, et qui sur le plan d’un discours transverse se réemploierait de discours à discours, et s’inscrirait tout aussi bien dans les productions du champ littéraire que dans le discours politique, journalistique ou philosophique... (É esta a abordagem) que les études centrées sur la notion de discours social - a sociocrítica - desenvolvem actualmente, ao integrar na problemática do discurso social:

- la spécificité des procédures de mise en texte, définissant ce par quoi la textualisation s’écarte de la simple mise en discours.

Esta abordagem reintroduz a literatura “dans son large réseau interdiscursif”.

Ver Robin / Angenot, 1985; Duchet, 1979;  Gomez-Moriana, 1985; Cros, 1983; Zima, 1985.

Régine Robin, extension et incertitude de la notion de littérature, in Théorie Littéraire (Marc Angenot et alii), 1989.

 

      Definição referencial da literatura em causa:

     Os argumentos contra a possibilidade de uma definição referencial da literatura baseiam-se nas ideias defendidas por Wittgenstein - Investigações filosóficas - sobretudo devido à crítica ao essencialismo: não existe uma determinada entidade ou uma classe de entidades a que corresposndam traços essenciais significados por uma expressão

 

                O TEXTO LITERÁRIO

 

                ver cap. IX da Teoria da Literatura de V. M. A. e Silva

 

                Concepções:

 

 

 

                Carlos Reis,O Conhecimento da Literatura: p. 19-95 - cap. I; p. 114-132 - cap. II; p. 194-204 - cap. III; p. 229-230, cap. IV

                V. M. Aguiar e Silva,Teoria da Literatura, 9ª edição,  Os conceitos de literatura e de literariedade (1-42); O sistema semiótico literário como sistema modelizante secundário (90-97); Literatura escrita e oral (137-144); O conceito de língua literária, (144-179); O texto literário (561-582)

               

                ARQUITEXTUALIDADE .... GENOLOGIA .... GÉNEROS LITERÁRIOS

               

                A arquitextualidade define-se como “o conjunto das categorias gerais ou transcendentes - tipos de discurso, modos de enunciação, géneros literários,etc - de onde decorre cada texto singular.” Definição proposta por Gérard Genette, Palimpsestes. La littérature au second degré.

                 Como refere Carlos Reis[37],  “quando afirmamos que o Memorial do Convento de José Saramago é um texto narrativo, e mais propriamente, um romance, mas não exactamente um romance histórico, estamos a operar uma reflexão dimensionada, neste caso, a três níveis distintos: ao nível dos modos  do discurso, ao nível dos géneros literários e ainda ao nível dos subgéneros  do romance, entendidos como arquitextos  daquele texto. A narrativa, o romance e o romance histórico constituem, então, referências arquitextuais, investidas de capacidade classificativa e configurando, um horizonte de expectativas que enquadra e rege a leitura.”[38]

 

                No essencial, o conceito de arquitextualidade cobre o domínio da Genologia, conceito proposto por Paul Van Tieghen, que se ocupa do estudo dos modos, dos géneros e dos subgéneros literários, ou como refere V. A. S, da teoria dos géneros literário.

 

                Na abordagem desta questão há todavia que não esquecer o pensamento de Benedetto Croce[39] que refuta a existência de entidades transcendentes de tipo arquitextual baseando-se no princípio da irrepetível singularidade dos textos literários. Atitude, no entanto, contrariada, entre outros, por Lukács e Bakhtine[40]

 

               

                I -Croce: o conceito de arte como intuição e o de intuição como expressão

                “ O que nos parece indesmentível, e gratificante, agora que estabelecemos o conceito de arte como intuição e o de intuição como expressão, é que tudo acontece no plano da linguagem. Mas para isso é necessário que a linguagem seja concebida em toda a sua estensão, sem que ela seja restringida arbitrariamente à linguagem chamada articulada, e sem excluir arbitrariamente o “tónico”, o mímico, o gráfico, concebendo-a, repetimos, em toda a sua extensão, na sua realidade, que é o acto mesmo de falar, sem falsificá-la com as abstrações das gramáticas e dos vocabulários, e sem imaginar que o homem só fala com a gramática e com o vocabulário. O homem fala a cada momento como o poeta, porque tal como o poeta exprime as suas impressões e sentimentos em forma de conversação ou de linguagem familiar, que nenhum abismo separa das formas prosaico-poéticas, narrativas, épicas, dialogadas, dramáticas, líricas, cantadas, etc. E se ao homem em geral não desagrada ser considerado como poeta (...), ao poeta, por força da sua humanidade, não deve desgostá-lo que seja confundido com a humanidade comum, porque só esta confusão explica o poder que a poesia, entendida em sentido restrito e majestoso, tem em todos os espíritos humanos. Se a poesia fosse uma língua à parte, uma “língua dos deuses”, os homens não a compreenderiam. Se os eleva, não os eleva sobre si mesmos, mas dentro de si próprios; a verdadeira aristocracia e a verdadeira  democracia também coincidem neste caso. Coincidência de arte e de linguagem o que implica, como é natural, coincidência da Estética e da Filosofia da linguagem (...) Esta identidade só poderá  beneficiar os estudos sobre a arte e sobre a poesia, purificando-as dos resíduos hedonistas, moralistas e conceptistas que dominam a crítica literária e artística.”[41]

                B. Croce, “Breviário de Estética”, pp.49-50.

 

                “ Não concebemos a linguagem como signo,[42] mas como imagem que és signo de si mesma e que tem cor, som, canto. O que significa que a imagem é a obra espontânea da fantasia, de modo que todo o signo que o homem “acorda” com outro homem pressupõe a imagem e, consequentemente, a linguagem.”

                B. Croce, op. cit., p. 50  

 

         II - O conceito de género literário na estética de Croce

                Na última década de do séc. XIX dá-se uma profunda reacção contra a cultura positivista dos anos precedentes.

                Esta reacção manifesta-se na literatura - correntes simbolistas e decadentistas -, na religião -  combate ao racionalismo agnóstico e ao jacobinismo -, na filosofia - renascimento do idealismo, crítica do positivismo e do naturalismo determinista - com o aparecimento das filosofias da intuição.

                Os pensadores mais representativos  desta renovação da filosofia e da cultura europeias foram Bergson[43] e Croce.

                Croce[44] tem como objectivo primordial combater e invalidar  a doutrina dogmática e naturalista de Brunetière.

                Croce identifica a poesia - e a arte em geral - com a intuição: conhecimento do individual, das coisas e dos fenómenos singulares, produtora de imagens - modalidade de conhecimento oposta ao conhecimento lógico. A intuição é concomitantemente expressão, pois a intuição distingue-se da sensação, do fluxo sensorial, enquanto forma, constituindo esta forma a expressão. Intuir é exprimir. A poesia revela-se, portanto, como intuição-expressão: conhecimento e representação do individual, elaboração alógica e, por conseguinte, irrepetível de determinados conteúdos.

                A obra de arte[45] é una e indivisível porque “cada expressão é uma expressão única”. O que leva Croce a contestar uma teoria que conceba os géneros literários como entidades substancialmente existentes, isto é, existentes in re e não apenas in intellectu ou in dictu. (367)

                O que Croce efectivamente rejeita é o carácter substantivo e normativo do género, ao qual cada obra deveria obedecer como processo de validação estética. As consequências desta concepção normativa da arte seriam extremamente graves quer no plano da criação quer no plano da crítica literária: a poesia deixaria de ser a protagonista da história da poesia, as personalidades poéticas dissolver-se-iam e os seus desiecta membra seriam repartidos por vários géneros ... destruindo de forma irreversível a unidade e a totalidade da obra de um autor. (368)

                Ao referir-se ao 4º preconceito em torno da arte, Croce rejeita, em primeiro lugar, a possibilidade de distinguir várias ou muitas formas particulares de arte, tendo cada uma um conceito próprio, leis e fronteiras específicas.

                Esta doutrina, de origem grega,  tem sido apresentada em dois sistemas diferentes, embora uma possa surgir como subdivisão da outra:

                - a teoria dos géneros literários ou artísticos [lírico, drama, novela, poesia...; pintura sagrada ou civil...; escultura heróica, funerária...; música de câmara...]

                - a teoria das artes [poesía , pintura, escultura, música...]

 

                Croce critica os críticos que “ao julgar as obras de arte não perderam a mania de voltar aos géneros e às artes particulares em que, segundo eles, se dividem as obras de arte. E em vez de clarificar se a obra é bela ou feia, continuam expondo as suas impressões e dizendo que respeitam ou violam as leis do drama, ou da novela, ou da pntura ou do baixo-relevo.” (51)

                “A ironia da doutrina estriba-se na impossibilidade em que se encontram os seus teóricos de delimitar logicamente os géneros e as artes. Todas as definições que elaboram, quando examinadas de perto, ou se esfumam na definição geral da arte, ou reduzem-se à elevação arbitrária de obras de arte singulares a géneros e normas, a que em rigor não se podem reduzir.” (52)

                Esta doutrina tem de ser rejeitada pelo sentido artístico e poéticoque ama cada obra em si pelo que ela é, como criatura viva, individual e incomparável, e que sabe que cada obra tem a sua lei individual e o seu valor pleno e insubstituível.” (53)

                “ Como cada obra de arte é a expressão de um estado de alma, e o estado de alma é individual e sempre novo (...) não nos é possível encerrar a obra de arte num ficheiro de géneros, a menos que este seja composto de infinitas intuições e não de géneros. Como por outro lado, a individualidade da intuição supõe a individualidade da expressão (...) é inútil recorrer aos meios abstractos da expressão para construir uma outra série de géneros e de classes.  (53)

 

                “Entre o universal e o particular não se interpõe filosoficamente nenhum elemento intermédio, nenhuma série de género ou de espécie, de generalia.

                Croce não rejeita, porém, o carácter adjectivo dos géneros literários, enquanto instrumento fecundo e cómodo na sistematização da história literária.        

                A  posição de BAKHTINE[46]

                1. Definição de género

 

                Chacun des types de communication sociale[47] (...) organise , construit et achève, de façon spécifique, la forme grammaticale et stylistique de l’énoncé ainsi que la structure du type dont il relève: nous la désignerons désormais sous le terme de genre. (290)

                Le genre prend donc sa forme achevée dans les traits particuliers, contingents et uniques, qui définissent chaque situation.

 

                2. O conceito de Intertextualidade / Dialogismo... que relação com a teoria dos géneros?

 

                a. Não há enunciado sem relação com outros enunciados. O termo utilisado por Bakhtine, para designar esta relação de cada enunciado com outros enunciados, é dialogismo.

                Ao nível mais elementar, é intertextual qualquer relação entre dois enunciados.

                b. A intertextualidade pertence ao discurso, não à língua, e remete consequentemente para a translinguística e não para a linguística:

 

                “c’est un type particulier de relations sémantiques, dont les membres doivent être uniquement des énoncés entiers, derrière lesquels se tiennent ( et dans lesquels s’expriment ) des sujets de parole réels ou potentiels, les auteurs des énoncés en question. “ (30, 303)

 

                c. Na relação intertextual, o enunciado é considerado como o testemunho de um sujeito.

                d. O enunciado presente é visto como a manifestação duma concepção do mundo; o enunciado ausente, como a manifestação duma outra; é entre elas que se estabelece de facto um diálogo.

 

                d. Bakhtine reportoria todos os tipos de discurso em que a relação intertextual é essencial:

 

                - a conversação quotidiana

                - o direito

                - a religião

                - as ciências humanas

                - os géneros retóricos, como o discurso político...

 

 

                3. Para Bakhtine,  o género é o conceito-chave da história literária, porque está do lado do colectivo e do social. O género é uma entidade tanto socio-histórica como formal. As transformações do género devem ser relacionadas com as mudanças sociais

                a. A noção de género é mais fecunda que a de escola ou de corrente:

 

                L’énoncé, et ses types, c’est-à-dire les genres discursifs, sont les courroies de transmission entre l’histoire de la société et l’histoire de la langue.

                b. O género é uma das noções fundamentais da translinguística, a disciplina que estuda as formas estáveis, não individuais, do discurso.

                c. O género provém da dupla orientação de cada enunciado, para o seu objecto (conteúdo temático) e para um interlocutor. Mais tarde, o interlocutor seria subtituído pela relação entre o texto e o mundo - do modelo de mundo proposto pelo texto.

                d. A noção de acabamento, na relação entre a obra e o mundo:

 

                “Chaque genre est une manière particulière de construire et de parachever le tout (...) la réalité, pour la parachever tout en la comprenant.”

 

                e. O género forma um sistema modelizante que propõe um simulacro do mundo.

                 Nós só falamos através de certos géneros discursivos, isto é, todos os nossos enunciados possuem certas formas relativamente estáveis e típicas para se constituirem em totalidades. (...) As formas da língua e as formas típicas dos enunciados, isto é os géneros discursivos, integram a nossa experiência e a nossa consciência conjuntamente, conforme uma relação estreita de umas com as outras. Podemos ignorar as regras deste ou daquele género, e sofrer as consequências...

                f. O género comporta uma dimensão histórica: não é só uma intersecção das propriedades sociais e formais, é também um fragmento da memória colectiva.

                g. O género a que Bakhtine(p.131-143) dá mais atenção é ao romance. Porém, este não é um género como os outros, na medida em que cada uma das suas componentes é irredutivelmente individual[48] ( o que contraria a sua própria noção de género), na medida em que o “romance não obedece, como os outros géneros, a um cânone: só os exemplos particulares agem na história, mas não o cânone do género enquanto tal.”

                Deste modo, Bakhtine aceita a teoria de Friedrich Schlegel (1797-1801):

                “Cada romance é, em si,  um género. Cada romance é, em si, um indivíduo e é nisso que reside a essência do romance.”

                (...)” A ideia do romance, tal como ela é estabelecida por Bocacio e Cervantes, é a ideia de um livro romântico, onde todas as formas e todos os genros estão misturados e entrelaçados.

                Para Bakhtine, os diálogos socráticos eram os romances da antiguidade.  (134)

 

                & O facto de a maioria dos alunos terem escolhido como objecto de trabalho o romance, obriga-me a deslocar a atenção da génese e da história dos géneros, em geral - percurso que os alunos poderão percorrer através da Teoria da Literatura de V. A. e Silva - para o romance, e em particular, para o romance contemporâneo, seguindo o roteiro, Croce, Bakhtine, M. Kundera, P. Ricoeur.

 

                A

                Isabel Allende, Paula, romance, 1994

                Ed. Portuguesa: Círculo de Leitores

 

                Isabel Allende nasceu a 2 de Agosto de 1942, em Lima, no Peru.

                Sobrinha do presidente Salvador Allende, deposto e assassinado pelas tropas do general Pinochet, em Setembro de 1973. Jornalista, autora de livros infantis e peças de teatro. Publicou em:

                -  1982, A Casa dos Espíritos;

                -  1984, De Amor e de Sombra;

              -  1987, Eva Luna;

                -  1989, Contos de Eva Luna;

                -  1991, O Plano Infinito;

                - 1994 , Paula

 

                Exilada desde o golpe militar no Chile, Isabel Allende viveu sucessivamente na Venezuela, Espanha e Estados Unidos.

 

                Paula, romance de memória, autobiográfico, tem como tema central a relação dolorosa e iniciática de uma mãe, Isabel - narradora e personagem -  com uma filha, Paula, que se encontra impossibilitada de comunicar com o mundo exterior devido a uma estranha doença hereditária - a porfíria...

                À primeira vista, este romance parece adoptar uma perspectiva realista, porque parece postular uma realidade exterior e anterior ao romance. Surge, porém, uma primeira dificuldade: como conciliar , num quadro realista, dois tempos incompatíveis: o da experiência vivida pelo narrador e o da sua narração na primeira pessoa.

                Em alguns romances, através do recurso a um presente absoluto: o narrador relata a sua experiência à medida que dela toma consciência. Trata-se de uma solução que sugere a presença de um autor por detrás da perspectiva da personagem, que, para além de ser um entorse ao realismo, não convém, entretanto, a um narrador-escritor, que revela o mundo no acto concreto da escrita que exclui qualquer outra actividade. O seu relato escrito implica necessariamente uma distância, ou seja uma noção de passado.

                Paula, um romance de memórias?

 

                As memórias, pelo menos desde Marivaux, abordam o passado como uma sequência temporal completa, transcrita com conhecimento de causa por um narrador situado a grande distância e portanto capaz de distinguir e de comentar a significação da experiência.

                Paula, um romance-diário?

 

romance de memórias

romance - diário

·       ponto de vista “détaché” do memorialista

·       Só pode registar uma história morta

·       uma testemunha, um actor “comprometido”

·       Um diário puro só pode registar a superficialidade, o manifesto, o epidérmico...

·       “Ouve, Paula, vou contar-te uma história para que, quando acordares, não te sintas perdida.” p. 9

·       “ Para onde vais, Paula? Como serás ao acordar? Serás a mesma mulher ou deveremos aprender a conhecer-nos como duas estranhas? Terás memória ou terei de contar-te pacientemente os vinte e oito anos da tua vida e os quarenta e nove da minha?” p. 14

 

                Através da memória escrita, cujo objectivo seria permitir que Paula reencontrasse o tempo perdido, o leitor acaba por aceder não só a um tempo familiar, simultaneamente anedóctico e trágico, mas, sobretudo, a um tempo histórico chileno e sul-americano dos anos 60, 70 e 80: o tempo da Unidade Popular de Allende e da ditadura de Pinochet; o tempo das misérias e grandezas venezuelanas, em 1975... / ver descrição de Caracas...

                Este é também um romance de exílio... que narra a peregrinação de uma família heterodoxa, e, também, um romance de aprendizagem... da vida / da morte ... da escrita:

 

                “ O que não ponho em palavras no papel, o tempo apaga-o.” p.16

 

                Um romance onde a única presença literária explícita é Pablo Neruda:

                p. 235 - Em 1970, a Unidade Popular esteve quase a escolher Pablo Neruda como seu representante. “O poeta não tinha qualquer ambição política, sentia-se velho e cansado, apenas lhe interessava a sua noiva, a poesia; “

                p. 238 - O Poeta, embaixador do Chile em Paris... ganha o Prémio Nobel em 1972(?)

                p. 258 - 261 - “No Inverno de 1973, Pablo Neruda convidou-me a ir visitá-lo na Isla Negra.” Registo desse encontro, em que o Poeta a aconselhou a “escrever romances”.

                p. 304 - 306: A morte de Pablo Neruda, a 23 de Setembro de 1973, doze dias após o golpe militar.

                O tempo da escrita:

 

                “ Hoje são 8 de Janeiro de 1992.” p. 16

 

                A escrita:

                “ A escrita é uma longa introspecção, é uma viagem até às cavernas mais obscuras da consciência, uma lenta meditação. Escrevo às apalpadelas no silêncio e pelo caminho descubro partículas de verdade, pequenos cristais que cabem na palma da mão e justificam a minha passagem por este mundo.” p. 17

                “ Verto-me nestas páginas com uma intenção irracional de vencer o meu terror, penso que se dou forma a esta devastação conseguirei ajudar-te e ajudar-me, o meticuloso exercício da escrita pode ser a nossa salvação. Há onze anos escrevi uma carta ao meu avô para me despedir dele na sua morte, neste 8 de Janeiro de 1992 escrevo-te, Paula, para te trazer de regresso à vida.” p. 17-18.

 

                A lenda da família Allende começa em princípios do século XIX, “quando um robusto marinheiro basco desembarcou nas costas do Chile, com a cabeça perdida em projectos de grandeza e protegido pelo relicário de sua mãe pendurado ao pescoço.” p.19

                Personagens:

 

·       o Vovô e a Vovó Teresa (de Isabel)

 

·       o avô Tomás (de Paula)

 

 

 

 

·       Isabel (mãe de Paula): escritora, narradora, personagem

 

·       Paula

 

·       Nicolás (irmão de Paula)

·       o Chile

·       O vovô era defensor de uma filosofia de vida estóica. p. 14 . Vive entre 1881 e 1981 - p.16

·       primo do jovem deputado, fundador do Partido Socialista, Salvador Allende. Tomás, secretário da embaixada do Chile, no Perú, tinha gostos de luxo, esbanjador, “convidado imprescindível das farras de Lima... p. 21-22

·       Explica a génese do romance A Casa dos espíritos p. 16-17. Gerada no alto mar.

 

·       Em coma devido a um ataque de porfíria, desde 8 de Dez. 1991.

 

·       Nessa época o Chile era um bolo mil-folhas - e de certo modo ainda o é -, havia mais castas do que na Índia e existia um epíteto pejorativo para colocar cada qual no seu lugar: roto, pije, arribista, siútico, e muitos outros até se atingir a plataforma da gente como nós. p.12-13

O Chile fica no cabo do mundo. p. 18

·       que pregava contra a propriedade privada, a moral conservadora e a autoridade dos patrões... p.13

·       p. 13 - 14; 19

·       Salvador Allende

·       A fotografia (de família)

 

                O ROMANCE

 

                “ De mera narrativa de entretenimento, sem grandes ambições, o romance volveu-se em estudo de alma humana e das relações sociais, em reflexão filosófica, em reportagem, em testemunho político.”

                Vítor Manuel de Aguiar e Silva, O romance História e sistema de um género literário. p. 671.

 

                Definições:

 

               

·       “Tant que le roman se définit par la création d’un monde, et le nouveau roman (1956-1959) ne va pas plus loin, l’imitation du monde réel exercera une fascination naturelle, souvent irrésistible.”[49]

·       “Dans ce récit lacunaire (nouveau roman), il s’agit non de la révélation de quelque chose qui existe déjà mais de la production d’une fiction qui n’est pas encore.”[50]

·       Romance = mundo romanesco: “c’est un ensemble de signes dont les signifiés évoquent un référent imaginaire probablement, qui évoque la présence de l’homme.”[51]

·       “Tant que le monde romanesque se proposait comme un reflet du monde réel (realismo), une perspective n’était qu’une manière de voir, de présenter et en général de déformer”[52] (caricatura).

 

 

                Tendências do romance contemporâeo no “período dos paradoxos terminais”[53]

                Corpus:

               

·       Tereza Baptista cansada de guerra (1972), de Jorge Amado

·       Memorial do Convento (1982), de José Saramago

·        A Insustentável leveza do Ser (1983), Milan Kundera

·        Yaka (1985), de Pepetela

·        Paula (1994), de Isabel Allende

·       Ensaio sobre a Cegueira (1995), de José Saramago

 

                TEMA: a LITERATURA e a VIDA

 

                “La différence entre les événements du roman et ceux de la vie, ce n’est pas seulement qu’il nous est possible de vérifier les uns, tandis que les autres, nous ne pouvons les atteindre qu’à travers le texte qui les suscite. Ils sont aussi (...) plus “intéréssants” que les réels. L’émergence de ces fictions correspond à un besoin, remplit une fonction. Les personnages “imaginaires” comblent des vides de la réalité et nous éclairent sur celle-ci.”[54]

 

                TEMA: - o diálogo entre LITERATURA e a HISTÓRIA

               

 

                “Mas não devemos confundir duas coisas: há, por um lado, o romance que analisa a dimensão histórica da existência humana, e por outro lado, há o romance que é a ilustração de uma situação histórica, a descrição de uma sociedade num dado momento, uma histogriografia romanceada.”

                (...) “Ora, eu nunca me cansarei de repetir: a única razão de ser do romance é dizer aquilo que só o romance pode dizer.”

 

                Milan Kundera, Conversa sobre a arte do romance, p. 51.

 

                Q. Em que medida é que o romance PAULA se inscreve numa das categorias definidas por  Milan Kundera?

 

 

                Sobre a relação do romance com a História, Milan Kundera aplica e prescreve quatro princípios:

 

·       Tratar todas as circunstâncias históricas com uma economia máxima: “Comporto-me em relação à História como o cenógrafo que cria uma cena abstracta com alguns objectos indispensáveis à acção.”

·       De entre as circunstâncias históricas só reter aquelas que criam às personagens uma situação existencial reveladora.

·       A historiografia escreve a história da sociedade, não a do homem: “É por isso que os acontecimentos históricos de que falam os meus romances são muitas vezes esquecidos pelos historiadores.”

·       Não só a circunstância histórica deve criar uma situação existencial nova para uma personagem de romance, como a História, deve ela própria, ser compreendida e analisada como situação excepcional.

 

                Q. Para compreender o romance PAULA será importante conhecer a história do Chile?[55]

 

                Q. Em que medida é que Isabel Allende aplica os princípios defendidos por Milan Kundera?

 

                B - Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, 1995

 

                1. Um romance intitulado ensaio, porquê?

 

                A história do ensaio 

 

                “C’est avec les essais de Montaigne (Miche1Eyquem, 1533 - 1592 )  que la littérature française prend la conscience et assume le rôle d’une littérature d’idées (...) Qui dit littérature d’idées dit conflit d’idées, dialogue sur les grands partis, lorsqu’on met l’accent sur idées. Quand on le met sur littérature, il faut entendre effort pour donner à la langue et au style les qualités nécessaires pour exprimer les idées:  lumière, intelligibilité, précision.”[56]

 

                “ Le coup de génie (de Montaigne) ce fut de fondre des éléments pris à ces divers genres[57] dans des essais (1580, 1588), qui sont à la fois les ébauches d’un apprenti, les verves d’un esprit audacieux, les expériences d’une vie sans lustre, mais non sans épreuves.”[58]

 

                “Ce livre, d’une conception encore jamais vue, devient consubstantiel à son auteur et Montaigne peut déclarer dans son Avis au lecteur: “Je suis moi-même la matière de mon livre.”

 

                b - De acordo com o teor do trabalho apresentado sobre Ensaio sobre a Cegueira, é fundamental abordar:

 

                1º O género como conceito-chave da história literária  (M. Bakhtine)

                2º O dialogismo como suporte organizador dos géneros

                3º O género como sistema modelizante (cosmovisão, Carlos Reis, 82 a 90; 251a 254)

                4º Modos de discurso e géneros literários (Carlos Reis, 236 a 250)

                5º Crise e relativismo dos géneros literários: o conceito de desconstrução genológica (Carlos Reis, 284 a 287, 288 a 296)[59]

                6º A noção de cânone[60] / cesura epistémica (Carlos Reis, 289, 290)

                7º As entrevistas dadas por José Saramago...

                8º Realismo e Naturalismo (Carlos Reis, 435 a 443)

 

 

                c - O ensaio

 

                “ O ensaio , obra não narrativa , em prosa que exprime ideias de carácter não técnico. Pode-se atribuir a popularidade do ensaio à da “literatura das ideias”.[61]

                “ O ensaio não corresponde de modo nenhum a um aspecto intelectual da literatura, mas ao seu aspecto meditativo. Tem origem no panfleto e no opúsculo, porque no séc. XVIII e ainda no séc.  XIX o menor conjunto de reflexões históricas, morais e políticas era designado - certamente por modéstia - “Ensaio sobre...” O seu papel é entretanto diferente. Não é mais, como os “ensaios” de Péguy, polémica paciente, expressão desordenada das ideias. O ensaio corresponde à necessidade de exprimir numa inspiração súbita uma visão do mundo, sem passar pelo intermédio mais concreto mas mais lento da ficção imaginada.[62]

                “Hoje, deixámos de acreditar que uma elaboração lógica permita reconstituir o mundo, descobrindo-lhe o sentido; deixámos de acreditar que o universo seja uma construção que o espírito de forma aplicada possa copiar e reproduzir (...) De acordo com esta disposição de espírito, o ensaio substitui o sistema. Ele não pretende explicar tudo, mas lançar um foguete no coração da noite...

                De resto, a fronteira entre o romance e o ensaio continua mal delineada quando o próprio romance é meditação.

                O ensaio (e porque não o romance?) pode ser:

                - a confissão de uma geração;

                - a expressão directa da indignação e de firmeza;

                - a tradução em linguagem simples e dura de uma experiência metafísica e dura.

                O ensaio pode tomar como ponto de partida:

                - a literatura;

                - a política;

                - a experiência pessoal.[63]

               

 

                C - Memorial do Convento, José Saramago

 

Um romance intitulado memorial. Em que medida é que o memorial  é uma espécie do género romance? Por outro lado, que relações é que podemos estabelecer entre as espécies “memorial” e “histórico”? Porque é que um romancista escolheu produzir um romance histórico no Portugal dos anos 80?[64]

 

                Esta questão será apresentada pela aluna Carla Almeida. Por outro lado, a Mª João Alves[65] abordará a questão Religião e Literatura: fronteiras - tema a aprofundar, tendo em consideração a insuficiência da leitura que fez da obra de Saramago... Consultar a obra de Miguel Real - Narração, Maravilhoso, Trágico e Sagrado em Memorial do Convento, Caminho, 1995.

 

                Ler cap. de André Jolles (1930), Les mémorables, in Formes Simples...

 

                Jolles refere a forma Mémorable como a tradução latina da palavra grega apommémoneuma. Morto Sócrates, Platão e Antístenes iniciam um debate sobre a pessoa de Sócrates; Xenofonte, que reside em Corinto, escreve então os seus Apomnmoneumata: o seu objectivo era “devolver” a personagem de Sócrates não segundo as suas concepções pessoais, como o faziam os adversários (Aristófanes?), mas deixando-o emergir e libertar-se do acontecimento tal como ele o tinha guardado na memória.

                (...) Pode-se dizer do Mémorable que ele é a forma na qual o concreto se produz. E é o lugar onde tudo se torna concreto: não somente o efectivo (o real e que produz efeitos) de ordem superior a que os factos isolados se ligam numa relação carregada de sentido, mas qualquer elemento tomado nas suas relações e pela sua relatividade.

                (...) O Mémorable é a forma mais familiar na época moderna: desde que apreendemos o universo como uma colecção ou como um sistema de realidades efectivas, o Mémorable é o meio que permite fraccionar este universo indiferenciado, de nele estabelecer diferenças, do tornar concreto.[66]

                (...) O Mémorable coloca-nos o universo sob o olhar. Para a disposição mental em que o efectivo se torna concreto o importante é a credibilidade - mas ela só encontra credibilidade na sua própria forma e som tem como “atestado” o acontecimento que toma a forma do Mémorable.

 

                Þ Como refere Pinharanda Gomes, é interessante recordar que a apologia de Sócrates é o “registo memorial  que Platão efectuou do discurso do filósofo perante a Assembleia dos Quinhentos e Um. Platão escreveu com brilhantismo de forma e com analítica inteligência o teor da oração socrática, evitando o esquematismo da Apologia devida a Xenofonte (...) A Platão terá interessado mais o teor dialéctico do que o registo novelístico do processo. Os factores emocionais então vividos são de menor presença no relato platónico, pelo que nos é difícil avaliar o clímax da provocação que o discurso de Sócrates por vezes atingiu, transmitindo a ideia de algumas vezes, mais desfrutava o tribunal do que solicitava justiça.Não obstante os acentos de ironia, de mordacidade, de provacatória animosidade, são variamente sensíveis no registo que o leal discípulo exarou da apologia do mestre.

                O seu discurso (de Sócrates) será, por isso, o de um homem de verdade, tendo em contemplação, mais do que a defesa da sobrevivência, a revelação do contraste entre o justo e o injusto. Deste modo, há-de jugular o tribunal à verdade e testá-lo na sua clarividência...

                O verdadeiro discurso não é persuasivo, mas o que demonstra a verdade tal qual ela é, sem contrafacção.

                 

                Memorialismo - “um género que, como todos, mas sobretudo como alguns - biografia, ensaio, crítica literária, diário íntimo - se diversifica e ganha autonomia ao longo da nossa História literária...” verbete, in Dicionário da Literatura

                Memorial (Fr. mémoire; memorial; mémorandum; adj. mémorable)

 

                Bibliografia: “Em pedaços de encaixar” - Leitura de Memorial do Convento de José Saramago, de Mª Helena Rouanet, Colóquio de Letras nº 101, 1988.    

 

                D - Tereza Batista cansada de guerra (1972), de Jorge Amado

 

                Tema: A mulher; sub-tema: a prostituta

                Tendência literária: Neo-realismo (?)

 

                Romance e verdade: “Será que existe no mundo quem saiba toda a verdade de Tereza Batista, sua labuta, seu lazer? Não creio nem muito menos.” (13)

                Relação locutor - interlocutor ; desgraça vs alegria; a desgraçada Tereza para quem a alegria era o único valor(17-18)

 

                Personagens: Tereza Baptista (28), Flori Pachola (Floriano Pereira), doutor Lulu Santos, doutor Emiliano Guedes, o poeta José Saraiva, pintor Jenner Augusto, Libório das Neves (36-43), rapariga, caixeiro-viajante,  dois guardas civis, Januário Gereba (caboclo zarro, 30,31), Jamil Najar (cirurgião-dentista), Alma Castro (lusa e adoidada), Jota Porto, Marosi (dono de hotel), comendador Santos Ferreira (membro da comunidade luso-brasileira), velha Adriana, Veneranda (caftina), Madame Gertrude, a professora Mercedes, o capitão (30), Caetano Gunzá, Rato Alfredo, Daniel (no passado de Tereza, 34), Raimundo Sousa, Pé-de-Mula, Tia Milu, seu Andrade (proprietário do Vaticano), Joana das Folhas, Manuel França (português, 40), doutor Miguelinho, Joel Reis, António Minhoto

 

                Espaço: cabaré Paris Alegre (Aracaju), o rendez-vous / o castelo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                GÉNESE E EVOLUÇÃO DA TEORIA DOS GÉNEROS

                Doc. A

                              

                 Platão, República, Livro III

 

                (...) Tudo o que dizem os contadores de fábulas e os poetas não é narração de acontecimentos passados, presentes ou futuros?

                - Como poderia ser de outro modo? - inquiriu.

                - Pois bem! Para isso não empregam a narrativa simples, imitativa ou uma e outra simultaneamente?

                - Peço-te uma explicação mais clara acerca disso.

                - Parece que eu sou um mestre ridículo e obscuro. Portanto, como os que são incapazes de se explicar, não tratarei o assunto no seu conjunto, mas numa das suas partes, e tentarei assim demonstrar-te o que quero dizer. Responde-me: não conheces os primeiros versos da Ilíada em que o Poeta conta que Crises pediu a Agámemnon que lhe restituísse a filha, que este se irritou e que o sacerdote não tendo obtido o objecto que solicitava, invocou o Deus contra os Aqueus?

                - Conheço.

                - Sabes então que até esses versos:

 

                ele implorava todos os Aqueus

                e sobretudo os dois Atridas, chefes dos povos,

 

o poeta fala em seu nome e não procura desviar o nosso pensamento noutro sentido, como se o autor dessas palavras não fosse ele, mas outro. Porém quanto ao que se segue, exprime-se como se fosse Crises e esforça-se por nos dar, tanto quanto possível, a ilusão de que não é Homero quem fala, mas o ancião, sacerdote de Apolo; e compôs mais ou menos da mesma maneira toda a narrativa dos acontecimentos que se passaram em Ílion, na e em toda a Odisseia.

                - Perfeitamente - disse ele.

                - Ora, não há narrativa quando se trata dos discursos pronunciados por uma e outra parte que ele reproduz e quando se trata dos acontecimentos que se situam entre esses discursos?

                - Como não?

                - Mas, quando fala em nome de outro, não diremos que torna, tanto quanto possível, a sua elocução semelhante à do personagem cujo discurso nos anuncia?

                - Diremos. Porque não?

                - Ora, tornar-se semelhante a outro por meio da voz e do aspecto é imitar aquele a quem se quer ser semelhante?

                - Sem dúvida.

                - Mas, nesse caso, parece, Homero e os outros poetas servem-se da imitação nas suas narrações.

                - Perfeitamente.

                - Pelo contrário, se o poeta nunca se dissimulasse, estaria ausente de toda a sua poesia, de todas as suas narrações. Mas, para que não me digas que não compreendo isso também, vou-to explicar. Com efeito, se Homero, depois de ter dito que Crises foi, levando o resgate da filha, interceder junto dos Aqueus, sobretudo dos reis, depois disso não se exprimisse como se se tivesse transformado em Crises, mas como se continuasse a ser Homero, sabes que não haveria imitação, mas simples narrativa. Eis, mais ou menos, qual seria a forma - exprimir-me-ei em prosa, dado que não sou poeta:

 

                 “Uma vez chegado, o sacerdote pediu aos deuses que concedessem aos Aqueus a tomada de Tróia e os mantivessem a salvo, contanto que eles lhe devolvessem a filha, aceitando o resgate e temendo o deus. Quando assim falou, todos lhe testemunharam deferência e o aprovaram, mas Agamémnon irritou-se, ordenando-lhe que partisse imediatamente e não voltasse, com medo de o cetro e as faixas do deus já lhe não servissem de nada. Antes de ser libertada, a sua filha, acrescentou ele, envelheceria com ele em Argos. Portanto, ordenou-lhe que se fosse embora e não o irritasse se queria chegar são e salvo a casa. O ancião, ao ouvir estas palavras, foi tomado de pânico e retirou-se em silêncio, mas, assim que saiu do acampamento, dirigiu um grande número de preces a Apolo, invocando este deus por todos os seus nomes, conjurando-o a recordar-se e a compensar o seu sacerdote, que sempre, quer construindo templos, quer sacrificando vítimas, o honrara com presentes agradáveis; como recompensa, pediu-lhe ardentemente que fizesse expiar os Aqueus, pelas suas flechas, as lágrimas que vertia.”

 

                Aqui tens, camarada, uma narrativa simples, sem imitação.

                - Compreendo - disse ele.

                - Compreende também que há uma espécie de narrativa oposta a esta, quando se suprime o que diz o poeta entre os discursos e se deixa ficar unicamente o diálogo.

                - Também compreendo isso - respondeu. - É a forma própria da tragédia.

                - A tua observação está certíssima - prossegui -e penso que agora vês claramente o que não te podia explicar há pouco, isto é, que há uma primeira espécie de poesia e de ficção inteiramente imitativa que compreende, como disseste a tragédia e a comédia; uma segunda em que os factos são relatados pelo próprio poeta - encontrá-la-ás sobretudo nos ditirambos[67] - e, finalmente, uma terceira formada da combinação das duas precedentes, em uso na epopeia e em muitos outros géneros.

 

Platão ( 427/428 a.C. - 347 a. C.)           

Lança os fundamentos de uma divisão tripartida dos géneros literários:

Deste modo, na categoria global da diegese[68], Platão distingue três modalidades :

 

·       a simples narrativa - aplh dihghsis

·       a imitação ou mimese - mimhsis

·       modalidade mista

·       Género narrativo puro: ditirambo

·       Género narrativo ou mimético: tragédia e comédia

·       género misto: epopeia

 

Qual o lugar da lírica, em Platão?

Segundo Genette, Platão exclui deliberadamente a lírica do seu sistema de géneros literários .

 

Platão e Aristóteles (384 a. C. - 322 a. C.): mimese; mimese e diegese[69]

 

Na Poética, Aristóteles introduz uma primeira oposição entre diegese e mimese. Para Aristóteles, a diegese é um dos dois modos da imitação poética , sendo o segundo a representação directa dos acontecimentos por actores falando e agindo diante de um público. Dando assim origem à distinção clássica entre poesia narrativa e posia dramática.

Para Platão, o domínio daquilo a que chama lexis ( ou modo de dizer, em oposição a logos, que designa o que é dito) divide-se teoricamente em imitação propriamente dita (mimese) e simples narrativa (diegese). Por narrativa simples, Platão entende tudo o que o poeta conta “falando em seu próprio nome, sem se esforçar por nos convencer que é um outro que fala.”

A classificação de Aristóteles, à primeira vista, é muito diferente, porque ela reduz toda a poesia à imitação, distinguindo apenas dois modos imitativos, o directo, que é aquele que Platão  nomeia propriamente como imitação, e o narrativo, que ele nomeia como Platão , diegese. Por outro lado, parece identificar plenamente, não apenas como Platão, o género dramático ao modo imitativo, mas também, sem ter em conta o princípio da sua natureza mista, o género épico ao modo narrativo puro. Esta redução dever-se-á ao facto de Aristóteles definir, de forma mais restrita que Platão , o modo imitativo pelas condições cénicas da representação dramática. E pode justificar-se também pelo facto que a obra épica, qualquer que seja a parte material dos diálogos ou do discurso em estilo directo, e mesmo se essa parte excede a da narrativa, continua essencialmente narrativa na medida em que os diálogos aí estão inseridos e introduzidos por partes narrativas que constituem, em sentido próprio, o fundo, ou se se quiser a trama do seu discurso.

A diferença entre as classificações de Platão e de Aristóteles reduz-se a uma simples variação de termos: encontram-se no essencial, isto é, na oposição do dramático e do narrativo, o primeiro considerado pelos dois filósofos como mais imitativo do que o segundo. Porém este acordo, não deixa esconder o desacordo no que respeita aos valores, visto que Platão condena os poetas enquanto imitadores, a começar pelos dramaturgos, e sem exceptuar Homero, considerado ainda demasiado imitativo para um poeta narrativo, admitindo apenas na CIDADE um poeta ideal cuja dicção austera deveria  ser o menos mimética possível; enquanto que Aristóteles, simetricamente, coloca a tragédia acima da epopeia, e louva em Homero tudo o que aproxima a sua escrita da dicção dramática.

                Para Aristóteles, a matriz e o fundamento da poesia consistem na imitação. (...) A mimese poética incide sobre “os homens em acção”, sobre os seus caracteres (ÎthÎ), as suas paixões (pathÎ) e as suas acções ( praxeis).

                A imitação como princípio unificador e como princípio diferenciador [meios, objectos, modos]: p.343. Aristóteles contrapõe o modo narrativo, a imitação narrativa, ao modo dramático, em que o poeta apresenta todos  os imitados como operantes e actuantes.”

No modo narrativo há dois submodos: narrar directamente ou através de “outro” (344). Aristóteles condena a utilização do 1º submodo, pois sem imitação não existe poesia.

O sistema da poética aristotélica não comporta uma divisão triádica dos géneros literários, sendo refractário ao reconhecimento da lírica como modalidade da poesia equiparável à poesia narrativa e à poesia dramática. (345)

C - A doutrina horaciana  sobre os géneros literários (345)

                Epistola ad Pisones  ou Ars Poetica: trad. de Rosado Fernandes, Clássica edit. + tr. de Cândido Lusitano

                Horácio concebe o género literário como conformado por uma determinada tradição formal [metro, uma determinada temática, uma determinada relação com os receptores]

Horácio concebia os géneros literários como entidades perfeitamente diferenciadas entre si, configuradas por  distintos caracteres temáticos e formais, devendo o poeta mantê-los cuidadosamente separados, de modo a evitar, por ex., qualquer hibridismo entre o género cómico e o género trágico.......... regra da unidade de tom (347) :

·       “Que cada género, bem distribuído ocupe o lugar que lhe compete.”

               

Em Horácio, a lírica, como categoria genérica, não aparece adequadamente caracterizada e delimitada na Epistola ad Pisones.

D - Origem da divisão triádica dos géneros literários  (348)

Diomedes - gramático do séc. IV - elaborou uma divisão tripartida dos géneros literários que disfrutou de larga difusão na Idade Média ( cópia da classificação ternária de Platão, salvo em alguns aspectos terminológicos)

               

·       genus actiuum uel imitatiuum

·       genus enarratiuum

·       genus commune uel mixtum

·       dramaticon ou mimeticon

·       exegematicon ou apaggelticon

·       koinon ou mikton

 

A lírica, na acepção moderna do termo, não tem lugar no esquema classificativo de Diomedes: o princípio de que toda a poesia se fundava na mimese, ou na representação imitativa da natureza, bloqueava a possibilidade de uma adequada compreensão, no plano da teoria literária, da poesia lírica.

Teofrasto: classificação tripla dos estilos, difundida  pela Rhetorica ad Herennium por Cicero, por Horácio:

·       estilo elevado ou sublime (stilus grauis, sublimis, grandiloquus)

·       estilo médio ou temperado (stilus mediocris, modicus, moderatus)

·       estilo humilde ou baixo ( stilus humilis, tenuis, attenuatus)

 

No final do séc. IV, Sérvio, gramático e comentarista de Virgílio - aplica a taxinomia hierárquico-axiológica de estilos à obra de Virgílio e estabelece um esquema retórico-estilístico (rota Virgilii): correlaciona o stilus humilis com as Éclogas, o stilus mediocris com as Geórgicas e o stilus grauis com a Eneida, fazendo corresponder a cada um destes estilos um certo tipo social, certas personagens literárias representativas desses tipos sociais, certos instrumentos que simbolizam a condição social e a actividade dessas personagens, um determinado espaço e determinadas espécies de fauna e de flora. (349-350)

·       Fotocópia da roda de Virgílio - p. 350.

·       Ver também  Heinrich Lausberg, Genera elocutionis, Elementos de Retórica Literária, p.271-172.

 

               

Sobre a correlação desta concepção sociológica dos três estilos com os géneros literários, Cascales  (teorizador espanhol do início do séc. XVII):

                O épico e trágico usam uma linguagem ilustre e grandiosa

                O cómico, vulgar e humilde

                O lírico, galã e polida

 

 

 

2.   Comentário de um extracto de Benedetto Croce sobre a existência de géneros...

3.   A concepção de Bakthine: géneros do discurso

4.   Prefácio do Poema Camões de Almeida Garrett

5.   Comentário da Invocação de Os Lusíadas, à luz da classificação tripla de estilos.

 

E - A introdução da lírica no sistema dos géneros literários (351)

                Desde o fim do primeiro quartel do séc. XVI, após a redescoberta e difusão da Poética de Aristóteles,  até  meados do séc. XVII, os estudos de  teoria literária desenvolvem-se extraordinariamente.

                Neste período, a classificação tripartida dos géneros literários tornou-se num dogma, com uma  importante alteração em relação ao esquema de Diomedes: a introdução da lírica no sistema de géneros literários, ao lado do drama e da narrativa.

                A razão desta reformulação deve-se ao êxito que a poesia  lírica de PETRARCA, a poesia petrarquista e,  em particular, a poesia de PIETRO BEMBO, tinham junto do público leitor.

                Em autores como Badio Ascensio, Trissino, Robortello, Minturno, Torquato Tasso vai-se processando  a transformação do esquema classificatório.

                Sob o ponto de vista técnico-formal, a lírica é definida em conformidade com os caracteres atribuídos, desde Platão a Diomedes, ao modo de narrativa pura [modo exegemático ou simplesmente modo narrativo]: Modo exegemático es quando el poeta habla de su persona  propria, sin introduzir a nadie. (...) El lýrico casi siempre habla en el modo exegemático, pues haze su imitación hablando el proprio, como se ve en las obras de Horacio y del Petrarca, poetas lyricos (...) La poesia se divide en tres especies principales: épica, scénica y lýrica (...) El lýrico casi siempre habla de su persona propria. (p.352)

                Francisco Cascales

                F - Do Renascimento ao neoclassicismo

 

                No âmbito do classicismo renascentista, o género literário passou a ser concebido como uma entidade substantiva, autónoma e normativa.

                Cada um dos três géneros fundamentais se subdividia em géneros menores, por critérios bem definidos - obedecendo a regras específicas, que incidem sobre aspectos formais, temáticos... constituindo a obediência  de uma obra às regras do género a que pertencia um factor preponderante na avaliação do seu merecimento estético. Aristóteles e Horácio surgem como teorizadores mais autorizados...

                Poética do classicismo francês  e do neoclassicismo europeu (353)

                Regra da unidade de tom: esta defendia que os géneros deviam manter-se na sua pureza. Cada um tinha os seus temas, o seu estilo e os seus objectivos peculiares. Os géneros híbridos eram proscritos... o que implicou, por exemplo, o declínio da tragicomédia. (354)

                Para o classicismo, o género literário era uma entidade invariante (354), e nesse sentido é concebido segundo uma perspectiva a-histórica ou meta-histórica, indissociável do princípio doutrinário de que a essência de cada género tinha sido realizada de modo paradigmático e inultrapassável nas literaturas grega e latina.

                A hierarquização estabelecida entre os diversos géneros: distinguem-se os géneros maiores dos géneros menores

                Critério: a hierarquia que se acredita existir entre os vários conteúdos e estados de espírito humano:

                A tragédia, que imita a inquietude e a dor do homem ante o destino. A epopeia, imitação eloquente da acção heróica e grandiosa. Estes são os géneros maiores.

                Outro critério de diferenciação é o estatuto social das personagens de cada género ou dos ambientes característicos de cada género.

                A doutrina dos géneros literários foi, todavia, contestada por autores maneiristas, pré-barrocos, barrocos: a poética do barroco entendia o género literário como uma entidade histórica, admitindo a criação de géneros novos, a legitimidade dos géneros mistos, e contestou o princípio da indispensabilidade e da fecundidade das regras. (356)

                Exemplo: a Querela dos antigos e modernos. Teve o seu início em França depois de 1690, alargando-se, posteriormente a Inglaterra e outros países.

                Os antigos consideravam as obras literárias greco-latinas como modelos ideais e inultrapassáveis e negavam a possibilidade de criar novos géneros literários ou de estabelecer novas regras para os géneros tradicionais.

                Os modernos, reconhecendo uma evolução nos costumes, nas crenças religiosas, na organização social, defendiam a legitimidade de novas formas literárias diferentes... admitiam que os géneros literários canónicos pudessem assumir características novas e chegaram mesmo a afirmar a superioridade das literaturas modernas em relação às letras greco-romanas. (356)

                G - Os géneros literários na poética romântica

                No século XVIII, apesar das correntes neo-clássicas ou arcádicas, impôs-se o espírito modernista e anti-tradicional, o relativismo dos valores... o que significava negar o carácter imutável dos géneros, portanto significava admitir a historicidade e variabilidade no tempo e no espaço dos géneros e regras: desenvolvem-se novas formas literárias que adquirem grande importância - o romance, a autobiografia, o drama burguês...

                O movimento pré-romântico alemão Sturn und Drang, ainda no séc. XVIII,  proclamou a individualidade absoluta e a autonomia radical de cada obra literária [atitude radicalmente negativa, que não foi totalmente aceite pelos românticos,  por ex. por Friedrich Schlegel].

                A estética do génio - ver art. Génie de Diderot ( Enciclopédia Francesa)

                O génio, segundo Diderot, é a força da imaginação, o dinamismo da alma, o entusiasmo que inflama o coração, a capacidade de vibrar com as sensações de todos os seres e de tudo olhar com uma espécie de espírito profético. O génio, puro dom da natureza e súbita fulguração, distingue-se do gosto, fruto da cultura, do estudo, de regras e de modelos. O génio é rebelde a regras, despedaça todas as constrições, é a própria voz das emoções e das paixões, voa para o sublime e para o patético. (359)

                A teoria romântica dos géneros literários é multiforme: rejeita a teoria clássica dos géneros, em nome da historicidade do homem e da cultura, da liberdade e da espontaneidade criadoras, da singularidade das grandes obras literárias.

                A classificação tricotómica dos géneros literários recebeu da poética romântica nova fundamentação, devido à importância da triplicidade nas categorias da filosofia kantiana e na dialéctica hegeliana, segundo a qual o conhecimento discursivo da verdade e a descoberta do Ser se operam progressivamente, num ritmo triádico, pela superação, ou seja, pela síntese de sucessivos conflitos, ou crises, entre uma tese e a contradição ou a negação desta (antítese). (361)

                Friedrich Schlegel, para fundamentar tripartição dos géneros literários, baseia-se na correlação ontológica com o factor subjectivo e com o factor objectivo manifestada por cada um dos géneros. Em 1797, por ex., caracteriza a lírica como uma forma subjectiva, o drama como uma forma objectiva e o poema épico como uma forma subjectiva-objectiva.

                August Wilhelm Schlegel, adoptando um esquema conceptual e terminológico dialéctico, caracteriza a épica como a tese[identifica-se com a objectividade pura], a lírica como a antítese[como a subjectividade extrema], e o drama como a síntese das manifestações poéticas do espírito humano[identifica-se com a interpenetração da objectividade e da subjectividade]. (362)

                A. W. S. defende a lírica como o género primigénio: o género primitivo e fundador de todos os outros géneros. Esta tese alcançou larga aceitação nas doutrinas estético-literárias do séc. XIX e do séc. XX, embora Hegel tivesse defendido a épica como género primeiro. (362)

                O género misto ou híbrido por ser um género sintético, incorpora as virtualidades dos géneros puros e transcende as limitações destes.

                 A Hegel se deve a mais profunda reflexão sobre os géneros em todo o período romântico.

 

                Um dos aspectos mais originais da teoria romântica dos géneros literários: a correlação dos géneros com as diversas dimensões do tempo - o passado, o presente e o futuro. Jean Paul Richter (1813) defende: “ A epopeia representa o acontecimento que se desenvolve a partir do passado, o Drama a acção que se estende em direcção ao futuro, a lírica a sensação que se encerra no presente.”

                Outro aspecto da teoria romântica dos géneros literários é a apologia da sua miscegenação: oposição Racine / Shakespeare...

                Texto mais famoso sobre esta matéria é o prefácio de Cromwell (1827) de Victor Hugo: Hugo condena a regra da unidade de tom e a pureza dos géneros em nome da própria vida - vida de que a arte deveria ser a expressão: a vida é uma amálgama de belo e de feio,  de riso e de dor, de sublime e de grotesco, de modo que a obra artística que isole e represente apenas um destes aspectos, seja qual for a regra invocada, fragmenta necessariamente a totalidade da vida e trai a realidade. (364)

                Hugo advoga uma forma teatral nova - o drama - porque a comédia e a tragédia, como géneros rigorosamente distintos, revelam-se incapazes de exprimir a diversidade e as antinomias da vida e do homem.

                O hibridismo (do drama romântico) alargou-se ao romance, que participou ora da epopeia ora da lírica (por ex. Eurico, o Presbítero de A. Herculano).

 

                Hegel: Conferências sobre Estética (1835)[70]

                Hegel divide toda a arte em três estádios: o primeiro, simbólico [a actividade do espírito ou ideia apenas esboça a sua libertação da massa da matéria, como acontece na arte egípcia]; o segundo, clássico[a ideia (forma) e a matéria encontram-se perfeitamente fundidas, como na escultura grega ]; o terceiro, romântico[o espírito transborda e envolve a matéria numa plenitude consciente de si mesma, como na música, pintura e poesia].

                090596

                Sessão dedicada ao esclarecimento de dúvidas sobre os trabalhos em curso.

                H - A concepção naturalista e evolucionista dos géneros literários

                Na última década do séc. XIX, Brunetière (1849-1906)[71] concebeu os géneros literários, como essências literárias providas de um significado e de um dinamismo autónomos e tentou explicá-los, na linha das teorias evolucionistas de Darwin, como organismos que perfazem todo o ciclo vital: nascimento, desenvolvimento, morte ou transformação. A tragédia  clássica teria sucumbido ante o drama romântico como uma espécie enfraquecida sucumbe perante uma espécie mais forte. (365)

                Este princípio conduz à submestimação radical da obra literária em si, julgada e valorada sempre através da sua inclusão dentro dos quadros de um determinado género: o seu valor e importância histórico-literária dependem da aproximação ou afastamento da essência do género e do lugar ocupado pela obra na evolução do mesmo género. Deste modo, a crítica de Brunetière e da sua escola propõe-se como objectivo principal o estudo da origem, do desenvolvimento e da dissolução dos diferentes géneros literários. (366)

                I - O conceito de género literário na estética de Croce

                Na última década de do séc. XIX dá-se uma profunda reacção contra a cultura positivista dos anos precedentes.

                Esta reacção manifesta-se na literatura - correntes simbolistas e decadentistas -, na religião -  combate ao racionalismo agnóstico e ao jacobinismo -, na filosofia - renascimento do idealismo, crítica do positivismo e do naturalismo determinista, aparecimento das filosofias da intuição.

                Os pensadores mais representativos  desta renovação da filosofia e da cultura europeias foram Bergson[72] e Croce.

                Croce[73] tem como objectivo primordial combater e invalidar  a doutrina dogmática e naturalista de Brunetière.

                Croce identifica a poesia - e a arte em geral - com a intuição: conhecimento do individual, das coisas e dos fenómenos singulares, produtora de imagens - modalidade de conhecimento oposta ao conhecimento lógico. A intuição é concomitantemente expressão, pois a intuição distingue-se da sensação, do fluxo sensorial, enquanto forma, constituindo esta forma a expressão. Intuir é exprimir. A poesia, revela-se, portanto, como intuição-expressão: conhecimento e representação do individual, elaboração alógica e, por conseguinte, irrepetível de determinados conteúdos.

                A obra de arte é una e indivisível porque “cada expressão é uma expressão única”. O que leva Croce a contestar uma teoria que conceba os géneros literários como entidades substancialmente existentes, isto é, existentes in re e não apenas in intellectu ou in dictu. (367)

                O que Croce efectivamente rejeita é o carácter substantivo e normativo do género, ao qual cada obra deveria obedecer como processo de validação estética. As consequências desta concepção normativa da arte seriam extremamente graves quer no plano da criação quer no plano da crítica literária: a poesia deixaria de ser a protagonista da história da poesia, as personalidades poéticas dissolver-se-iam e os seus desiecta membra seriam repartidos por vários géneros ... destruindo de forma irreversível a unidade e a totalidade da obra de um autor. (368)

                Croce não rejeita, porém, o carácter adjectivo dos géneros literários, enquanto instrumento fecundo e cómodo na sistematização da história literária. 

                J - Reformulação do conceito de género na teoria da literatura contemporânea

                A teoria crociana desacreditou, durante a primeira metade do séc. XX, o conceito de género.

                As correntes de crítica formalista de raízes idealistas preocuparam-se sobretudo, e muitas vezes de modo exclusivo, com a análise imanente da singularidade artística representada por cada obra literária.

                Porém, o formalismo russo atribuiu ao género, quer na praxis da literatura, quer na metalinguagem da teoria, da crítica e da história literárias, grande importância.

                Princípio teorético essencial do formalismo russo: “A soledade  e a singularidade de cada obra literária não existem, porque todo o texto faz parte do sistema da literatura, entra em correlação com este mediante o género.”[74]

                Como refere Tomaševskij [Teoria da Literatura], o género define-se como um conjunto sistémico de processos construtivos, quer a nível temático, quer a nível técnico-formal, manifestando-se tais caracteres do género como os processos dominantes na criação da obra literária.

                Para Bakhtin, o género representa o princípio de determinação efectiva da obra literária, podendo ser definido como “a forma arquetípica da totalidade de um acto de fala, da totalidade de uma obra. Uma obra existe na realidade só na forma de um género particular. O valor estrutural de cada elemento de uma obra pode ser compreendido apenas em conexão com o género.”

                Os formalistas russos conceberam o género literário como uma entidade evolutiva, cujas transformações adquirem sentido no quadro geral do sistema literário e na correlação deste sistema com as mudanças operadas no sistema social, e por isso defenderam uma classificação historicamente descritiva dos géneros. (371, 372)

                Bakhtine: Se o cronótopo, isto é, a correlação do tempo e do espaço históricos e reais, é indissociável de todo o fenómeno literário, em virtude das suas incidências e do significado da sua representação neste mesmo fenómeno, as conexões cronotópicas assumem particular importância na configuração dos géneros, podendo dizer-se que estes, “com o seu heteromorfismo, são determinados pelo cronótopo.”[75] 

                Na dialéctica da homeostase e da mudança do sistema literário, o género desempenha uma função bivalente: representa um factor importante da memória do sistema (tradição); constitui um factor altamente sensível às mutações surgidas no meio do sistema...

                Com a herança teórica e metodológica do formalismo russo se relaciona  a caracterização dos géneros literários proposta por Jakobson, baseada na função da linguagem que exerce o papel de subdominante em cada género ( o papel de função dominante é exercido pela função poética): o género épico, centrado sobre a 3ª pessoa, põe em destaque a função referencial; o género lírico, orientado para a primeira pessoa, está vinculado à função emotiva; o género dramático “poesia da segunda pessoa”, apresenta como subdominante a função conativa e “caracteriza-se como suplicatório ou exortativo conforme a primeira pessoa esteja nele subordinado à segunda ou a segunda à primeira.

                O Círculo Linguístico de Praga não manifestou interesse pela genologia.

                A herança teorética do formalismo russo foi retomada, a partir dos anos 60 na Europa Ocidental, pelo estruturalismo e pela semiótica literária - isto é, por uma poética especificamente atenta à produção do texto literário como “objecto” estético e comunicativo possibilitado e condicionado por uma langue, por um conjunto de convenções, de normas formais e semânticas, que constituem o código. Principais representantes desta tendência: T. Todorov, Claudio Guillén, Robert Scholes, Jonathan Culler, Maria Corti e Gérard Genette.

                Os críticos de Chicago ou “neo-aristotélicos” de Chicago

                Desde os anos 30 ligados à Universidade de Chicago[R. S. Crane, Richard Mckeon, Elder Olson, Bernard Weinberg e Wayne Booth]: opuseram-se à crítica biográfico-psicologista romântica e ao new criticism, que concebia a literatura como linguagem intransitiva e como um domínio qualitativamente homogéneo, e concebem a poesia (latu sensu) como mimese e procuram caracterizar as particulares espécies de poesia que resultam dos diversos referentes e das várias técnicas que a mimese poética comporta e utiliza. (374-375). Os géneros literários constituem “termos descritivos neutros de grande utilidade” que definem e caracterizam  ex post facto as espécies identificáveis na multiplicidade dos “poemas” efectivamente existentes.

                Northrop Frye, Anatomy of Criticism, 1957

                Sobre as “categorias primárias da literatura”, considera que estas se encontram no estado em que Aristóteles as deixou. Rejeita o mito romântico do génio irrepetivelmente original e o relativismo atomizante de uma crítica subbjectivista, Northrop Frye concebe a literatura como uma complexa e coerente organização de modos, de categorias e de géneros. (376)

                Estabelece uma teoria dos modos ficcionais ... ideada em função da capacidade de acção do herói das obras de ficção e da sua relação com os outros homens e com o meio. Os modos ficcionais são cinco:

 

                               Estabelece a existência de 4 categorias narrativas [mythoi] mais amplas do que os géneros literários. Fundam-se na oposição e na interacção do ideal com o actual, do mundo da inocência com o mundo da experiência:

               

 

                               Constrói uma teoria dos géneros, partindo do princípio de que as distinções em literatura têm como fundamento o radical de apresentação: as palavras podem ser representadas, como se em acção, perante o espectador; podem ser recitadas ante um ouvinte; podem ser cantadas ou entoadas; podem, enfim, ser escritas para um leitor.

                Porque é que se diz que esta teoria tem uma base retórica?

                “In the sense that the genre is determined by the conditions established between the poet and his public.”

               

               

                Q.:  Por que motivos introduziu Northrop Frye o género “ficção”? (380)

                R. : Frye retoma e reelabora os critérios distintivos e classificativos procedentes de Platão, Aristóteles e Diomedes, pois o seu conceito de “radical de apresentação” fundamenta-se no tipo de relação enunciativa que o autor textual mantém com o seu texto e, mediante este, com os seus receptores.

                Frye introduz entre os critérios, um factor anómalo - a fixação e a transmissão dos textos pela escrita e pela imprensa... ver crítica 380/381

 

                Emil Staiger  Conceptos fundamentales de poética (1946)

                Condena a poetica apriorística e anti-histórica, porque esta se deve apoiar firmemente na história, na tradição formal  concreta e histórica da literatura, já que a essência do homem reside na sua temporalidade. (381)

                Reformulou a tradicional tripartição de lírica, épica e dramática, substituindo estas formas substantivas e substancialistas pelas designações adjectivais  e pelos conceitos estilísticos do lírico, do épico e do dramático.

                Q.: O que é que permite fundamentar a existência destes conceitos básicos da poética?

                R.: A própria realidade do ser humano, pois “os conceitos do lírico, do épico e do dramático são termos da ciência literária para representar possibilidades fundamentais da existência humana em geral; e existe uma lírica, uma épica e uma dramática, porque as esferas do emocional, do intuitivo e do lógico constituem em última instância a própria essência do homem, tanto na sua unidade como na sua sucessão, tal como aparecem reflectidas na infância, na juventude e na maturidade.” (381)

                Staiger alia a análise dos géneros literários à ontologia e à antropologia:

               

 

                A teoria da literatura de orientação marxista

 

                1. G. Lukács, Problemas da Teoria do Romance (1934/35), na sequência da Teoria do Romance (1914-1915). Ver ainda o Romance histórico (1937), Estética, 1966 (?)

                2. Raymond Williams, Marxism and literature

 

                Estética da Recepção

 

                Para a estética da recepção, o género literário constitui um factor importante na problemática da comunicação literária considerada sob o ponto de vista do leitor-receptor, pois este encontra no género um conjunto de normas e de convenções, de “regras do jogo”, que contribui para configurar o seu “horizonte de expectativas” e que o orienta  na leitura e compreensão do texto, desde as estruturas retórico-estilísticas às estruturas semânticas e aos componentes pragmáticos. (384)

 

                Modos, géneros e subgéneros literários

 

                O termo género  tem frequentemente um carácter multívoco e até equívoco. Ora se refere a categorias acrónicas e universais - a lírica, a narrativa... -, ora se refere a categorias históricas e socioculturais - o romance, o romance histórico, a ode...

                De modo a desfazer esta ambiguidade, alguns teorizadores têm proposto designações distintas:

               

Paul Hernadi: estes modos, tipos e modalidades representam construções teoréticas que proporcionam o adequado quadro hermenêutico para a compreensão dos géneros literários enquanto manifestação estética de uma determinada visão do mundo e da vida.

modos literários, originados pela utilização das diversas perspectivas do discurso - o modo lírico, o modo narrativo, o modo dramático e o modo temático. Este caracteriza-se pela anonímia, pela intemporalidade e pela universalidade, ao menos aparentes, da enunciação.

tipos de dimensão (scope) dos mundos imaginários evocados pelas obras literárias

tipos de capacidade coesiva ou de tensão resultantes da integração daqueles mundos na estrutura verbal dos textos, o alcance e a tensão cinéticos, o alcance e a tensão concêntricos

as modalidades derivadas da natureza da acção e da visão humanas evocadas pelas obras literárias - a modalidade trágica, a modalidade cómica e a modalidade tragicómica

Klaus Hempfer

Gérard Genette

modo literário

modo literário

Lämmert

Todorov

tipos - “constantes a-históricas”

tipo  (géneros teóricos) - entidade dedudativamente elaborada a partir de uma teoria do discurso literário

géneros - “conceitos históricos orientadores”

género (históricos) - entidade identificada e caracterizada indutivamente  a partir da observação e da análise da produção literária de um determinado período histórico

 

                Vítor Manuel Aguiar e Silva (389) considera fundamentada a distinção entre:

 

Modos literários

Géneros literários

categorias meta-históricas[presença de elementos universais e invariantes] representando, a nível da forma de expressão, possibilidades ou virtualidades transtemporais da enunciação e do discurso: modo narrativo, modo lírico e  modo dramático. Por outro lado, a nível da forma do conteúdo,  estas categorias representam configurações semântico-pragmáticas constantes que promanam de atitudes substancialmente invariáveis do homem perante o universo, perante a vida e perante si próprio. Desta forma, pode falar-se dum modo trágico, dum modo cómico, dum modo satírico, dum modo elegíaco...

categorias históricas que se constituem e funcionam semioticamente, tanto em relação ao emissor/autor como em relação ao receptor/ leitor, como fenómenos históricos e socioculturais, condicionados e orientados pela dinâmica intrínseca do próprio sistema literário e pelas correlações deste sistema com outros sistemas semióticos e com a globalidade do sistema social.

 

 

               

               

 

 

 

 

 

 

 

[1]  - Les Mots et les Choses - une archéologie des sciences humaines - chap. X, Les sciences humaines, 1966.

[2]  - Voltaire[François-Marie Arouet, 1694 - 1778], anglophile (1726-1734). Dans l’Histoire de Charles XII, roi de Suède, Voltaire, comme les écrivains classiques, veut à la fois plaire et instruire. Ver Lettres philosophiques (1734), em particular, as cartas  XVIII a XXIV que tratam da literatura e da liberdade literária inglesa, como o provam as condições em que Shakespeare, Milton, Addison e Newton produziram as respectivas obras. As Lettres philosophiques “consacrent le progrès d’un esprit nouveau, prudent encore, mais raisonneur, et orienté déjà vers la critique systématique de l’ordre établi.” in Manuel des études littéraires françaises, séc. XVIII... P.-G. Castex et P. Surer

Les Letres philosophiques, referentes à literatura, são dedicadas, em termos comparativos (Inglaterra / França) aos seguintes assuntos: Carta 18 / Sur la tragédie; Carta 19 / Sur la comédie; Carta 20 / Sur les seigneurs qui cultivent les lettres; Carta 21 / Sur le comte de Rochester et M. Waller;  Carta 22 / Sur M. Pope et quelques autres poètes fameux; Carta 23 / Sur la considération qu’on doit aux gens de lettres; Carta 24 / Sur les Académies ... edição consultada “Lettres philosophiques, Nouveaux classiques Larousse

[3]  - Diderot [Denis Diderot, 1713 - 1784] foi o primeiro a destruir as barreiras que separavam os artistas dos escritores. Para ele: a Arte deve comover; a Arte deve ser verdadeira - imitar a verdade da natureza. Na literatura, como no domínio científico, Diderot aposta no progresso, defendendo, por isso, a imitação das literaturas estrangeiras modernas, principalmente a literatura inglesa: Moore e Lillo (teatro); Sterne, Fielding e, sobretudo, Richardson (género romanesco). Na literatura, como na moral, Diderot faz a apologia do livre impulso da Natureza.

[4]  - Em que medida é que a apregoada crise da literatura se encontra ligada à crise da ideia de nação? Qual o contributo, para essa crise, dos projectos supranacionais, tais como a União Europeia ou a lusofonia?

[5]  - Cf. António Quadros, A ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos últimos cem anos, p. 203-206, Fund. Lusíada, 1989.

[6]  - António Quadros, op.cit. p.208-209.

[7]  - António Quadros, op. cit. p. 235-243.

[8]  - Eduardo Lourenço, O Labirinto da Saudade, cap. Repensar Portugal; Da Literatura como interpretação de Portugal...

[9]  - Ver Rohrmoser, p. 35, cit. por Lothar Bredella, Introdução à Didáctica da Literatura.

[10]  - T. Todorov, La notion de littérature, p. 15

[11]  - Em 1750, publicou Baumgarten a sua obra AESTHETICA, o primeiro livro a ser assim designado.

[12]  - in Théorie Littéraire, Marc Angenot et alii.

[13]  - in Théorie Littéraire, Marc Angenot et alii.

[14]  - Que tem o seu fim em si mesmo. Autotelia - qualidade de determinar por si próprio o objectivo dos seus actos.

[15]  - Tomar em consideração o conceitos de falácia objectiva de Earl Miner: aquele vício de raciocínio que consiste em reificar a noção de literatura, aceitando-se que as “obras de arte literária” são “objectos literários”, entidades hipostasiadas - hipostasiar: consiste em considerar como substância o que é apenas um acidente ou uma ideia; arvorar em entidade - às quais são atribuídas qualidades objectivas. Para Earl Miner, “the status of literature is cognitive rather than objective or otherwise hypostatic.” V. M. Aguiar e Silva, p. 19.

[16]  - “ No Curso de Linguística Geral, publicado pela primeira vez em 1916, Saussure postulava a existência de uma ciência geral dos signos, ou Semiologia, de que a linguística seria apenas uma parte. Prospectivamente, a semiologia tem pois como objecto qualquer sistema de signos, sejam quais forem a sua substância ou os seus limites: as imagens, os gestos, os sons melódicos, os objectos e os complexos dessas substâncias que encontramos nos ritos, nos protocolos ou nos espectáculos constituem, senão “linguagens”, pelo menos sistemas de significação. (...) Portanto, talvez a semiologia seja levada a absorver-se numa trans-linguística, cuja matéria tanto pode ser o mito, a narrativa, o artigo de imprensa, como os objectos da nossa civilização, contanto que sejam falados (através da imprensa, do prospecto, da entrevista, da conversa e talvez mesmo da linguagem interior, de ordem fantasmática). Roland Barthes, (1964) in Elementos de Semiologia (O Grau Zero da Escrita), ed. 70, pp. 87 e 89.  

[17]  - Cf. Yu M. Lotman e A. M. Piatigorsky, Text and function, in New literary history, IX, (1978).

[18]  - Cf Teun A. van Dijk, Some aspects of text grammars. A study in theoretical linguistics and poetics, The Hague , Mouton, 1972. E Antonio García Berrio, Texto y oración. Perspectivas de la linguística textual, in Janos S. Petöfi...

[19]  - O que explica que a retórica seja considerada como uma disciplina antecessora da teoria do texto. Cf. A. Kibédi Varga (ed.), Théorie de la littérature, pp.139-174.

[20]  - Problèmes de linguistique générale I, Paris, 1966.

[21]  - Cf Síntese introdutória na obra Initiation aux méthodes de l’analyse du discours, Paris, Hachette, 1976.

[22]  - Cf. Charles Morris, Writings on the general theory of signs, The Hague, Mouton, 1971.

[23]  - Ver definição de sistema modelizante do mundo; sistema modelizante primário e secundário. V. M. A. e  Silva, pp. 90-97.

[24]  - Em Benveniste, ocorre outra acepção do discurso, consubstanciada na oposição entre dois planos distintos da enunciação: o plano da história e o plano do discurso.

[25]  - Cf Cl Haroche, P. Henry e M. Pêcheux, La sémantique et la coupure saussurienne: Langue, langage, discours, in Langages, 24, 1971.

[26]  - Roland Posner, Rational discourse and poetic communication, Berlin - New York..., Mouton, 1982.

[27]  - “ O desvio pode ser analisado e valorado como uma diferença, um distanciamento e uma novidade ou pode ser analisado e valorado como uma irregularidade, uma anomalia e uma transgressão em relação ao termo considerado como norma.” V. M. A. e Silva, op. cit. p. 157.

[28]  - Ver dificuldade da tarefa: Pierre Fontanier; Du Marsais; Grupo m da  Universidade de Liége, G. Genette...

[29]  - Jean Cohen, Structure du langage poétique: escolhe a prosa do cientista como a modalidade da linguagem em que melhor se realiza o “grau zero da escrita” (...) e por conseguinte, como pólo antipodal da linguagem poética, em confronto  com o qual se deve analisar e medir o desvio representado por esta última. Ver também o matemático romeno, Solomon Marcus...

[30]  - Cf. Benvenuto Terracini, Analisi del concetto di lengua letteraria, in I Segni, la storia, Napoli, Guida Editori, 1976.

[31]  - Cf. crítica de V. M. A. e Silva, sobretudo, ao recuperar o papel impositivo da tradição literária, assim como os factores intelectivos, volitivos e emotivos de ordem individual. Op. cit. p. 165.

[32]  - Este conceito de clôture é um prolongamento do princípio kantiano e neo-kantiano da autonomia da arte - o angelismo.

[33]  Metatexto: conjunto de textos que descrevem, explicam e regulam a natureza e o funcionamento dos códigos literários. Lotmann, cit. p. 296.

[34]  - Intertexto: conjunto de textos que entram em relação produtiva com um determinado texto. Lotmann, cit. p. 296.

[35]  - Ver Carlos Reis, O Conhecimento da literatura: definição de transtextualidade, arquitextualidade e crítica do conceito arquitexto  pp.229-230.

Transtextualidade designa (Genette) o objecto geral da poética, isto é, a determinação da  propriedade da transcendência textual, em função da qual é possível, “saber tudo o que põe o texto em relação, manifesta ou secreta, com outros textos.” A arquitextualidade surge, deste modo, como um tipo particular de relação transtextual, definida como “o conjunto de categorias gerais ou transcendentes - tipos de discurso, modos de enunciação, géneros literários - de onde decorre cada texto singular.” Este aspecto - o estudo da genologia será desenvolvido no 2º semestre: Carlos Reis, op. cit. pp.229-304.

[36]  - Janet Wolff, The social production of art, Mcmillan, 1981.

[37]  - Carlos Reis, O Conhecimento da Literatura, Texto literário e arquitextualidade, pp230-231...

[38]  - Como trabalho prático, é necessário averiguar se, com Memorial do Convento,  estamos ou não perante um exemplo de “romance histórico”.

[39]  - Leitura obrigatória dos capítulos Que és el arte? e, sobretudo,  Prejuicios en torno al arte, Breviario de Estética, de Benedetto Croce.

[40]  - Bakhtine - The problem of speech genres, in Speech Genres and other Late Essays, Austin, Univ. of Texas Press, 1986

[41]  - Este extracto faz parte da rejeição do 3º preconceito estético, que cinde a expressão estética em “propriedade” e “ornato”.

[42]  - Croce refuta a teoria da “origem convencional da linguagem”.

[43]  - Obra capital de Bergson, L’évolution créatrice, 1907.

[44]  - Obra fundamental de Croce, Estética, 1902.

[45]  - Síntese do pensamento de Croce - Prejuicios en torno al arte :

1º Preconceito: a distinção artificial entre conteúdo e forma, protagonizada por hegelianos [para quem a “arte está toda no conteúdo]  vs herbatianos [para quem o conteúdo é indiferente, porque “só as formas deleitam o espírito estético]. Croce rejeita as duas posições porque no seu entendimento “conteúdo e forma devem ser perfeitamente separados na arte, mas não podem ser considerados separadamente artísticos, porque só a relação entre ambos é que pode ser artística. A arte é, assim, uma verdadeira síntese estética, a priori, de sentimento e imagem na intuição.

2º Preconceito: a distinção entre exterior (forma - técnica - reflexão / expressão) e interior (dito/ imagem). Mas que relação estabelecer entre imagem  e expressão? Para Croce é necessário determinar se estes dois elementos são legitimamente distintos ou se conseguimos conceber uma intuição “despojada” da expressão. De facto só conhecemos intuições “expressadas”: um pensamento só é pensamento quando se formula em palavras. (...) “Sendo impossível uma imagem sem expressão, é mais do que concebível, melhor ainda, logicamente necessária, uma imagem que leve a expressão consigo, porque é realmente imagem. (op. cit. 42 a 44)

“ Fantasia e técnica distinguem-se razoavelmente, mas não como elemento de arte, e ligam-se e confundem-se entre si, não no campo da arte, mas no campo mais vasto do espírito na sua totalidade.” ( 45)

3º Preconceito: em torno do conceito expressão estética, definida dualmente - propriedade e ornato, gerando uma classificação de duas ordens de expressão: as expressões despojadas e expressões adornadas. Esta distinção foi sobretudo consagrada pela retórica, inundando toda a reflexão de cariz literário. De acordo com Croce, “o preconceito  consagrado pela retórica de que o falar ornado é mais rico e recomendável que o falar despojado foi acolhido não só pela estética, como também pela crítica e pela educação literária.” (47) Como refere Croce, “uma expressão própria, se é apropriada, também é bela, porque a beleza não é mais  do que a determinação da imagem, e consequentemente, da expressão.” (...) A expressão e a beleza não são dois conceitos, mas um só,na medida em que os vocábulos são sinónimos. (48)  

[46]  - Tzvetan Todorov, Mikhaïl Bakhtine le principe dialogique, suivi des Écrits du Cercle de Bakhtine, Seuil, 1981 - ver, em particular, o cap. Histoire de la littérature.

[47]  - Relação de comunicação artística; relações de produção; relações de negócios; relações quotidianas; relações ideológicas no sentido restrito. in La structure de l’enoncé, p. 289.

[48]  - Neste sentido sentido, Croce e Bakhtine estão de acordo.

[49]  - Jean Alter, Perspectives et modèles, in Nouveau Roman: hier, aujourd’hui, coll. 10/18.

[50]  - Jean Ricardou, Nouveau Roman:hier..., p. 56.

[51]  - Jean Alter, op.cit. p. 58.

[52]  - Jean Alter, op. cit. 59.

[53]  - Expressão de Kundera, para quem o “fim não é uma explosão apocalíptica. Talvez não haja nada de mais tranquilo que o fim.” A Arte do Romance, p. 57.

[54]  - Michel Butor, Essais sur le roman,Idées / Gallimard. p.11

[55]  - Respondendo a esta questão, a propósito do romance A insustentável leveza do ser, Kundera afirma: “Não. Tudo o que precisa de saber, o próprio romance di-lo.” p. 54.

[56]  - Montaigne - Les essais, (introdução par Albert Thibaudet), Livre de Poche, 1393-1394: p. 5-6.

[57]  - “Mots dorés à Caton; Apophtegmes d’Erasme; Maximes des Grecs et des Latins; Lettres ou Dissertations morales imitées des Lettres de Lucilius de Sénéque; Diverses Leçons de Pierre de Messie... p. 13.

[58]  - op. cit. p. 13 (P. Michel).

[59]  - A reflexão de Carlos Reis termina precisamente com uma referência à obra de José Saramago O Manual de Pintura e de Caligrafia, ex. de ensaio de romance.

[60]  - Distribuição de um extracto de O Cânone Ocidental de Harold Bloom: Uma Elegia em Louvor do Cânone. Ideias essenciais:

1º O cânone significava originalmente a escolha de livros nas nossas instituições de ensino...

2º Se encararmos o cânone como a relação de um leitor e de um escritor individuais com aquilo que foi preservado de entre tudo o que foi escrito, esquecendo a ideia de cânone como uma lista de livros de estudo obrigatório, então o Cânone dá-se a ver como sendo idêntico à literária Arte da Memória e não ao sentido religioso de cânone.

[61]  - R.M. Albérès, Bilan littéraire du Xxè siècle ( L’essai et la critique, p. 143), Nizet, Paris, 1970.

[62]  - Ibidem, p. 144 -145.

[63]  - Ibidem, p. 145 - 146.

[64]  - “Sendo a História basicamente o estabelecimento de uma genealogia, ela nutre-se de factos dispostos linearmente no tempo. Assim, rompida tal linearidade, não haveria História ou, pelo menos, não esta História.” Mª Helena Rouanet, Colóquio Letras nº 101, p. 56

[65]  - O tipo de leitura feita pela Mª João obriga a introduzir uma reflexão sumária sobre a “leitura do ponto de vista literário e do ponto de vista pragmático” (fotocópia  do art. de Horst Sreinmetz, Recepção e interpretação , p. 154 -157.

[66] - Mª Helena Rouanet: “Embora haja várias construções dentro do texto, optamos por ater-nos ao processo de construir, já que este é o Memorial não de um convento pronto e acabado, mas de sua feitura, desde a pré-história (o voto real) até à sagração da obra “ainda por acabar”. Partimos pois da pré-história e constatamos que, como Deus criou o mundo pela palavra, também a verdade feita palavra na boca do frade gerou a sucessão ao trono português e a consequente possibilidade de escrever este romance. (...) A acção acarreta a introdução da diferença e, ao nível da organização da narrativa, podemos rever a relação observada quanto ao dizer, pelo fingir e pelo imaginar, o que “poderia ter sido dito”. Assim tudo nos leva a considerar este romance como um andar e um fazer que interferem num universo, para impedir que as coisas fiquem todas iguais.” Ver p. 177, Memorial... sobre a construção da música (do romance). (...) Fica então estabelecido o paralelo entre as histórias que se contam, uma servindo de matéria à outra, e o Memorial assume o seu lugar de mais uma história nesta rede; todas são construções, todas seleccionam, organizam, juntam peças, privilegiam umas em detrimento de outras, imaginam, fingem.

(...) Vemos que o Memorial tem traços do romance histórico: a reconstituição apoiada nas “fontes” e a semelhança com a crónica, cuidadosamente destacada na forma de narrar e até no léxico. Fica entretanto patente que ele rompe com as expectativas suscitadas por esse género na medida em que não se trata de simples história romanceada, mas de uma produção que se afirma imaginária, ficcional. Contudo, por esse mesmo procedimento, ele confirma as expectativas do leitor afeito à chamada literatura da modernidade / a poética da negatividade ( W. Iser) e que se caracteriza por negar todo o resultado definitivo, levando o leitor a dar-se conta de que, na literatura ou fora dela, estamos constantemente fabricando ficções a fim de criar linhas de conduta confiáveis ou até realidades, para nós mesmos. (The Implied reader) 

[67]  - É um poema que se divide em partes para soprano, primeiro tenor, segundo tenor e coro, e que supõe acompanhamento instrumental. O herói, não deus mas endeusado, por ex. era quase sempre o Marquês de Pombal.

[68]  - “ Segundo Platão, todos os textos literários (“tudo quanto dizem os prosadores e poetas) são uma narrativa [dihghsis] de acontecimentos passados, presentes ou futuros.

[69]  - Gérard Genette, Frontières du récit, Communications nº 8, 1966.

[70]  - William K. Wimsatt, Jr e Cleanth Brooks, Crítica Literária - Breve História, p. 444.

[71]  - Brunetière é profundamente influenciado pelo positivismo e pelo naturalismo e, sobretudo, seduzido pelas teorias evolucionistas de Spencer e Darwin.

[72]  - Obra capital de Bergson, L’évolution créatrice, 1907.

[73]  - Obra fundamental de Croce, Estética, 1902.

[74]  - Cf. Jurij N. Tynjanov.

[75]  - Bakhtine, Esthétique et théorie du roman, Paris, Gallimard, 1978.

[i]  - Síntese do cap. de Paul Ricoeur O que é um texto?

Texto é todo o discurso fixado pela escrita. (...) O que é fixado pela escrita é, pois, um discurso que poderia ter sido dito, é verdade, mas que se escreve, precisamente, porque não se diz. (...) A relação escrever-ler não é um caso particular da relação falar-responder. Não basta dizer que a leitura é um diálogo com o autor através da sua obra; é preciso dizer que a relação do leitor com o livro é de uma natureza completamente diferente; (...) o livro separa em duas vertentes o acto de escrever e o acto de ler, que não comunicam; o leitor está ausente da escrita; o escritor está ausente da leitura. O texto produz, assim, uma dupla ocultação do leitor e do escritor; é deste modo que ele toma o lugar da relação de diálogo que liga, imediatamente, a voz de um ao ouvido de outro.

(...) A escrita é uma realização paralela à fala, uma realização que ocupa o lugar dela e, de certo modo a intercepta. Foi por isso que pudemos dizer que o que aparce na escrita é o discurso enquanto intenção de dizer e que a escrita é uma inscrição directa desta intenção de dizer. (...) Esta libertação da escrita que a coloca no lugar da fala é o acto de nascimento do texto.

O que é a literatura para P. Ricoeur? Define-a como o quase-mundo dos textos gerado pela relação de texto a texto, no esbatimento do mundo real (referência real). (...) Esta ocultação do mundo circunstancial pelo quasi-mundo dos textos, numa civilização da escrita, gera o imaginário (literário) no sentido de que ele é presentificado pelo escrito, no próprio lugar em que o mundo era apresentado pela fala.

(...) Quando o texto toma o lugar da fala, já não podemos propriamente falar de locutor, pelo menos, no sentido de uma autodesignação imediata e directa daquele que fala na instância dodiscurso... porque o autor passa a ser instituído pelo texto - o texto é exactamente o lugar onde o autor sobrevive. in Do texto à acção, pp.141-146.

[ii]  - O Paradigma do texto, op. cit. pp.186-191. (fotocópia)

[iii]  - J. L. Austin, How to do things with words, 1962. Ed. francesa “Quand dire, c’est faire” cf. Oitava Conferência, pp.109-118. Resumo, p. 28 (fotocópia)

[iv]  - Mensagem - macrotexto

               

              ULISSES

 

             O mito é o nada que é tudo.

             O mesmo sol que abre os céus

             É um mito brilhante e mudo

             Vivo e desnudo.

 

             Este, que aqui aportou,

             Foi por não ser existindo.

             Sem existir nos bastou.

             Por não ter vindo foi vindo

             E nos criou.

 

             Assim a lenda se escorre

             A entrar na realidade,

             E a fecundá-la decorre.

             Em baixo, a vida, metade

             De nada, morre. 

 

             O CONDE D. HENRIQUE

                Todo o começo é involuntário

             Deus é o agente,

                O herói a si assiste, vário

                E inconsciente.

 

                À espada em tuas mãos achada

                Teu olhar desce.

                “Que farei eu com esta espada?”

 

                Ergueste-a, e fez-se.

 

               

D. SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL

 

Louco, sim, porque quis grandeza

Qual a Sorte a não dá.

Não coube em minha certeza;

Por isso onde o areal está

Ficou meu ser que houve, não o que há.

 

Minha loucura, outros que me a tomem

Com o que nela ia.

Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?

O INFANTE

 

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Deus quis que a terra fosse toda uma,

Que o mar unisse, já não separasse.

Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.

 

E a orla branca foi de ilha em continente,

Clareou, correndo, até ao fim do mundo,

E viu-se a terra inteira, de repente,

Surgir, redonda, do azul profundo.

 

Quem te sagrou criou-te português.

Do mar em nós em ti nos deu sinal.

Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.

Senhor, falta cumprir-se Portugal!